As Marias Antonietas do BES
Editorial/PúblicoA guerra surda existe há meses. A pública durou quatro dias. Mas a paz anunciada é oca e não durará
Tem sido fascinante assistir à guerra pelo poder do
banco mais influente de Portugal. Tudo espanta na novela que três dos
imperadores do BES estão a oferecer ao país - e aos mercados.
Essencialmente, Ricardo Salgado não quis até hoje discutir a sua sucessão,
mas o primo José Maria Ricciardi anunciou ao mundo que Salgado deveria sair.
Quis mesmo exercer um direito de voto que não tem para chumbar o primo, coisa
que o pai não deixou. Boa parte destes episódios foi revelada pelos próprios, em
comunicados. Desde sexta-feira, saíram da cúpula do banco pelo menos quatro,
tornando difícil escolher o que causava mais espanto. Se o de Ricciardi a
desmentir ser autor de uma "tentativa de golpe de Estado gorada" para derrubar
Salgado. Se o que desmentia uma "pretensa conspiração" com Álvaro Sobrinho. Se o
do seu pai, Comandante Ricciardi, de 94 anos, de ontem de manhã ("venho
esclarecer que só não apoiei o voto do meu filho [contra Salgado] para evitar a
ruptura imediata")... Ontem à tarde, quatro dias depois de ter estalado não só o
verniz como todos os cristais do palácio Espírito Santo, os dois primos tentaram
apagar a história. Mas optaram pela pior forma, com um texto que ninguém levará
a sério. "Nunca houve uma tentativa de golpe de Estado"; afinal Ricciardi pode
vir a ser CEO, afinal Ricciardi apoia Salgado.Esta triste história mostra três coisas. Que Ricciardi tentou mas não conseguiu derrubar o primo, mas que foi tão amador que se tornou comovente, tentando quebrar as regras de um negócio de família sem arregimentar soldados para a batalha. Mostra também que Salgado, aos 69 anos, não está a saber gerir nem a sua sucessão nem os críticos que pedem mais transparência. E uma última: que esta declaração de paz é tão verosímil como seria Maria Antonieta gritar da guilhotina que os franceses não pretendiam mudar nada e só queriam a paz.
Ricardo Salgado e Ricciardi assinam pacto de paz
Os dois banqueiros emitiram um comunicado conjunto no qual manifestam
confiança um no outro
Por seu turno, lê-se que Ricciardi, "em função de um conjunto de esclarecimentos obtidos, reitera o voto de confiança na liderança executiva do Dr. Ricardo Espírito Santo Salgado nas condições apresentadas na reunião do Conselho Superior do GES de 7 de Novembro". Uma simples leitura dos comunicados dos últimos dias permite concluir que também Ricciardi recuou nas suas posições. Os dois garantem que "após esclarecimentos havidos entre as partes, ficou clarificado que nunca houve uma tentativa de "golpe de estado" no GES".
O comunicado - que indicia que se vão agora iniciar conversações familiares para escolher o próximo líder do grupo - surge depois das últimas e inequívocas tomadas de posição de Ricciardi, alegando que não confiava em Salgado para liderar o grupo. Uma confissão que antecedeu em ano e meio o fim do mandato do actual presidente do BES, mas que teve o mérito (ou demérito) de obrigar a família a debater mais cedo do que planeado a sucessão de Salgado, que está à frente dos destinos do grupo há várias décadas. Foi, por isso, que as últimas horas foram frenéticas para os dois banqueiros, que surgiram no epicentro de uma guerra de poder pela liderança do GES e, por essa via, do BES.
Os dois estiveram assim reunidos para ajudar a pacificar o ambiente à volta do GES e garantir a "desaceleração" do clima de guerra que tem marcado as últimas semanas. Tendo em conta que as posições se extremaram, com visibilidade pública, tudo indica que um entendimento sustentado entre as duas correntes contrárias (Ricardo Salgado e Ricciardi) não será fácil, ainda que seja essencial para criar as bases necessárias à clarificação dos equilíbrios de poder dentro do GES.
Nas últimas duas décadas, a família Espírito Santo multiplicou-se em vários ramos, com gerações muitos diferentes e interesses conflituantes. Mas foi sempre inevitável que a cúpula (o Conselho Superior do GES) se unisse por dois objectivos: não delapidar o património de um grupo que hoje enfrenta problemas financeiros; e travar a degradação da imagem do grupo (e dos dois banqueiros) afectada por múltiplos escândalos (Portucale, Submarinos, Escom, Mensalão, Operação Furacão, Monte Branco, Akoya, privatizações da EDP e da REN, transacções com títulos da EDP Renováveis).
Até aqui Ricardo Salgado tinha-se recusado a discutir
a sua sucessão. A partir de agora, Ricardo Salgado não terá outro remédio senão
discutir e ouvir falar da sua sucessão. Mas antes, ou em simultâneo, a família
Espírito Santo vai tentar solidificar os alicerces (partilha do poder) que
permitam apaziguar os ânimos dentro do grupo. O tema começou agora a ser
discutido. Ricardo Salgado admitiu ontem a possibilidade de o seu primo direito
José Maria Ricciardi poder vir a ser seu sucessor, apenas quatro dias depois
deste lhe ter, de forma pública, retirado a confiança.
Uma das principais consequências da mediatização do conflito aberto entre os
primos Ricardo Salgado, presidente do BES, e José Maria Ricciardi, à frente do
Banco Espírito Santo de Investimento (BESI), dez anos mais novo, foi obrigar a
família a discutir a nova liderança do grupo. Ou seja: quem sucederá a Ricardo
Salgado, um tema que este tem recusado abordar, rejeitando sempre que a solução
estivesse em cima da mesa. Os dois primos divulgaram ontem à tarde uma
declaração conjunta que salva as duas faces e onde Ricardo Espírito Santo
Salgado é obrigado a "engolir vários sapos". No texto, o presidente do BES
"esclarece que, quando vier a ser iniciado o processo de sucessão, José Maria
Espírito Santo Ricciardi reúne todas as condições para ser um dos membros
possíveis à sua sucessão". Por seu turno, lê-se que Ricciardi, "em função de um conjunto de esclarecimentos obtidos, reitera o voto de confiança na liderança executiva do Dr. Ricardo Espírito Santo Salgado nas condições apresentadas na reunião do Conselho Superior do GES de 7 de Novembro". Uma simples leitura dos comunicados dos últimos dias permite concluir que também Ricciardi recuou nas suas posições. Os dois garantem que "após esclarecimentos havidos entre as partes, ficou clarificado que nunca houve uma tentativa de "golpe de estado" no GES".
O comunicado - que indicia que se vão agora iniciar conversações familiares para escolher o próximo líder do grupo - surge depois das últimas e inequívocas tomadas de posição de Ricciardi, alegando que não confiava em Salgado para liderar o grupo. Uma confissão que antecedeu em ano e meio o fim do mandato do actual presidente do BES, mas que teve o mérito (ou demérito) de obrigar a família a debater mais cedo do que planeado a sucessão de Salgado, que está à frente dos destinos do grupo há várias décadas. Foi, por isso, que as últimas horas foram frenéticas para os dois banqueiros, que surgiram no epicentro de uma guerra de poder pela liderança do GES e, por essa via, do BES.
Os dois estiveram assim reunidos para ajudar a pacificar o ambiente à volta do GES e garantir a "desaceleração" do clima de guerra que tem marcado as últimas semanas. Tendo em conta que as posições se extremaram, com visibilidade pública, tudo indica que um entendimento sustentado entre as duas correntes contrárias (Ricardo Salgado e Ricciardi) não será fácil, ainda que seja essencial para criar as bases necessárias à clarificação dos equilíbrios de poder dentro do GES.
Nas últimas duas décadas, a família Espírito Santo multiplicou-se em vários ramos, com gerações muitos diferentes e interesses conflituantes. Mas foi sempre inevitável que a cúpula (o Conselho Superior do GES) se unisse por dois objectivos: não delapidar o património de um grupo que hoje enfrenta problemas financeiros; e travar a degradação da imagem do grupo (e dos dois banqueiros) afectada por múltiplos escândalos (Portucale, Submarinos, Escom, Mensalão, Operação Furacão, Monte Branco, Akoya, privatizações da EDP e da REN, transacções com títulos da EDP Renováveis).
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