Finalmente, há um Eixo Central à
europeia
Do que aqui se trata é de dar vivas à
empreitada que a Câmara de Lisboa decidiu em boa hora levar por diante e que
conseguiu finalizar em tempo útil.
PAULO FERRERO
2 de Maio de 2017, 6:36
O advérbio de tempo que dá mote ao título do presente artigo
poderá parecer querer remeter o leitor para o tempo da Segunda Guerra Mundial,
ou para nem sequer 100 anos atrás, altura em que o troço que vai da hoje
designada Avenida da República à sua homóloga Fontes Pereira de Melo mostrava
(qual campanha do Conde Potemkin) uma Lisboa bela e cosmopolita, pontilhada por
palacetes eclécticos e prédios de rendimento no melhor espírito das Beaux Arts,
bordejando um espaço público desanuviado e rectilíneo, bem composto de árvores
e em que os carros eléctricos atestavam a tal modernidade europeia já então tão
invocada. Puro engano.
Do que aqui se trata é de dar vivas à empreitada que a
Câmara Municipal de Lisboa (CML) decidiu em boa hora levar por diante e que
conseguiu finalizar em tempo útil, reformulando por completo o espaço público
desde a praça de Entrecampos à do Marquês ao reperfilar os passeios, introduzir
ciclovias, disciplinar o estacionamento automóvel, introduzir uma placa central
verde, plantar um sem-número de árvores em todo o eixo, aumentar as zonas
pedonais, colocar bancos para repouso, melhorar a iluminação e alindar o
Saldanha, uma praça que definitivamente já não o era.
Sob esse ponto de vista, a CML merece parabéns de todos. Dos
que a apoiaram e a esta obra desde o início. Dos que a combateram por razões
que a razão desconhece (ou talvez não) mas que, já dela tirando evidente
partido (há alguém que possa dizer mal do simples facto de agora ter mais
passeio para andar a pé e passear o cão ou ter aonde andar de bicicleta?),
continua a não dar o braço a torcer. Foi por isso uma decisão corajosa, ainda
mais em ano de eleições, altura em que as buzinas e quem as gosta de tocar
servem de instrumento ideal para o jogo político-partidário, noblesse oblige.
Dito e feito. Hoje mesmo, em hora de ponta (e antes, não havia hora de ponta?)
ou quando São Pedro resolve fazer das suas, ainda se fazem ouvir algumas, hoje
que obra está feita e é usufruída e elogiada pelo comum dos mortais.
Mais, em duas penadas, quais efeitos colaterais
subliminares, a CML arrasa com a ideia peregrina do túnel sob o Saldanha (havia
até quem o propusesse como medida eleitoral, pasme-se!), e com a obra (à época,
também peregrina) hoje evidentemente redundante do viaduto no Campo Pequeno (e
que a prazo o tapem de terra e árvores!). Dobre-se e redobre-se o aplauso,
portanto.
Contudo, e não há bela sem senão, nesta obra do Eixo Central
houve erros, alguns, poucos, graves, e muitos, de detalhe e corrigíveis. Grave
foi essencialmente o abate desnecessário de várias árvores de grande porte
(duas tipuanas no Saldanha e vários choupos na Av. Fontes Pereira de Melo) e
desnecessário porque em resultado do “paisagismo de autor” ter ego. Corrigíveis
são vários: alguns bancos colocados estupidamente em cima das ciclovias, a
profusão de candeeiros “periscópio” em dessintonia evidente com os candeeiros
recentes da Av. Duque d’Ávila, a colocação das barcas na calçada feita não
pedra a pedra mas em bloco ligado por cimento, o excesso de placas de piso
“confortável” nos passeios planos da Av. Da República, o mau dimensionamento de
alguns lugares de estacionamento; tudo coisas menores, é certo, mas que se
acumulam aos erros que Lisboa, estranhamente, vem somando em termos de maus
detalhes em tudo quanto é obra em espaço público.
Contudo, ainda, esta obra está incompleta e para que não
seja também ela potemkiniana, falta à CML cuidar da moldura edificada e dizer
basta à especulação imobiliária e ao abandono declarado de vários imóveis de
valor arquitectónico e histórico ainda existentes naquele eixo: o Imóvel de
Interesse Público de 1909, de Rodriguez Prieto, o prédio da “esfera-armilar”,
de Norte Júnior; o imponente edifício Déco, do mesmo arquitecto; o palacete
Valmor, de Ventura Terra, os dois palacetes classificados do Saldanha e o
prédio de transição imediatamente colado ao “hotel da manápula”, o prédio
premiado de Pardal Monteiro. E obrigar a reparar os interiores e as traseiras
dos prédios da Casa Xangai e do prédio ao lado da Versailles. E mandar retirar
as abjectas e ilegais marquises dos prédios do Galeto e da Ceuta.
Porque continua também a faltar à CML dizer não aos monstros
urbanísticos e à arquitectura dos anos 70-80 que insiste em sair de estiradores
obsoletos. Já bastam aquelas coisas ditas Monumental, Residence e Evolution. Ou
a coisa que vem para o gaveto com a Av. 5 de Outubro e que ainda ninguém
percebeu como ali chegou, àquela esquina que tão bem rematada estava por um
edifício elegante da “Lisboa Entre-Séculos”. Ou a torre de 25 andares que se
anuncia para o meio daqueles prédios grafitados, deixados a apodrecer numa teia
de peripécias de rasto pouco digno já com quase duas décadas de historial. Ou o
outro hotel que há-de vir para a esquina da Av. António de Aguiar. Para que
sejamos todos vencedores e não haja derrotados, sejam eles quem forem. E daqui
por 100 anos, como será?
Fundador do Fórum Cidadania Lx
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