"Com a justificação da conservação da natureza e da biodiversidade não fazemos mais que alimentar os do costume."
O Tua, a EDP e o tio da América
As medidas compensatórias da barragem de Foz Tua aproximam-se de uma lista de pedidos ao tio rico da América.
Pela página da Agência para o Desenvolvimento
Regional do Vale do Tua, que junta os municípios de Alijó, Carrazeda de Ansiães,
Mirandela, Murça, Vila Flor e a EDP, ficamos a saber ao que vêm os promotores da
área protegida: “Este parque surge de um acordo entre a ADRVT e o ICNF que
garantiu que cerca de três quartos da dotação da EDP para o Fundo da
Biodiversidade, no âmbito do Aproveitamento Hidroeléctrico de Foz Tua, sejam
canalizados para a região e investido em desenvolvimento regional.”.
A Declaração de Impacte Ambiental (DIA) da barragem diz o seguinte: “A
compensação pela perda de valores naturais e sua preservação deve ser assegurada
através de contribuições anuais para o Fundo para a Conservação da Natureza e da
Biodiversidade, previsto no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de
Julho, de acordo com o constante na medida de compensação n.º 13.”.Nenhuma relação é estabelecida entre a contribuição para o fundo de biodiversidade e a promoção do desenvolvimento regional, por razões que a mim me parecem óbvias: embora a biodiversidade e as áreas protegidas sejam activos económicos de primeira grandeza, não é a conservação da natureza (inerentemente deficitária) que tem de financiar a actividade económica, é exactamente o inverso. Tal como foi referido no artigo anterior, as medidas de compensação visam compensar os efeitos negativos não evitáveis dos projectos e dirigem-se exactamente a esses valores de biodiversidade.
Para compensar os efeitos negativos nos valores naturais, que medidas prevê o parque natural regional? Criação de rotas temáticas, certificação de produtos da região, medidas de redução do risco de incêndio, elaboração de guias sobre o património natural. Ou seja, dito pelos seus promotores: “Este investimento será um grande contributo para o desenvolvimento socioeconómico da região, criando, assim, um enquadramento favorável para a captação de investimentos privados para exploração do potencial turístico da região em termos de turismo de natureza e turismo de bem-estar.”
Não, não se pense que o problema está na EDP ou nas outras eléctricas, essas fazem, bem ou mal, o seu papel de produtores. O que é verdadeiramente corrosivo é uma administração pública que actua de forma ilegal e ilegítima, permitindo as mais evidentes aldrabices para que os pequenos interesses locais se atirem aos recursos como gato a bofe (em 7 milhões de euros, há menos de meio milhão para os gestores da biodiversidade: os proprietários. O resto é para distribuir pelos amigos sob a forma de cargos (mais de um milhão de custos de estrutura de gestão) ou de estudos.
E com a justificação da conservação da natureza e da biodiversidade não fazemos mais que alimentar os do costume.
Não, não se pense que são os outros o problema. O problema é mesmo a nossa complacência para com esta corrupção institucional bem patente em processos deste tipo: o Estado a vender licença a troco do seu próprio financiamento.
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