Onda de calor no Verão fez quase 1700 mortos em Portugal
Entre 23 de Junho e 14 de Julho dispararam as chamadas para o INEM e para a
Linha Saúde 24 assim como as deslocações para as urgências dos hospitais. Esta
foi a quarta onda de calor desde 1981.
Nas últimas duas décadas, o país tinha registado
apenas três ondas de calor: em 1981, em 1991 e em 2003. Na primeira morreram
1900 pessoas, na segunda 1000 e na terceira 1953. Para formalmente se considerar
que, num determinado período, houve uma onda de calor é necessário que a
temperatura esteja acima da média para a altura do ano durante mais de seis dias
consecutivos.
Os dados do Instituto Português do
Mar e da Atmosfera indicam que houve uma onda
de calor entre os dias 22 e 30 de Junho, em particular na região Centro, e
que variou de sete a nove dias. No dia 3 de Julho veio uma nova onda de calor,
que ficou até dia 13, sobretudo na região de Trás-os-Montes.
Como o fenómeno regressou, a
Direcção-Geral da Saúde (DGS) mandou elaborar um relatório para perceber as
consequências da onda de calor e conclui que teve “um impacto apreciável na
saúde da população” — corroborando os dados
que o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge já tinha preliminarmente
avançado na altura. Para isso foram comparados os dados deste ano com os de
um outro em que não foram observadas temperaturas extremas. “O valor de
referência para a mortalidade foi o período de 2007 a 2012, excluindo o ano de
2010. Para os outros indicadores, foi utilizado o período de 2012”, diz a
DGS.
Mais óbitos nas mulheres no Norte
Em termos gerais, os quase 1700 mortos correspondem a mais 30% do que seria normal para aquela altura do ano. Ainda assim, por exemplo no dia 8 de Julho, a mortalidade chegou a ser 105% acima do esperado. “Em termos gerais, observou-se um excesso de mortalidade mais elevado nas mulheres (45%) em comparação com os homens (21%). Por grupo etário, apenas foram observados excessos de mortalidade significativos na população acima dos 75 anos de idade. Abaixo deste limiar da idade, foram observados excessos de mortalidade entre os 45 e os 74 anos, que não se revelaram estatisticamente significativos.” Quanto a regiões, só o Algarve foi poupado, com um aumento de 10%. Pelo contrário, no Norte a subida foi de 41% e no Centro de 36%.
Quando aos episódios de urgência, o relatório diz que “são semelhantes até ao início de Julho, verificando-se, a partir daí, um aumento da procura dos cuidados de urgência, que só retoma os valores de 2012 depois do dia 15 de Julho. Este aumento de procura corresponde ao período em que se verificou o maior aumento das temperaturas máximas e mínimas, de 3 a 10 de Julho. De facto, a partir dos primeiros dias de Julho de 2013, a procura foi sempre superior à de 2012”.
No geral, a procura das urgências cresceu 7,7% entre 23 de Junho e 14 de Julho em relação ao mesmo período de 2012. Contudo, registaram-se grandes assimetrias regionais, com o Alentejo a ter uma subida de 9,6%, o Centro com 9,5%, Norte com 7,5%, Algarve com 5,8% e Lisboa e Vale do Tejo com 5%.
As chamadas para a Linha Saúde 24 (808 24 24 24) também cresceram 4,4% no mesmo período, sendo que as que foram motivadas directamente por “calor” tiveram um acréscimo de quase 47%.
Por seu lado, o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) também registou mais 27,8% de ocorrências. “Salienta-se que as ocorrências designadas por ‘alteração de estado de consciência’ e ‘dispneia’ sofreram acréscimos de 42,4% e 24,6%, respectivamente”, sublinha a DGS.
“A preparação de medidas de informação e de protecção das populações, bem como a sua divulgação e activação em tempo útil, perante a previsão de uma onda de calor, é da maior importância contribuindo, desta forma, para que sejam minimizados os efeitos daqueles fenómenos extremos na saúde e na mortalidade”, reconhece a DGS nas conclusões do relatório.
A frequência das mega-secas na Península Ibérica está
a aumentar
ANA GERSCHENFELD 06/09/2013 in Público
Estudo liderado por cientista
português confirma que as emissões de gases com efeito de estufa de origem
humana estão a contribuir para o aumento da frequência destes eventos
climáticos extremos.
A revista Bulletin of the Meteorological Society publicou
ontem um número especial dedicado aos eventos climáticos extremos do ano de
2012. Da seca extrema no Midwest norte-americano, às ondas de calor na Europa e
no Leste do EUA, passando pelo furacão Sandy que assolou Nova Iorque e as
chuvas diluvianas na China, Nova Zelândia, Austrália ou Japão, são um total de
19 análises, feitas por 18 grupos de cientistas e utilizando variadas
metodologias, a tentar explicar as causas de 12 eventos extremos desse ano.
Um dos estudos, da autoria de uma equipa luso-espanhola
liderada por Ricardo Trigo, do Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa,
foca-se na seca extrema que se verificou em toda a Península Ibérica no Inverno
de 2011-2012.
Não foi a maior seca do século a afectar Portugal e Espanha,
mas andou perto disso. "A de 2004-2005 foi ligeiramente mais forte",
disse ao PÚBLICO Ricardo Trigo, acrescentando que aquele evento de há quase uma
década é provavelmente o recordista dos últimos 100 anos. Seja como for,
"entre Setembro de 2011 e Agosto de 2012, a precipitação
acumulada sobre a Península Ibérica desceu para cerca de 50% da média
climatológica de pluviosidade, de 1950 a 2000, sobre o Sudoeste da
Península", escrevem estes cientistas no seu artigo (ver mapa). E os
quatro meses de Dezembro a Março, que normalmente são os de maior pluviosidade
nesta região, foram excepcionalmente secos. Tal como a de 2004-2205 (e a de
1998-1999), a seca de 2011-2012 atingiu toda a Península Ibérica, ao contrário
das secas mais comuns, que costumam afectar apenas 20 a 30% do território.
Isto aconteceu, segundo o estudo, devido a uma configuração
desfavorável dos fenómenos climáticos naturais que controlam a força e a
direcção dos ventos, tais como as flutuações da diferença de pressão
atmosférica entre a Islândia e os Açores - mecanismo designado por Oscilação do
Atlântico Norte, NAO na sigla em inglês -, que influencia os ventos de Oeste.
Por sua vez, isso provocou uma brutal diminuição da humidade normalmente
transportada até à Península Ibérica a partir do Golfo do México, das Caraíbas e
do Atlântico Norte.
Todavia, a questão central não é a existência esporádica de
secas extremas, mas a de saber se a frequência das secas extremas está ou não a
aumentar. E esta é precisamente a principal conclusão do estudo. De facto, ao
passo que, nos anos 1960, o intervalo de tempo entre duas secas desta dimensão
era superior a 40 anos, hoje ela está mais perto dos 30 anos. "Três das
maiores secas dos últimos 60 anos [na Península Ibérica] aconteceram nos
últimos 15 anos", resume Ricardo Trigo.
Ora, quando se verifica um aumento de frequência de um
evento climático extremo, salienta, torna-se essencial conhecer as suas causas.
"Esta é a novidade aqui", diz Ricardo Trigo: "Tentar separar a
variabilidade climática natural das alterações climáticas associadas às
actividades humanas."
E esta era também uma das perguntas a que todos os estudos
ontem publicados em conjunto queriam responder. Resultado: "Cerca de
metade das análises encontraram indícios de que as alterações climáticas de
origem humana estão a contribuir para a ocorrência do evento extremo em
causa", lê-se na revista científica, na introdução aos artigos. Sem
esquecer, contudo, que "os efeitos das flutuações naturais do tempo e do
clima também desempenharam um papel crucial em muitos destes eventos
extremos."
Uma das análises que deu resposta positiva à pergunta foi
justamente o estudo da seca extrema de 2012 na Península Ibérica: se essas
emissões não fossem tidas em conta nos modelos que os cientistas utilizaram
para simular a evolução do clima, o aumento observado na frequência das
mega-secas na Península Ibérica não teria surgido nos resultados das
simulações. "A frequência das mega-secas na Península Ibérica está de
acordo com o facto de terem sido emitidos gases com efeito de estufa e o seu
aumento decorre em parte do aquecimento global devido a essas emissões, porque
quando corremos os modelos sem as emissões, esse aumento de frequência
[observado na realidade] não se verifica", conclui Ricardo Trigo.
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