«Em política, feio, feio, é perder».
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A obsessão de Soares por Cavaco
Ricardo Costa
Quinta, 21 Nov in Expresso online
Quinta, 21 Nov in Expresso online
Mário Soares é o político português que mais admiro e,
seguramente, o político que mais gostei de acompanhar em reportagem. É dos
poucos portugueses a quem se pode aplicar, sem exagero, a expressão bigger than
life. O seu sentido político, a capacidade de luta em momentos-chave da nossa
história e a força de ver além da espuma dos dias foram demonstrados vezes sem
conta.
A minha admiração por Soares nunca me impediu de o criticar
abertamente por várias razões: quando tentou impedir Jorge Sampaio de lhe
suceder, quando deu cabo da sua eleição para presidente do Parlamento Europeu
com declarações misóginas, quando resolveu candidatar-se a um terceiro mandato
como PR, quando tentou humilhar Manuel Alegre e acabou humilhado, quando
promoveu descaradamente a candidatura errática de Fernando Nobre por pura e
simples vingança, quando andou ao colo com Pedro Passos Coelho e Miguel Relvas
porque desprezava Ferreira Leite e quando começou a dizer frases absurdas ao
jornais dia sim dia não.
Muitos destes "erros" são recentes, mas há um que
persiste desde 1985. Mário Soares nunca gostou de Cavaco Silva - o que é normal
-, mas sempre o desvalorizou, o que é um erro político primário. Um erro que
conduziu Mário Soares a vários acidentes circunstanciais e um ou outro de maior
dimensão. Soares nunca atribuiu a Cavaco Silva as duas maiorias absolutas do
PSD, sempre achou que foram episódios promovidos pelas aselhices de Constâncio
e Sampaio, líderes do PS em 1987 e 1991, e pelo desaparecimento do CDS. Nunca
percebeu que uma grande quantidade de portugueses associavam diretamente Cavaco
a uma época de prosperidade e que o viram, na altura, como a pessoa que melhor
corporizava os benefícios da adesão à CEE, justamente promovida por Mário
Soares. De forma não declarada, sempre alinhou com a direita mais tradicional e
conservadora no julgamento sumário de um homem vindo de Boliqueime que não
sabia estar à frente de uma televisão ou num jantar de Estado. Curiosamente, o
único socialista que alguma vez derrotou Cavaco Silva foi outra pessoa que
Soares nunca levou a sério, Jorge Sampaio. Mas Sampaio sempre levou Cavaco
muito a sério.
Hoje à noite, é bem provável que possamos assistir a uma
nova fase da obsessão de Soares por Cavaco. Ao que se vai ouvindo, porque
Cavaco se devia demitir "por não defender a Constituição" (sic). Não
sei se as pessoas que hoje vão encher a Aula Magna sabem quantos pedidos de
fiscalização, preventiva e sucessiva, o Presidente enviou ao Tribunal
Constitucional. Nem se conhecem o teor dos textos, ou sequer as declarações
públicas de Cavaco sobre a Constituição e os juízes do TC. Presumo que não.
Espero apenas que o PS tenha algum juízo e não se ponha a secundar Soares neste
golpe de Estado discursivo. É que em 2015 dois meses depois do PS chegar ao
Governo, a Aula Magna vai voltar a encher-se para pedir a cabeça de vários
ministros socialistas. E, naturalmente, a cabeça de Cavaco que, por essa
altura, ainda vai estar em Belém.
Apesar de ter sido o alvo principal das duras críticas de Mário Soares na
conferência da Aula Magna esta quinta-feira à noite, o Presidente da República
Cavaco Silva recusa comentar por, justifica, “respeito e defesa da dignidade de
um órgão de soberania que é a Presidência da República”.
E vincou: “Eu não sou comentador e nunca faço comentários. Têm-me dito, e li no jornal que existem cerca de 80 [comentadores]. Fazem pela vida e eu não me intrometo nisso.”
Na Aula Magna, Mário Soares não se cansou de exigir a saída de Cavaco Silva e cada vez que o fazia, a assistência repetia em bloco a palavra “demissão”. O histórico socialista e antigo chefe do Governo e de Estado acusou Cavaco de inércia perante as políticas do Governo e de proteger Passos Coelho e o PSD. Uma inércia que, avisou Soares, trará a curto prazo uma onda de “violência”. “Por isso, ouso dizer, patrioticamente, senhor Presidente demita-se!”
Nome do Presidente foi vaiado na conferência promovida por Mário Soares |
Cavaco recusa responder a Soares por “respeito e dignidade”
Actual Presidente da República diz que nunca falará dos seus
antecessores.
Questionado pelos jornalistas no final de uma visita
à Nokia Solutions and Networks, em Alfragide (Amadora), sobre uma reacção ao que
foi dito por Soares mas também por outras personalidades na conferência “Em
defesa da Constituição, da democracia e do Estado”, Cavaco recordou o “grande
respeito” que tem pelos antigos Presidentes da República.
“Por respeito e defesa da dignidade de um órgão de soberania que é a
Presidência da República, eu nunca fiz nem nunca farei qualquer comentário sobre
o que dizem os antigos Presidentes da República”, afirmou o chefe de Estado.E vincou: “Eu não sou comentador e nunca faço comentários. Têm-me dito, e li no jornal que existem cerca de 80 [comentadores]. Fazem pela vida e eu não me intrometo nisso.”
Na Aula Magna, Mário Soares não se cansou de exigir a saída de Cavaco Silva e cada vez que o fazia, a assistência repetia em bloco a palavra “demissão”. O histórico socialista e antigo chefe do Governo e de Estado acusou Cavaco de inércia perante as políticas do Governo e de proteger Passos Coelho e o PSD. Uma inércia que, avisou Soares, trará a curto prazo uma onda de “violência”. “Por isso, ouso dizer, patrioticamente, senhor Presidente demita-se!”
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