Caso da semana: Esbracejar à esquerda
Nuno Ribeiro
23 nov 2013 / Público
Não é mau querer inovar. Aliás, a política carece de
novidade. Não é por acaso que entre eleitores e eleitos há um muro. A monotonia
passa pelas tácticas. Nada melhor do que criar um inimigo externo. Nas suas
mais diversas declinações. Das forças de bloqueio, difusas na formulação mas assertivas
no alvo, o Tribunal Constitucional. Sendo que, da nebulosa da conspiração, se
passa a uma guerra institucional – o que não é de somenos. Os actuais partidos
não têm o monopólio da verdade. São exclusivos representantes da vontade
popular até que outros desafiem a sua comodidade. Não há democracia sem
partidos, é certo. Mas a partidocracia, o mau uso da vida partidária na acção
política, provoca claustrofobia democrática. Daí que os cidadãos tenham
preferido convocatórias sem siglas para manifestar o seu descontentamento. Em
15 de Setembro de 2012, como em 12 de Março de 2011, contra Passos Coelho e
contra José Sócrates, foi realidade um protesto transversal que superou
clivagens partidárias, barreiras sociais ou o histórico de cada sector. Já houve
quem fizesse de questões fracturantes programa. Mas havia causas, o que implica
escolhas, com dilemas que penetraram na sociedade. Lançar um partido com um
cálculo geométrico de apanhar a esquerda do PS, a direita do Bloco ou o centro
dos outros é querer imortalizar a dialéctica da vida numa foto fixa. É um
esbracejar. À esquerda.
As fantasias do costume
Desde o princípio do regime
democrático que sempre houve a tentação de criar um partido novo com os
“desiludidos” do PS e do PC e, mais recentemente, com os “desiludidos” do PS,
do PC e do Bloco.
24 nov 2013 / Público
/ Vasco Pulido Valente
Escusado será dizer que a repetição dessa história não
trouxe qualquer modéstia ou senso aos putativos salvadores do “socialismo”.
Durante o PREC eram, pelo menos, gente que tinha combatido a Ditadura e que
passara pela cadeia e pelo exílio. Se muitas vezes se achavam os verdadeiros
depositários do marxismo-leninismo na sua virginal pureza, pagavam com a pele
essa fantasia, coisa que não fizeram ou se arriscaram a fazer os que apareceram
depois, mestres da intriga e da publicidade, que manobravam no conforto de uma
democracia pacífica e de empregos seguros.
Nunca nenhum deles percebeu que um partido exigia dinheiro:
dinheiro para sedes, para funcionários, para telefones, para carros, para propaganda.
Pertenciam na maior parte à “inteligência” urbana (à universidade, ao
funcionalismo, às profissões “liberais”), não sabiam onde ficava Figueiró dos
Vinhos e traziam como toda a bagagem meia dúzia de “ideias”, que não se
distinguiam nem pela originalidade, nem pela pertinência. Ao fim de pouco
tempo, de umas conversas na “net” e de umas fotografias nos jornais (raramente
conseguiam chegar à televisão), arranjavam maneira, quando arranjavam, de se
apresentar a eleições que perdiam miseravelmente ou de que extraíam, como o
Bloco, uns lugares na Assembleia da República, para vociferar às “massas”.
O partido que Rui Tavares resolveu fundar para salvação da
Esquerda e da Pátria não é muito diferente do modelo tradicional. Pelo que se
vai lendo aqui e ali, pretende unificar ou expandir a esquerda à custa de uns
tantos “descontentes” do Bloco, do PS e até do PC. Aspira a uma posição “no
meio” dessas tropas, sem disciplina e sem programa, e pela panaceia da
discussão livre (daí o nome de Partido Livre) extrair a unidade e a autoridade
que possa correr com a direita e tomar solidamente conta do Estado. A velha
confusão entre um seminário sobre socialismo e um aparelho rígido, capaz de
usar o poder com eficácia e dirigir a sociedade, está na raiz deste inominável
disparate. O “Partido Livre” não irá longe. Mas presumo que vai divertir os
suspeitos do costume e o seu glorioso guia.
Sem comentários:
Enviar um comentário