Textos de João César Monteiro serão lidos, mas não por Poiares Maduro
Polémica em torno do festival de Paulo Branco gerou carta aberta e cancelamento da presença do ministro. Leitura da obra necessita de autorização do detentor dos direitos.
A sessão de homenagem a João César Monteiro no Lisbon & Estoril Film Festival contará neste sábado com a deputada Isabel Moreira a ler textos do emblemático realizador, mas não com outro dos Leitores Improváveis que estava inicialmente previsto. O ministro do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, demarcou-se sexta-feira do evento “por não querer dar à leitura uma dimensão política", segundo disse ao PÚBLICO fonte do seu gabinete.
Uma carta
aberta subscrita por realizadores como Pedro Costa, Margarida Gil e Manoel
de Oliveira e por escritores e artistas como Herberto Helder, Maria Velho da
Costa ou Rui Chafes criticava sexta-feira no PÚBLICO a iniciativa do festival
organizado pelo produtor Paulo Branco. A missiva, entretanto
transformada em petição online, lamentava o “abuso puro e duro” que
é “branquear, neutralizar, festivalar o furor interventivo, manifestamente
Anti-Sistema, do cineasta, assim posto à mercê de tais canibais homenageantes”,
além de referir que não foi pedida qualquer autorização ao detentor dos direitos
da obra (o filho do realizador, João Pedro Monteiro Gil), para esta leitura
pública. Paulo Branco não quis prestar declarações.
Manuel Lopes Rocha, advogado especialista em direitos autorais na sociedade
de advocacia PLMJ, explicou ao PÚBLICO que "é sempre preciso pedir autorização
ao detentor dos direitos", quer se trate de cartas, excertos de livros ou outros
textos, "porque uma leitura pública é uma interpretação do texto. Qualquer
representação de uma obra tem de ter a autorização do detentor dos direitos". E,
acrescenta o perito, se houver inéditos nas leituras cuja edição esteja prevista
futuramente pela família, "o herdeiro tem o direito ao inédito".A realizadora Margarida Gil, uma das signatárias do texto, disse ao PÚBLICO que César Monteiro (1939-2003) “nunca permitiria uma coisa destas”. “Não ponho de lado que tenha havido uma intenção de fazer uma homenagem”, ressalva sobre o intuito de Branco, que produziu muitos trabalhos de César Monteiro, como Branca de Neve ou As Bodas de Deus, “mas pôr um ministro, um governante, a ler um texto do João César é desfavorecer e desprezar ainda mais o cinema em Portugal”.
Leitores Improváveis, com
entrada livre, está agendado para este sábado, às 17h, no Museu de História
Natural, em Lisboa, estando ainda previstas leituras de textos de João César
Monteiro por Isabel Moreira, pela psicóloga Joana Amaral Dias, pelo arquitecto
Manuel Graça Dias, pelo escritor Jorge Vaz de Carvalho ou pela actriz Alexandra
Lencastre. Ao final da manhã de sexta-feira, fonte do gabinete de Poiares Maduro
disse então que o convite de Paulo Branco foi aceite "a título pessoal" pelo
governante, que terá deixado "claro que havendo algum constrangimento ou
situação que causasse ruído pela sua presença, por não querer dar à leitura uma
dimensão política" repensaria
a sua participação. Assim, segundo a mesma fonte, Poiares Maduro "não vai à
leitura porque não quer que o foco [do evento de homenagem] se desvie".
Isabel Moreira, questionada sobre a polémica em torno da leitura destes
textos por agentes políticos, responde: "Não estou amputada dos meus direitos
cívicos por ser deputada. Leria um texto do João César Monteiro há dez anos",
sobretudo pela sua pela “escrita insubordinada”. Há evidentemente uma empatia
entre a minha forma de ver a escrita e o facto de ser o João César Monteiro, com
textos altamente insubordinados, nomeadamente a contestar a política cultural" e
que hoje devem ser relidos, rematou. Poiares Maduro iria ler uma carta de João
César Monteiro de Maio de 1993, onde o realizador declarava ao então Instituto
do Cinema Português nada querer ter a ver com o cinema português, proibindo a
exibição de dois filmes seus num festival.
O realizador Joaquim Pinto foi
produtor de João César Monteiro em Recordações da Casa Amarela e centra
a polémica
em torno deste evento na questão da autorização por parte da família, frisando
que “o trabalho e os textos do João César são incorruptíveis pelos poderes. Ser
lido por esta ou outra pessoa em qualquer contexto não tem grande
importância".
Já Ana Isabel Strindberg, companheira de anos de João César Monteiro e sua
assistente de realização, estava "absolutamente indignada e entristecida que um
festival como este, dirigido por Paulo Branco, que foi produtor do João César
Monteiro, não se preocupe com os filmes" do realizador e se foque sim nos seus
textos. "A melhor forma de homenagear um cineasta é exibir os seus filmes em
boas condições". Restaurados, algo que, considera, urge fazer dado o estado em
que se encontram as cópias existentes, quer as dos filmes produzidos por Branco
(e vendidos à ZON) quer as dos títulos produzidos pela RTP.Margarida Gil adiantou também que "a obra escrita total de João César Monteiro – guiões, textos e outros escritos – está já a ser coligida, por ordem cronológica" para uma edição ainda sem data pela Letra Livre em colaboração com a Homem do Saco, além da reedição dos textos já publicados. O filho de João César Monteiro, João Pedro Monteiro Gil, terá decidido que as receitas provenientes da venda dessas futuras obras reverterão a favor da recuperação dos negativos dos filmes do pai.
Poiares Maduro já não vai fazer uma leitura de um texto de João César Monteiro |
Ministro Poiares Maduro cancela a sua leitura de textos de César Monteiro
Poiares Maduro não irá estar presente no tributo do Lisbon & Estoril Film
Festival. Uma carta aberta subscrita por realizadores como Pedro Costa,
Margarida Gil e Manoel de Oliveira critica esta sexta-feira a
iniciativa.
Fonte do
gabinete de Poiares Maduro disse ao PÚBLICO que o convite feito pelo produtor
Paulo Branco, organizador do evento intitulado Leitores
Improváveis e agendado para amanhã no Museu de História Natural, em Lisboa,
foi aceite "a título pessoal" pelo governante, que terá deixado "claro que
havendo algum constrangimento ou situação que causasse ruído pela sua presença,
por não querer dar à leitura uma dimensão política" repensaria a sua
presença.
Assim, diz a mesma fonte, Poiares Maduro "não vai à leitura porque não quer
que o foco [do evento de homenagem] se desvie" para uma dimensão política.
A deputada socialista Isabel
Moreira, também convidada para participar no evento, confirmou
esta manhã ao PÚBLICO que estará presente para ler textos do realizador.
Além de Isabel Moreira, estão previstas as presenças da actriz Alexandra
Lencastre, a psicóloga Joana Amaral Dias, o arquitecto Manuel Graça Dias ou o
escritor e cantor lírico Jorge Vaz de Carvalho.
Um conjunto de personalidades
ligadas às artes assina esta sexta-feira uma
carta aberta no PÚBLICO em que critica o “abuso puro e duro” que é
“branquear, neutralizar, festivalar o furor interventivo, manifestamente
Anti-Sistema, do cineasta, assim posto à mercê de tais canibais homenageantes”.
Margarida Gil, uma das signatárias do texto, descreveu esta manhã a carta
como “um manifesto de indignação pela falta de escrúpulos”, acrescentando que
João César Monteiro “nunca permitiria uma coisa destas".
Carta aberta sobre João César Monteiro lido por um político, anúncio feito pelo produtor Paulo Branco
Ao abrigo de uma festividade festivaleira que escorre entre as bandas do Casino Estoril e a capital, e sob a batuta do incansável empreendedor Paulo Branco, aliaram-se as aspas do "cinema" às aspas da "literatura" e outros demais resíduos das "animações culturais" e vá de promover uma " leitura de poemas" do João César Monteiro (sem água-vai ao filho do mesmo que é quem detém os direitos autorais do poeta-cineasta).
O esbulho, à sorrelfa, até terá tido sua razão de
ser: a haver pedido de autorização para aquele " momento de arte", a resposta
consistiria apenas numa palavra: Não. E assim é, ou foi, que a desfaçatez ganhou
direito sobre a decência e o direito.
Mas o pior está para vir. É que no rol dos "eventos" que complementam o
barulho das luzes "cinematográficas"', insiste-se no ítem João César Monteiro –
à laia de "homenagem" pelos 10 anos decorridos sobre o seu falecimento – agora
com um ministro, rodeado por numeroso séquito hemicílico, a ler uma carta do
César a um organismo estatal e sabe-se lá mais o quê de igual jaez e esperta
solicitude. Que "eles" comem tudo, está na canção e na sabedoria popular, por
(forçada) experiência própria. Mas "que não deixam nada", já é de contestar.
Porque deixam: deixam um rasto repulsivo, que soma ao abuso puro e duro o
intuito subjacente de branquear, neutralizar, festivalar o furor interventivo,
manifestamente Anti-Sistema, do cineasta, assim posto à mercê de tais canibais
homenageantes.A tempo, seria caso de apelo à vergonha-na-cara dos responsáveis pela coisa, levando-os a cancelar o vilipêndio e ficarem muito quietinhos a ver fitas.
Mas não há que esperançar. Com o concurso de um ministro-e-tudo, o evento lá se levará a termo, sem que o vento o leve.
Que fique no entanto expresso, por este meio, a par da elementar indignação, o nosso mais vincado repúdio face a uma operação "política" a todos os títulos repugnante.
Manoel de Oliveira, Herberto Helder, Manuel Gusmão, Pedro Tamen, Maria Velho da Costa, Armando Silva Carvalho, Manuela de Freitas, José Mário Branco, Alberto Seixas Santos, Pedro Costa, João Queiroz, Rui Chafes, João Fernandes, Vitor Silva Tavares, Margarida Gil, João Pedro Monteiro Gil
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