Marine Le Pen fixa como alvo Macron,
o homem da finança
Um comício da candidata da Frente
Nacional serve para dar ordens de marcha. Nos arredores de Paris, a mensagem
foi lutar contra o inimigo do povo, Emmanuel Macron.
Clara Barata
CLARA BARATA em Paris 2 de Maio de 2017, 6:10
Sacaram das pistolas e o duelo é sem tréguas: entre Marine
Le Pen e Emmanuel Macron, a última semana de campanha da segunda volta das
presidenciais francesas é de troca de acusações, sem receio de usar truques
baixos. "Em 2012, François Hollande disse que o seu maior adversário não
tinha rosto, nem nome, nem partido, era o mundo da finança”, disse a candidata
da Frente Nacional, com um sorriso de quem vai fazer a estocada final no touro.
“Hoje o maior adversário do povo continua ser o mundo da finança, mas tem
rosto, nome e até partido. É Emmanuel Macron!”
O comício de Marine Le Pen no imenso parque de exposições de
Villepinte, a Norte de Paris, no 1.º de Maio, serviu-lhe para apontar baterias
contra o seu rival, defini-lo como o candidato da finança, continuação do
impopular Presidente socialista François Hollande. "Apelo a que se faça
uma barreira contra a finança, a arrogância”, afirmou a candidata do partido de
extrema-direita Frente Nacional, invertendo o jogo dos que multiplicam os
apelos a que se ergam muros contra o seu avanço.
Com o fato de calças preto que se tornou o seu uniforme nos
últimos tempos, maquilhagem discreta, blusa branca, fio de ouro com medalha,
deixa que as atenções se concentrem nas suas palavras. "Afinal é uma bela
mulher, é loura, tem olhos azuis”, dizia um apoiante da Alta Savóia, 38 anos,
mecânico, que por ela se tinha decidido a ir votar pela primeira vez na vida.
“Ela é a única que nos pode tirar desta situação”
Seria desculpável acreditar que é Le Pen a favorita nas
sondagens, tal o entusiasmo dos seus apoiantes, e o vigor da sua voz e do
empenho que põe no seu discurso, que tem um um toque de stand up comedy. Mas “a
situação”, tal como ela e os seus apoiantes a vêem, é grave.
Marine pede ajuda. “Preciso de vocês, da vossa energia para
convencer nos poucos dias que restam” um número suficiente de franceses. “Para
que tenhamos esperança de voltar a ser um povo soberano e livre”, diz, falando
ao coração dos muitos que tinham cartazes a dizer “Escolher a França”.
Anne-Marie Berteigne vem da região da Lorena, no vale de
Moselle, no Leste, de uma aldeia chamada Cutting. “Antes tinha pessoas na rua,
turismo, mas isso acabou-se. A vida lá não é como em Paris. Só quero que Marine
Le Pen seja Presidente, para que possam regressar os valores da nossa bela
França de antigamente. Ela é alguém que pode pôr este país na ordem, senão
qualquer dia estamos como a Grécia”, afirmou, de bandeira francesa na mão.
“A gentinha”
Essa é a escolha dos muitos que vieram, em camionetas, de
todo o país - do Leste, do Norte e do Sul, as áreas em que a FN se tem
implantado nos últimos anos.
Loura, género despenteado, Anne-Marie Berteigne já tem
alguns alguns anos, e preocupa-se com os imigrantes. “A França não se pode
permitir...” Mas viveu alguma experiência com imigrantes que a tenha
traumatizado, há muitos imigrantes na zona onde vive? “Não, ali na zona não,
pessoalmente não tive problema algum. Mas os meus avòs combateram na guerra,
lutaram pelo seu país, não compreendo gente que foge de lutar pela sua terra.”
E Macron, o que pensa dele? “Bom, não tenho palavras bonitas
para falar dele. De forma breve: é o filho de Hollande. Quando o país ficar
miserável, os esquecidos ficarão completamente à margem, será uma catástrofe.
Fala-se num salário mínimo de mil euros! O que é se faz com mil euros?? A
‘gentinha’ de que fala Macron - ele fala mesmo assim - vai viver de quê? De
nada!”
Berteigne não é uma convertida de agora à Frente Nacional -
a primeira vez que votou nos Le Pen, então ainda o pai Jean-Marie, foi na
década de 1980. “Mas Marine é mais moderna, compreende melhor a geração de
hoje.”
Mais do que falar do seu programa - que deixou para o fim -
Marine Le Pen queria deixar claro que Emmanuel Macron seria uma escolha muito
má, “cujo projecto tem uma concepção radical e extremista da União Europeia”.
São adjectivos que não costumam ser associados à UE mas Le Pen não hesita em
virar a mesa, e atirar aos seus adversários as flechas que lançaram na sua
direcção.
Ao ouvi-la, fica-se a saber que Macron “é a negação da
democracia”, porque a lei que modernizou vários procedimentos, incluindo no
mercado de trabalho, quando foi ministro da Economia, e ficou popularmente
conhecida com o seu nome, passou no Parlamento à força durante o Governo de
Manuel Valls, usando um mecanismo constitucional que evita a votação no
hemiciclo.
Protectora
Le Pen apresenta-se como a protectora dos franceses”,
garante das suas liberdades, dos seus valores, da sua segurança, da sua
economia, face a todos os inimigos. E a mensagem passa.
Jules Guhel tem 20 anos, estuda Ciências da Terra. Tem
cabelo curto castanho claro, uma poupa despenteada, um rosto suave, simpático.
Está sozinho, com ar de estar à espera de alguém. Veio de perto de Metz, no
Leste de França. Gosta da ideia de Marine Le Pen dar o poder ao povo, com o
prometido referendo sobre a União Europeia. “Ela procura o bem para os
franceses”, diz.
“A FN não é um partido de extrema-direita, é um partido como
os outros. Mas ainda bem que ela expulsou o pai da FN”, diz.
Guhel preocupa-se com os imigrantes ilegais. “O racismo não
quer dizer nada, a cor da pele, isso são só palavras. Tenho amigos tunisinos,
mas estão bem integrados O que é preciso é respeitar os valores da sociedade em
que se está inserido”, diz. “Vêem-se coisas todos os dias na rua, nas redes
sociais, com o véu, etc.. Não é a minha principal preocupação, mas é uma coisa
que é preciso resolver”.
Podia ser um eleitor de Macron, mas não. É um candidato com
um programa “instável”, diz Jules Guhel. “É difícil de explicar. Um dia é de
esquerda, outro é de direita…”
Para Marine Len, o ex-ministro da Economia é o “protegido
que Hollande nos quer deixar”. Alguém que preconiza o aumento das
“deslocalizações de empresas, do desemprego, do trabalho precário, da
‘uberização’ de todas as profissões’”. Contra isso, o seu programa económico
não se alonga, insiste na preferência nacional - contratar franceses e não
estrangeiros e em estratégias proteccionistas que nem mencionou. Preferiu falar
em algo mais simples e imediato: “Permaneçam livres, não dêem um único voto a
Macron.”
O convertido
Na guerra de trincheiras contra Macron, Le Pen recrutou um
novo aliado, Nicolas Dupont-Aignan, líder de um pequeno partido de direita
nacionalista, que diz que será a sua escolha para primeiro-ministro, se ganhar.
Com este passo, Dupont-Aignan ganhou o desprezo da classe política - até mesmo
do seu partido, Debout La France, onde tem havido um movimento de demissões.
Ele foi o primeiro a falar no comício, iniciando os ataques a Macron - “Entre a
França e a Finança, é preciso escolher, e eu escolhi Marine”, disse.
“Eu sei bem que a
finança e as empresas não são a mesma coisa”, afirmou Marine Le Pen, que tem
nos micro-empresários e artesãos uma importante fatia do seu eleitorado. “As
empresas criam riqueza, a finança pilha-a”, frisou.
Dupont-Aignan foi sendo filmado a abanar a cabeça com o ar
embevecido de um recém-convertido, depois de distribuir insultos contra a
direita francesa que não hesitou em apoiar Emmanuel Macron após a primeira
volta. “Macron é um Hollande júnior e imaturo”, afirmou ainda.
Marine Le Pe usou-o como mais uma arma de arremesso contra
Macron, numa altura em que se multiplicam rumores sobre a possibilidade de
Laurence Parisot, a ex-presidente do MEDEF, o representante dos patrões em
França, vir a ser a escolha do candidato para o cargo de primeiro-ministro, se
ganhar as presidenciais no domingo. “Fiz este anúncio em nome da transparência.
Porque é que o senhor Macron não diz quem será o seu primeiro-ministro”,
interrogou Le Pen, sibilina.
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