Príncipe Real: o bairro trendy da cidade
14 de Novembro, 2013 por Rita Silva Freire in Sol online
Primeiro era conotado com a cultura gay. Depois foi o
Mercado Biológico que aqui assentou arraiais. Finalmente, vieram os cafés,
lojas e designers. O Chiado que se cuide: no Príncipe Real há de tudo e esta é
a nova promenade da cidade. Ao fim de tarde dos dias de semana a praça enche-se
de gente que ali bebe um copo antes do jantar. Ao sábado o movimento é
constante, desde os que vão logo pela manhã ao mercado biológico comprar os
legumes e fruta da semana (todos os sábados, até às 14h, no Jardim do Príncipe
Real), aos que chegam mais tarde para um brunch, que se juntam aos que vão a
uma matiné nos Artistas Unidos ou os que procuram um vestido perfeito para usar
à noite, altura em que os cafés, quiosques e restaurantes se enchem de
comensais. O Príncipe Real está na moda. E não faltam novos projectos a abrir
portas.
Um dos mais recentes é a Embaixada, o mais emblemático
espaço da EastBanc, uma empresa imobiliária americana que já comprou quase 20
palacetes no bairro e que aqui projecta construir um country club urbano (ver
caixa). Localizada no Palacete Ribeiro da Cunha, uma casa familiar erguida no
final do século XIX que, mais tarde, chegou pertencer à Reitoria da
Universidade Nova de Lisboa e a ser palco de uma série de televisão francesa, a
Embaixada reúne uma série de lojas debaixo do mesmo espaço: uma espécie de
centro comercial bem distante do Colombo.
Aqui há joalharia, roupa, cosmética, sapatos, consultoria de
imagem, arte, mobiliário e restauração (o Le Jardin), tudo debaixo do mesmo
tecto. E que tecto: de estilo neo-árabe, os interiores estão intactos,
preservando-se a arquitectura original do palacete, com frescos, colunas e
arcos, enquadrados por paredes em tom ocre. E, em cada sala, uma loja.
Na VLA Records, de Teresa Lopes Alves, presta-se homenagem à
música nacional, com discos que vão desde o fado à música contemporânea,
passando pelo jazz. Tudo com selo português. Na Urze encontram-se peças de
decoração, vestuário e acessórios, feitos a partir de fibras ecológicas como o
burel, a lã e o linho, vindos de Manteigas, na Serra da Estrela. Na Boa Safra,
há mobiliário e decoração, peças ecológicas e na sua maioria de designers
portugueses, como Benedita Feijó e Luís Carvalho. E a Shoes Closet aposta no
calçado português.
Como portuguesa é a dupla de designers de moda Storytailors,
que aqui abriram uma loja depois de terem sido desafiados pela Eastbanc. “Já
tínhamos andado atentos a espaços na zona do Príncipe Real porque, sobretudo
para o nosso pronto-a-vestir, nesta altura é fundamental a exposição do produto
e chegar a clientes estrangeiros. A zona da nossa loja-ateliê [Calçada do
Ferragial, n.º 8, no Chiado] é demasiado retirada, precisámos de presença num
espaço com mais passagem. A Embaixada reunia essas características, além de ter
uma alma muito especial, que tem tudo a ver connosco”, explica ao SOL João
Branco. Abriram portas há pouco mais de um mês e, até agora, estão satisfeitos
com os resultados. No Chiado têm as peças de ateliê, na Embaixada, onde a maior
parte dos seus clientes são estrangeiros, o pronto-a-vestir.
Quem também anda numa roda-viva entre o Chiado e o Príncipe
Real é Rita Curica, uma das mentoras da Organii, juntamente com a irmã, Cátia
Curica. Com lojas espalhadas pela cidade (Chiado, Lx Factory, Saldanha)
decidiram, também elas, vir para a Embaixada, para onde trouxeram não só a
Organii, loja especializada em cosmética biológica, como a Organii Bebé, com
roupas e acessórios orgânicos para os mais novos. E, além destes dois espaços,
terão também aqui o Organii Lounge, onde farão tratamentos personalizados com
produtos biológicos, desde depilação, manicura e pedicura, a massagens e
tratamentos faciais. Quando a Eastbanc lhes lançou o desafio de se juntarem à
Embaixada, não resistiram. “Gostámos imenso do espaço, e do conceito, e já
tínhamos o projecto de ter um espaço com tratamentos há algum tempo, mas nunca
tinha surgido o sítio ideal. Quando olhámos para este palácio, percebemos que
estava aqui o local ideal para o abrir”, conta Rita Curica, que, até agora,
está satisfeita com a decisão. “Um dos nossos maiores receios era o de que este
espaço fosse canalizar muitos clientes do Chiado. Mas o Príncipe Real tem muita
vida de bairro e as pessoas que andam aqui não são as mesmas que circulam no
Chiado. Notamos que aqui existem pessoas já com preocupações relativamente a
estas questões, já eram clientes do mercado biológico aos sábados. Quem se
preocupa com o que come também se preocupa com o que 'come' através da pele. A
receptividade tem sido boa, não só relativamente à Organii como à Embaixada. As
pessoas achavam uma pena o palacete estar fechado, agora podem usufruir do
espaço”.
Ainda mais próxima da Embaixada que o Organii Chiado é a
loja de Amélia Antunes, a Amélie au Théâtre (Rua da Escola Politécnica, 69)
que, aberta há ano e meio, é quase uma instituição no bairro. Aqui se encontram
acessórios que remetem para um imaginário com toques de Amélie Poulain e contos
de encantar. Com peças de criadores nacionais, há carteiras, chapéus, colares e
pulseiras, velas. Mas Amélia Antunes queria ir mais longe: “Andava à procura de
um espaço para desenvolver um projecto de consultoria de imagem. Quando surgiu
a oportunidade de ir para a Embaixada, achei o palacete a imagem da Amélie au
Théâtre”. E aqui Amélia faz um pouco de tudo - teste de cores, acompanhamento
ao cabeleireiro ou a triagem de guarda-roupa. Mas se hoje Amélia não se imagina
noutro local além do Príncipe Real, confessa que, no início, não foi fácil.
Antes tinha estado no Bairro Alto, na Happy Days, que mais tarde deu origem à
Porte-Bonheur. Em Maio de 2012 surgiu a Amélie au Théâtre. “Queria sair do
Bairro Alto, e pensei no Príncipe Real,devido ao grande potencial aqui,
sobretudo ao nível turístico. E não queria a confusão do Chiado, que se está a
tornar num centro comercial ao ar livre, as lojas são mais do mesmo. Estou a
gostar muito de cá estar. Mas não foi fácil ser aceite aqui, é um bairro muito
unido e um bocadinho elitista. E viram-me como uma intrusa, questionavam se eu
ia trazer alguma mais-valia para o bairro. Agora já tenho o privilégio de viver
aqui também, já sou vista com bons olhos”.
A rua da moda
Mas muito mais há no Príncipe Real além da Embaixada. Nuno
Gama, por exemplo é um dos designers de moda que, a par de nomes como Alexandra
Moura e Lidija Kolovrat, escolheram o bairro para instalar a sua loja. Foi há
cerca de dois anos que, depois de fechar o seu espaço no Porto, Nuno Gama
decidiu vir para a capital. E encontrou esta loja na Rua da Escola Politécnica,
46, com uma extraordinária vista do casario lisboeta e do Rio Tejo. “É uma zona
nobre da cidade, bonita, que tinha uma grande movimento de coisas novas a
acontecer. Achei que fazia sentido vir para aqui. E gostei muito deste espaço,
com uma vista linda, numa rua de muita passagem. O único defeito é a falta de
estacionamento, o calcanhar de Aquiles do Príncipe Real. Temos mesmo que
arranjar uma solução para isto”. O facto de ter uma grande concorrência, com a
presença de outros designers de moda conceituados na mesma rua, não o preocupa.
“Tenho pena que isto não seja uma rua com os meus colegas todos: do Norte, do
Sul, do Centro e alguns estrangeiros. Isso cria mercado, se houver aqui uma
oferta massiva de um tipo de produto, isso traz um certo tipo de público. E até
mesmo para os estrangeiros seria excelente, porque as pessoas vêm à procura de
coisas diferentes, não para comprar o que já lá têm”. Nuno Gama gosta do
Príncipe Real, quer ficar no bairro. Mas salienta que as rendas estão a ficar
demasiado elevadas, o que se pode tornar incomportável para as marcas num
momento de crise que parece ter vindo para ficar.
Longe de modas está Jorge Silva Melo, o director dos
Artistas Unidos, que, apesar de morar nas Amoreiras, sempre fez vida aqui no
bairro onde até foi baptizado. Agora também aqui trabalha. Depois de a
companhia ter perdido o seu espaço n'A Capital, encerrada em 2002, andou por
vários espaços, desde o Teatro Taborda ao Convento das Mónicas, até que um
protocolo assinado com a Reitoria da Universidade de Lisboa lhe permitiu
assentar arraiais no Teatro da Politécnica, um espaço que reabilitaram junto à
entrada do Jardim Botânico, e inauguraram no Verão de 2011. E onde, diz, gostam
imenso de estar. “O que é muito engraçado aqui é que é o teatro mais perto da
rua onde já estive. Sai-se daqui e encontram-se pessoas que viram o
espectáculo. É um teatro de bairro. Vamos tomar uma bica com espectadores”. Em
dois anos e meio que cá estão, o encenador já nota mudanças “surpreendentes” no
bairro. “Quandoviemos para aqui a única coisa trendy que havia era o mercado
biológico. Na matiné ao sábado aparecem pessoas com rabanetes... O bairro está
em transformação mas não sei se será a nosso favor ou para classes que não
frequentam o teatro, se não é mais virado para moda, elegância e Jaguares. No
Príncipe Real há agora um público mais elegante, que antigamente frequentava a
Bica do Sapato. Mas não ficam para a noite, vão-se embora às seis da tarde”.
Mesmo em frente ao teatro fica o Royale, cabeleireiro aberto
em 2009, um espaço luminoso, onde quase tudo é branco, e se quer integrado
também na vida de bairro. E, ao lado dos Artistas Unidos, está a REAL Slow Retail
Concept Store (Praça do Príncipe Real, n.º 20). Inaugurada por Tiago Fernandes
no início do ano, este é um espaço de 400 m2 (também pertencente à Eastbanc) que
agrega várias lojas diferentes, todas no mesmo local, onde se pode encontrar um
pouco de tudo, desde roupa para adultos e crianças, às almofadas da Encosta-te
a Mim, aos objectos de decoração da Tales in Details e aos brinquedos da Quer.
Tudo num espaço onde, explica Tiago Fernandes, a ideia é passar tempo e estar à
vontade, sem pressas ou pressões. Na porta ao lado, está a 21pr Concept.Store
que, também ela, agrega quatro marcas sob um único tecto. Há brincos, colares e
pulseiras da La Princesa y la Lechuga, velas aromáticas e objectos de decoração
da Patine, a linha Meam do designer Ricardo Preto e os chocolates portugueses
da Casa Grande Chocolatier.
Entre todas estas lojas, não faltam sítios para se beber um
café, tomar um refresco ou lanchar a meio do dia. Além da Esplanada do Príncipe
Real, bem no centro do Jardim, ou dos dois quiosques das suas pontas, O
Quiosque do Refresco, de Catarina Portas, e o Quiosque do Príncipe Real, mais
conhecido como o Oliveira, há vários novos cafés que prometem satisfazer o
palato mais exigente. Na Poison d'Amour, na Rua da Escola Politécnica, 32,
quase ao lado dos Artistas Unidos, a atmosfera é a de uma elegante pastelaria
francesa. Com mesas e cadeiras que lembram o estilo Luís XVI, bolos e macarons
que lembram obras de arte, este seria o espaço escolhido pela Marie Antoinette
de Sofia Coppola para lanchar caso aqui estivesse a passear. Mas é preciso
entrar para descobrir a jóia da coroa deste café: uma esplanada nas traseiras
integrada no Jardim Botânico, que lembra um recanto dos jardins de Versailles.
Num registo mais urbano está, há cerca de um ano e meio, o
Orpheu Caffé, localizado no n.º 5 da Praça do Príncipe Real. Gabriela Santos
quis abrir um local onde se recuperasse o espírito dos cafés do tempo de
Fernando Pessoa, onde as pessoas se sentavam a conversar. Por isso, por aqui,
às vezes é possível encontrar uma tertúlia literária, que Gabriela quer tornar
cada vez mais regular. Com uma pequena esplanada nas traseiras, há sumos de
fruta, bolos caseiros e brunch ao fim-de-semana. E todo o tipo de pregos em
bolo do caco - Gabriela é madeirense e quis trazer para Lisboa um pouco da sua
terra natal.
Muito mais virá habitar, com certeza, o Príncipe Real que,
como o próprio nome augura, se tornou uma das mais nobres zonas da cidade. E um
dos locais onde mais apetece, se não viver, pelo menos passear.
rita.s.freire@sol.pt
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