LISBOA
Ventura Terra
doou prédio para que todos pudessem aprender as belas-artes. Placa foi agora
destruída
A placa onde se
lia a vontade de Ventura Terra em deixar aquele prédio às Escolas de Belas
Artes para que todos tivessem a possibilidade de as aprender foi retirada da
fachada do prédio da Rua Alexandre Herculano. Moradores do prédio dizem
tratar-se de “um crime” porque o edifício é classificado.
Cristiana Faria
Moreira
Cristiana Faria
Moreira 11 de Março de 2020, 21:31
O arquitecto
Miguel Ventura Terra (1866-1919) projectou um prédio na Rua Alexandre Herculano
em Lisboa e deixou-o em testamento às Escolas de Belas Artes de Lisboa e Porto
para que todos tivessem oportunidade de as aprender. Após a sua morte, foi
colocada uma placa na fachada desse prédio, onde constava a inscrição dessa
vontade do arquitecto de que os rendimentos gerados com aquele imóvel fossem
destinados a bolsas de estudos para alunos carenciados: “Esta casa foi legada
às escolas de Belas Artes de Lisboa e Porto pelo distinto arquitecto Miguel
Ventura Terra, que nela faleceu em 30 de Abril de 1919, destinando o seu
rendimento líquido para pensões a estudantes pobres das escolas que mostrem
decidida vocação para as belas artes.”
Essa placa foi
esta quarta-feira retirada pela Universidade de Lisboa, que colocara já o
prédio à venda em hasta pública, contra a vontade expressa pelo arquitecto. Por
volta das 18 horas, estava já em pedaços no chão, conforme viu o PÚBLICO no
local.
“A inquilina do segundo andar ligou-me e disse
‘vá a correr que eles estão a espatifar a placa’. Eu vim a correr, mas já não
havia nada a fazer”, contou Maria Fernanda Carvalho, que mora naquele prédio há
45 anos. “Isto é um crime”, atiraram os moradores, lembrando que este é um
edifício classificado como Imóvel de Interesse Público. Segundo relataram
outros habitantes do n.º57 da Rua Alexandre Herculano, a Polícia Municipal foi
chamada de imediato, mas já não impediu a destruição da placa. No local, os agentes
escusaram-se a prestar declarações.
No passado mês de
Dezembro, soube-se que o prédio, que é propriedade da Universidade do Porto, da
Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa (UL) e da própria UL (esta
última representante das entidades proprietárias), foi colocado à venda em
hasta pública, contra aquela que seria a vontade deixada em testamento pelo
arquitecto Ventura Terra: “Muito desejo que não seja vendido”.
Construído em
1903, recebeu nesse ano o Prémio Valmor, distinção essa impressa na sua
fachada. Em 1983, foi classificado como Imóvel de Interesse Municipal, tendo
sido, em 2006, reclassificado como Imóvel de Interesse Público.
No entanto, tal
não impediu que o edifício fosse envolvido num processo de alienação. A
Universidade de Lisboa estimava então que o valor de mercado do prédio de
quatro pisos, e uma área bruta de construção de 2089 metros quadrados, deveria
rondar os 3,7 milhões de euros. As propostas deveriam ser apresentadas, em
envelope fechado, até 15 de Janeiro, data em que se realizaria a hasta pública.
Ao Expresso, o
reitor da Universidade de Lisboa, António Cruz Serra, dizia em Dezembro que não
tinha sido ainda confrontado com “nenhum constrangimento legal à venda” do
edifício. E esclareceu que as receitas que daí surgissem seriam alocadas à
construção de mais residências de estudantes, cumprindo assim o desejo do
arquitecto Ventura Terra.
Na mesma altura,
Alda Sarri Terra, sobrinha-bisneta do arquitecto, dizia ao jornal que a família
ia avançar com a impugnação da venda, por considerar que o desejo de Ventura
Terra não estava a ser cumprido.
Questionada agora
pelo PÚBLICO, sobre a remoção da inscrição, fonte oficial da Universidade de
Lisboa notou que a placa “não foi destruída, mas sim retirada” para ser
colocada numa futura residência de estudantes que terá o nome de Ventura Terra.
Quanto à questão se a hasta pública foi já ou não realizada, o PÚBLICO não
conseguiu obter informação junto da universidade. Os moradores dizem que, até
ao momento, não receberam qualquer notificação sobre a mudança de proprietário
e que continuam a pagar as rendas à universidade.
tp.ocilbup@arierom.anaitsirc
Sem comentários:
Enviar um comentário