quinta-feira, 12 de março de 2020

Ventura Terra doou prédio para que todos pudessem aprender as belas-artes. Placa foi agora destruída


LISBOA
Ventura Terra doou prédio para que todos pudessem aprender as belas-artes. Placa foi agora destruída

A placa onde se lia a vontade de Ventura Terra em deixar aquele prédio às Escolas de Belas Artes para que todos tivessem a possibilidade de as aprender foi retirada da fachada do prédio da Rua Alexandre Herculano. Moradores do prédio dizem tratar-se de “um crime” porque o edifício é classificado.

Cristiana Faria Moreira
Cristiana Faria Moreira 11 de Março de 2020, 21:31

O arquitecto Miguel Ventura Terra (1866-1919) projectou um prédio na Rua Alexandre Herculano em Lisboa e deixou-o em testamento às Escolas de Belas Artes de Lisboa e Porto para que todos tivessem oportunidade de as aprender. Após a sua morte, foi colocada uma placa na fachada desse prédio, onde constava a inscrição dessa vontade do arquitecto de que os rendimentos gerados com aquele imóvel fossem destinados a bolsas de estudos para alunos carenciados: “Esta casa foi legada às escolas de Belas Artes de Lisboa e Porto pelo distinto arquitecto Miguel Ventura Terra, que nela faleceu em 30 de Abril de 1919, destinando o seu rendimento líquido para pensões a estudantes pobres das escolas que mostrem decidida vocação para as belas artes.”

Essa placa foi esta quarta-feira retirada pela Universidade de Lisboa, que colocara já o prédio à venda em hasta pública, contra a vontade expressa pelo arquitecto. Por volta das 18 horas, estava já em pedaços no chão, conforme viu o PÚBLICO no local.


 “A inquilina do segundo andar ligou-me e disse ‘vá a correr que eles estão a espatifar a placa’. Eu vim a correr, mas já não havia nada a fazer”, contou Maria Fernanda Carvalho, que mora naquele prédio há 45 anos. “Isto é um crime”, atiraram os moradores, lembrando que este é um edifício classificado como Imóvel de Interesse Público. Segundo relataram outros habitantes do n.º57 da Rua Alexandre Herculano, a Polícia Municipal foi chamada de imediato, mas já não impediu a destruição da placa. No local, os agentes escusaram-se a prestar declarações.

No passado mês de Dezembro, soube-se que o prédio, que é propriedade da Universidade do Porto, da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa (UL) e da própria UL (esta última representante das entidades proprietárias), foi colocado à venda em hasta pública, contra aquela que seria a vontade deixada em testamento pelo arquitecto Ventura Terra: “Muito desejo que não seja vendido”.

Construído em 1903, recebeu nesse ano o Prémio Valmor, distinção essa impressa na sua fachada. Em 1983, foi classificado como Imóvel de Interesse Municipal, tendo sido, em 2006, reclassificado como Imóvel de Interesse Público.

No entanto, tal não impediu que o edifício fosse envolvido num processo de alienação. A Universidade de Lisboa estimava então que o valor de mercado do prédio de quatro pisos, e uma área bruta de construção de 2089 metros quadrados, deveria rondar os 3,7 milhões de euros. As propostas deveriam ser apresentadas, em envelope fechado, até 15 de Janeiro, data em que se realizaria a hasta pública.

Ao Expresso, o reitor da Universidade de Lisboa, António Cruz Serra, dizia em Dezembro que não tinha sido ainda confrontado com “nenhum constrangimento legal à venda” do edifício. E esclareceu que as receitas que daí surgissem seriam alocadas à construção de mais residências de estudantes, cumprindo assim o desejo do arquitecto Ventura Terra.

Na mesma altura, Alda Sarri Terra, sobrinha-bisneta do arquitecto, dizia ao jornal que a família ia avançar com a impugnação da venda, por considerar que o desejo de Ventura Terra não estava a ser cumprido.

Questionada agora pelo PÚBLICO, sobre a remoção da inscrição, fonte oficial da Universidade de Lisboa notou que a placa “não foi destruída, mas sim retirada” para ser colocada numa futura residência de estudantes que terá o nome de Ventura Terra. Quanto à questão se a hasta pública foi já ou não realizada, o PÚBLICO não conseguiu obter informação junto da universidade. Os moradores dizem que, até ao momento, não receberam qualquer notificação sobre a mudança de proprietário e que continuam a pagar as rendas à universidade.

tp.ocilbup@arierom.anaitsirc

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