Opinião
Colina de Santana: vem aí a segunda fase do debate
Por Paulo Ferrero
28/11/2013 – in Público
Há um vasto património,
classificado e por classificar, que está ameaçado com a construção nova e os
novos usos.
Continua um mistério, o "preâmbulo" das "Operações
de Loteamento a Realizar nos Hospitais de S. José, Sta. Marta, Capuchos e
Miguel Bombarda", i.e., ignoram-se os bastidores do Novo Hospital de
Todos-os-Santos – causa maior daqueles loteamentos.
Desconhecem-se a PPP que o "musculou", o
envolvimento Estamo-CML, o investimento total estimado, o custo-benefício por
comparação com a desafectação dos hospitais ainda em funcionamento (número de
camas, pessoal, equipamentos, serviços, de cariz económico, social,
psicológico, acessibilidade), se houve concurso público (havia quem se
preparasse para executar a obra!), etc. Finalmente, por decisão recente do
Governo, parece que vai voltar tudo à estaca zero!
Mas se nada se sabe sobre isso, o mesmo se sabia sobre os
loteamentos referidos, pois só há poucos meses a CML abriu uma "discussão
pública" sobre os pedidos de informação prévia (PIP) submetidos à CML pelo
promotor (Estamo), sendo que aquela, contudo, neste Verão, em final de mandato,
a publicaria num anúncio "invisível" (alguns dos vereadores nem o
viram e não o veriam, não fora o alerta público dado por alguns atentos),
estipulando um prazo de participação tão miserável que apenas se explica pela
sofreguidão em o fechar “ASAP”. Mas as pessoas mobilizaram-se, por e-mail,
carta, expondo a quem de direito, em artigos de opinião, abaixo-assinados, SMS.
A "sociedade civil" está de parabéns!
Contudo, passaram já dois meses e ainda não houve divulgação
do relatório de ponderação. É que se a CML o costuma publicar (obrigada por
lei, é certo) aquando dos planos de pormenor, também aqui o deve fazer, pois
são loteamentos de grande importância para o futuro da cidade que conhecemos;
além do mais, é uma questão de boas práticas.
Em vez disso, a CML anunciou que, "face ao interesse
que estes projectos têm despoletado… será de realizar uma segunda fase de
debate". Muito bem. E há dias que a Assembleia Municipal de Lisboa a irá
protagonizar com "uma sessão de abertura, outra de encerramento e três
debates", cabendo aos deputados municipais moderar e relatar "sobre o
que os cidadãos venham a perguntar ou opinar". Depois, a AML "tomará
a decisão final sobre o loteamento em causa". À primeira vista, parece que
voltamos a ter AML, mas fica a dúvida: terá esta poderes (Lei n.º 75/2013,
artigo 25.º) para chumbar loteamentos? Pois. Porque se é para dali se
produzirem recomendações à CML, o "filme" no antigo Cinema Roma será
de reprise: o vereador do Urbanismo já referiu publicamente (e tem razão) que
recomendações são apenas e só recomendações.
Voltando ao essencial, aos PIP para a “Colina de Sant’Ana”
(o que faz Santa Marta numa colina?), e reconhecendo, obviamente, que no caso
de Todos-os-Santos avançarem há mesmo que planear novos usos e valências para
os hospitais a encerrar, e demolir muito anexo e recuperar muito atraso, é bom
não esquecer o seguinte:
Há um vasto património, classificado e por classificar, que
está ameaçado com a construção nova e os novos usos, e as memórias
justificativas e descritivas dos PIP não o defendem por inteiro porque padecem
de erros crassos, omissões, inventários incompletos (ex.: S. José
"esqueceu-se" de S. Lázaro; não existe memória sobre o tributo imenso
dos Jesuítas; a história do hospital é reduzida ao trivial; há edifícios de
valor que é como se não o tivessem – Instituto de Medicina Legal; cozinha,
enfermarias e Convento do Bombarda, etc.), pelo que se devem corrigir os PIP.
Além disso, nada se sabe de concreto sobre o uso futuro dos
edifícios já classificados de interesse público e existentes nos lotes: igreja,
Sala da Esfera, escadaria e corpo central do Convento de S. José; Pavilhão de
Segurança e Balneário D. Maria II do Miguel Bombarda, igreja e claustro de Sta.
Marta, alas azulejadas do Palácio Melo, nos Capuchos. E há uma confusão imensa
sobre algo que há muito devia ser consensual: Lisboa precisa de um Museu
Nacional da Saúde (S. José?) e de um Arquivo Municipal condigno (enfermarias e
corpo conventual do Bombarda?). E muita indiferença sobre uma evidência: Lisboa
deve manter o seu Museu de Arte Outsider in situ, i.e., também no Bombarda.
Finalmente, e talvez mais importante, estes loteamentos vão
"fazer colina" e fazer cidade, e os PIP em apreço (ainda que uns mais
do que outros) vão fazer nestes locais mais cidade de inspiração Expo, com
torres, estacionamento subterrâneo, superfícies comerciais, condomínios, muito
perfil de alumínio e muita árvore-bibelot. Será uma cidade radicalmente
diferente. Haja debate!
Fundador do Fórum Cidadania Lx (ex-deputado substituto à AML)
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