Helena Roseta: Violência é legítima para pôr cobro à
violência que tira direitos e meios de subsistência
|
Uma estranha noite portuguesa
O Estado de Direito não se
desfez, mas a excepção criada abriu um precedente de força simbólica
Editorial/Público
Quase em simultâneo, na quintafeira à noite, o país assistiu
a duas manifestações peculiares. Numa, polícias, guardas-republicanos e outras
forças de segurança mostraram que “a lei e a ordem” são válidas para todos
menos para quem usa uma farda. Na outra, uma elite anti-Governo — com estrelas
do PCP, Bloco de Esquerda, PS e até PSD — fez uma manifestação numa sala de
espectáculos, sentada em cadeiras confortáveis, das quais gritou “gatuno!
gatuno!” à medida que os nomes do Presidente e do primeiroministro iam sendo
repetidos.
Na rua, 10 mil polícias forçaram as grades que marcavam o
perímetro de segurança desenhado para proteger a Assembleia da República e
empurraram os colegas polícias destacados para garantir o cumprimento da lei.
Os polícias “de serviço” acabaram por deixar os polícias à civil subir até à
“porta sagrada” do Parlamento, como lhe chamou ontem Assunção Esteves. O Estado
de Direito não se desfez na quinta-feira à noite, mas a excepção criada abriu
um precedente de enorme força simbólica. A partir de agora, todos os que ali se
manifestarem vão exigir o mesmo: uma interpretação liberal, flexível e
casuística das regras. As escadarias da Assembleia da República — a casa das
leis e da democracia — passaram a ser um lugar onde, às vezes, não se cumpre a
lei. O director nacional da PSP fez bem em demitir-se e Passos Coelho em dar um
sinal de que o que aconteceu não pode repetir-se.
Na Aula Magna, os olhos estiveram postos nas escadarias da
Assembleia. Falou-se de uma quase inevitabilidade de violência por causa da
crise, sabendo bem quem o disse que não há tradição de violência em Portugal,
nem sinais de que tal esteja a mudar. As palavras de Mário Soares e de Helena
Roseta foram aplaudidas, mas, como a polícia, no outro lado da cidade, não
ficarão na história como ideais de mudança. E estão certamente longe dos
ensinamentos da “força tranquila” que marcou a história da nossa democracia.
A diferença
Por Vasco Pulido Valente
23/11/2013 – in Público
O dr. Mário Soares não percebe, ou não quer perceber, que
prevenir contra a violência é ao mesmo tempo um incitamento à violência. E pior
do que isso nunca explica em que espécie de violência está a pensar.
Não pensa com certeza nas barricadas de Vítor Hugo ou da
revolução de 1848. Não pensa também numa revolta do Exército, que está unido e
relativamente resignado. Ou numa insurreição popular como a “Maria da Fonte”.
Quando muito, pensa em um ou outro distúrbio na Avenida da Liberdade ou no
centro do Porto, com uma quantidade respeitável de pancadaria e algumas montras
partidas. Só que essa violência seria em princípio inconsequente e não mudaria
nada, excepto a taxa dos juros. E o espectáculo de que o país não gosta e a que
não está habituado talvez viesse mesmo a fortalecer o Governo.
Mas quinta-feira, 21, oito corporações policiais (da
Judiciária ao SEF) afastaram as barreiras e subiram a escadaria da Assembleia
da República sem encontrar resistência. Obviamente os polícias não queriam
agredir os polícias; e, se os manifestantes tivessem acabado por entrar na sala
de sessões e escavacado meia dúzia de bancadas (o que não é difícil), em que
situação ficaria o poder? Ou chamaria o Exército para, como se dizia,
"restabelecer a ordem", ou ficaria à mercê do primeiro cidadão que o
achasse, como Vasco Lourenço, digno de paulada. De qualquer maneira, daqui em
diante as forças de segurança não garantem segurança nenhuma: se não se mexeram
contra os colegas para cumprir a lei, porque se incomodariam agora com um
pequeno tumulto de civis, que não conhecem e com quem provavelmente simpatizam?
E há mais. Se o Governo e o Presidente da República ficassem
paralisados por falta de protecção, quem os substituiria? Não existem nos
partidos corpos paramilitares. Uma intervenção externa não é sequer imaginável.
Então, o quê? Uma junta de generais, com um título pomposo, que não hesitaria
em acabar com a democracia e com o Estado social. A indignação da Aula Magna,
como anteontem se exprimiu, leva rapidamente ao desastre; e o desastre, a
suceder, não tardaria a liquidar tudo o que é estimável e bom em Portugal.
Espanta que o dr. Soares não compreenda isto. E espanta a irresponsabilidade
com que o Governo tratou as polícias. Existe uma diferença essencial entre um
civil e um homem da GNR ou da PSP: os civis não andam armados. Um facto que
aparentemente ainda não entrou na cabeça dos nossos chefes democráticos.
Sem comentários:
Enviar um comentário