Países
do Sul reforçam cooperação perante desconfiança da Alemanha
MARIA JOÃO
GUIMARÃES 09/09/2016 – 20:19
“Quando
líderes de partidos socialistas se encontram não sai, na maioria
das vezes, nada de muito inteligente”, disse Schäuble.
É preciso mais
investimento para combater a estagnação da economia, repetiram os
líderes dos países do Sul da União Europeia no final de uma
reunião de sete governantes esta sexta-feira em Atenas. A cimeira
terminou com a promessa de continuar a “iniciativa de diálogo e
coesão”, como lhe chamou o anfitrião, o primeiro-ministro grego
Alexis Tsipras, numa data a definir em Lisboa.
O chefe de Governo
de Itália, Matteo Renzi, declarou que “a Europa não pode ser mais
governada pela austeridade, detalhes e considerações fiscais”,
enquanto o português António Costa repetiu que o reforço do
investimento é necessário acrescentando que há diferenças entre
os países. Aqueles que têm largos excedentes têm “o dever de
investir mais”, cita a agência portuguesa Lusa.
O Presidente
francês, François Hollande, afirmou ter esperança de que “quando
os populistas e extremistas esperam que a Europa se disperse,
possamos enviar uma mensagem de unidade, de coesão e possamos trazer
a contribuição do Sul à União Europeia”. Além de Tsipras,
Renzi, Hollande e Costa estiveram presentes Nicos Anastasiades, de
Chipre, Joseph Muscat, de Malta, enquanto Espanha foi representada
pelo secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Fernando Eguidazu.
Mesmo que tenham
sido repetidas declarações de que o que se quer não é uma divisão
– esta reunião serve para mais união na Europa e não mais
divisão, repetiu Tsipras –, e que logo no segundo parágrafo da
declaração final os governantes sublinhem o seu forte empenho na
Europa, as reacções vindas da Alemanha foram de desconfiança e
desagrado. O ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, comentou
mesmo a propósito da reunião que “quando líderes de partidos
socialistas se encontram não sai, na maioria das vezes, nada de
muito inteligente”.
Este encontro
precede uma reunião informal de líderes europeus em Bratislava
(Eslováquia) na próxima semana, com a participação de todos
excepto do Reino Unido, já que o objectivo é a antecipação das
consequências da saída do país após o referendo.
Schäuble não foi a
única voz alemã a fazer-se ouvir. Já antes, o eurodeputado Markus
Ferber, da CSU (União Social-Cristã, o partido-gémeo da CDU de
Merkel na Baviera) partilhou com o jornal conservador Die Welt a sua
preocupação de que os países do Sul pudessem formar uma “coligação
de redistribuidores” que ameaçasse “a estabilidade financeira da
Europa”: “Depois da saída da Grã-Bretanha, o ‘Clube Med’ [o
grupo dos países do Sul] terá uma minoria suficiente para bloqueio
que poderá impedir em Bruxelas [a aprovação de] todo o tipo de
leis de que não goste”, disse.
Curiosamente,
observadores da cimeira comentavam na direcção oposta,
questionando-se sobre quão unificada seria esta posição do Sul em
Bratislava e que continuidade poderia ter a plataforma. Afinal, a
tentativa anterior de formação de uma frente anti-austeridade do
Governo grego falhou quando o país tentou, no ano passado, evitar um
penalizador memorando (que foi rejeitado em referendo e depois
aprovado pelo Executivo), e não encontrou então aliados entre
outros países do Sul.
Outro responsável
alemão, Manfred Weber, do Grupo Popular Europeu
(democratas-cristãos) no Parlamento Europeu, reagiu acusando Tsipras
de uma “tentativa de divisão” na Europa e de uma manobra de
diversão quando Atenas está sob pressão para cumprir objectivos do
terceiro acordo com os credores. “A pressão está de volta”,
disse em Bruxelas o chefe do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, em
relação à Grécia. “O Verão acabou. Precisamos de progresso. É
altura de arrumar o material de campismo”, disse o holandês.
Em relação ao
investimento, os líderes propõem na declaração final medidas
concretas como a duplicação da capacidade financeira do Fundo
Europeu para Investimento Estratégico (“Plano Juncker”) e
destacam em particular a necessidade de “fortalecer programas para
os jovens”.
Outra questão
importante foi a das migrações. “Estamos na linha da frente de
crises paralelas que testaram a Europa”, disse Tsipras no início
da discussão, referindo-se ao facto de os países que “têm sido
desproporcionalmente afectados pela crise económica nos últimos
anos” estejam também “na linha da frente dos fluxos
migratórios”.
Tsipras apresentou
aliás este grupo como uma espécie de contra-peso a outro grupo
informal dentro da UE, o de Visegrado, na questão da imigração –
o grupo que inclui a Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia
formou-se na sequência do apelo da Alemanha aos países para
redistribuir os refugiados que o Verão passado chegaram à Europa e
num encontro esta semana também de preparação para Bratislava
disseram querer uma “revolução cultural na Europa”.
A
primeira cimeira que pode ser a última. Ou não
TERESA DE SOUSA
09/09/2016 – 07:20
https://www.publico.pt/mundo/noticia/a-primeira-cimeira-que-pode-ser-a-ultima-ou-nao-1743587?page=-1
O
que leva os líderes dos países do Sul a reunirem-se em Atenas para
debater o futuro da Europa? Talvez o simples facto de ninguém saber
que Europa emergirá da crise. A grande novidade é a França. Rajoy
acabou por recuar.
Pode ser a primeira
mas também a última. Há meia dúzia de meses ainda parecia
impossível. É uma novidade em relação às estratégias europeias
da maioria dos países que estarão em Atenas. A iniciativa partiu de
Alexis Tsipras, que se ofereceu para anfitrião, depois de ter
participado como observador nas reuniões dos líderes socialistas
europeus no Palácio do Eliseu para articularem ideias sobre o futuro
da Europa. O primeiro-ministro grego quer mostrar que a Grécia,
ainda sob resgate, pode contar com amigos importantes, depois de ter
sido tratada como “pestífera”. O momento é oportuno. A troika
inicia uma nova vistoria às contas e às reformas de Atenas e já
adiantou que não está satisfeita. Quanto aos outros protagonistas
do encontro, a sua lógica só é perceptível à luz desta longa
crise existencial que pôs em causa muitas das certezas anteriores
sobre a integração europeia.
Entretanto, é a
própria Europa que está, também ela, a mudar. A Grécia já saiu
dos cabeçalhos, dando lugar à crise dos refugiados, ao "Brexit",
ao terrorismo e, também, à relativa estagnação da economia
europeia, que ainda não se libertou do risco de deflação,
obrigando o BCE a manter as máquinas a funcionar. As coisas mudaram
também entre os países do Sul e a sua forma de olharem uns para os
outros. Basta recuar alguns anos para verificar que a solidariedade
entre eles era pura e simplesmente uma miragem. Madrid tratou de
cancelar as habituais cimeiras luso-espanholas, porque não queria
confundir-se na fotografia com um país “resgatado” (incluindo no
tempo do socialista Rodriguez Zapatero). Portugal passou os anos do
resgate a distanciar-se da Grécia publicamente (“Portugal não é
a Grécia”) e a comportar-se nos Conselhos Europeus como um dos
mais duros críticos dos incumprimentos de Atenas. A Itália, numa
sucessão de governos politicamente instáveis, teve de esperar pela
entrada em cena de Matteo Renzi para iniciar um caminho reformista e,
ao mesmo tempo, tentado reocupar o seu velho lugar de “grande país
fundador”. A própria Grécia já não corre o risco de ver o seu
Governo “despachado” por uma ordem de Merkel, como aconteceu com
o governo de George Papandreau em 2012. A Irlanda e Portugal tiveram
“saídas limpas” em 2014, mesmo que o Eurogrupo mantenha o
chicote na mão para obviar a qualquer desvio.
Mas a clivagem
Norte-Sul que se acentuou durante a crise também deixou marcas
profundas, feitas de preconceitos e de desconfianças, que hoje
tornam mais fácil um entendimento como o de Atenas.
Merkel à procura de
um consenso
Nos últimos dias, a
chanceler tem-se multiplicado em encontros com os seus parceiros
europeus para avaliar o que pode ou não pode ser feito para evitar a
desagregação europeia. A própria Merkel também mudou muito. Foi
obrigada a fazer um curso acelerado sobre os custos da liderança nos
últimos anos. A crise ucraniana alterou a percepção de Berlim
sobre a segurança europeia. Em 2012, a chanceler dizia que não ia
pagar as “aventuras militares” da França (no Mali). Participa
hoje militarmente na coligação que combate o Estados Islâmico. A
crise dos refugiados, que continua à espera de soluções comuns
mais eficazes, mudou o centro de gravidade das suas preocupações. O
crescimento das forças nacionalistas e populistas (agora também na
Alemanha, transformando em realidade o seu maior pesadelo) começa a
ser um poderoso factor de desagregação que as lideranças europeias
não podem ignorar. Finalmente, o "Brexit" fez soar todos
os alarmes.
A chanceler ouviu
quase toda a gente antes da cimeira de Bratislava, no dia 16, sobre o
futuro da Europa. Encontrou-se com Renzi e Hollande (o novo grupo dos
“três grandes” que irrita particularmente Madrid). Reuniu-se com
os países de Visegrado em Varsóvia, tomando consciência da
perigosa deriva nacionalista e antieuropeia em que se envolveram.
Budapeste e Varsóvia, com dois governos nacionalistas, propõem-se
"revolucionar" a Europa. Recebeu os Nórdicos em Berlim.
Janta com António Costa (e mais os líderes da Lituânia, Letónia,
Malta e Chipre) no próximo domingo (uma companhia na qual é
possível, talvez, ler algum desagrado alemão com o Governo
português). É neste quadro volátil que podemos olhar para a
cimeira de Atenas. O que tem de novo e o que representa para os seus
protagonistas.
Inflexão francesa?
A França é,
certamente, a grande novidade. François Hollande entrou em modo
eleitoral que passa por um distanciamento em relação a Berlim,
afastando-se da regra de ouro da política europeia da França:
manter a liderança franco-alemã (ou a sua ilusão) num quadro em
que o desequilíbrio de poder é cada vez maior. Sem criticar
abertamente a chanceler, Paris multiplicou-se em sinais de que o
“unilateralismo” de Merkel em relação aos refugiados (“Vamos
conseguir”) ignorou a opinião dos vizinhos. Apadrinhou algumas
iniciativas comuns com o SPD (parceiro júnior da grande coligação
alemã), destinadas a minar a liderança da chanceler (as eleições
alemãs também se aproximam). A última foi a simultaneidade do
anúncio da “morte” do TTIP entre o vice-chanceler Sigmar Gabriel
e o próprio Presidente francês. A novidade está em que a França
foi sempre o país charneira da construção europeia, a ponte entre
o Norte e o Sul (é, simultaneamente, Norte e Sul) e o seu pivô
político. Esta viragem para Sul representa uma mudança que pode
perdurar ou não.
Escreve o site do
Stratfor, num texto sobre “os limites de uma aliança da Europa do
Sul”, que o "Brexit" levou os Estados-membros "a
procurar soluções regionais para problemas continentais, uma
abordagem que tornará ainda mais difícil um consenso sobre o
futuro”. O site debruça-se sobretudo sobre ocaso francês. Por
causa do seu duplo estatuto de “país Mediterrânico e do Norte”,
a França “corre o risco de cair na armadilha de um conflito
Norte-Sul, aumentando a tensão entre Paris e Berlim”. Lembra que a
economia às vezes não encaixa na geopolítica. Paris pode defender
uma estratégia mais expansionista para a zona euro, juntando-se ao
Sul, “mas não pode abdicar do seu papel central na geopolítica
europeia”. E avisa ainda: “Usar os países do Sul para torcer o
braço a Berlim pode alimentar as facções alemãs mais
isolacionistas, que defendem uma zona euro apenas em volta da
Alemanha ou o “cenário dos dois euros” (apenas tratado nas
academias): um forte para a Alemanha e o Norte; outro fraco para os
países do Sul, que seria o toque de finados da integração
europeia. Neste quadro de mudança, o encontro de Atenas pode
significar alguma coisa mas também absolutamente nada.
Rajoy e as vantagens
do não governo
A segunda novidade
chegou a ser a participação de Mariano Rajoy, só possível num
quadro eleitoral a todos os títulos excepcional. Rajoy fez saber à
última hora que vai fazer-se representar por um secretário de
Estado, demarcando-se da reunião. A Espanha não tem governo há
quase um ano e arrisca-se a realizar terceiras eleições em
Dezembro. O líder do PP safou-se das sanções (com Portugal) e
espera que Berlim tenha paciência quanto ao cumprimento do défice.
Hesitou entre ir e não ir porque está em modo eleitoral e porque
não quer deixar a França e a Itália a liderarem um bloco de que
faz parte. Uma pequena notícia no El País de segunda-feira, com um
título sugestivo – “Porque se cresce mais sem governo” –,
assinada pelo colunista Joaquim Estefania, lembrava que, no mesmo dia
em que falhava a segunda investidura de Rajoy nas Cortes, foram
divulgados os números da evolução do défice nos primeiros sete
meses, revelando um aumento de 20% em relação ao mesmo período do
ano passado. Estefania admite que pode estar aqui parte da explicação
para o crescimento da economia espanhola. “Espanha é o país do
euro que mais cresce e, a seguir à Grécia, o que tem o défice
maior”. Com o impasse político, o Governo vai esperando mais
compreensão de Bruxelas e de Berlim.
Renzi dispara em
todas as direcções
Matteo Renzi também
não tem a vida facilitada, pelo menos enquanto não conseguir tirar
a economia da estagnação prolongada em que tem vivido. Joga o seu
futuro num referendo em Outubro sobre a reforma constitucional que
aprovou no Parlamento e que visa acabar com a lentidão de um sistema
decisório incompatível com qualquer reforma. As suas iniciativas
europeias multiplicam-se sem se vislumbrar um rumo específico, a não
ser encontrar espaço para flexibilizar as metas macroeconómicas e
dinamizar o consumo. Preserva a relação com Berlim, mesmo
criticando duramente as políticas de austeridade. Pode apresentar o
seu comportamento exemplar em matéria de refugiados. Já disparou
noutros sentidos como, por exemplo, num regresso aos “fundadores”,
que é hoje praticamente impossível por causa do euro. Joga com o
facto de a alternativa ao seu Governo estar nas mãos do Movimento
Cinco Estrelas, uma amálgama de populismo e antieuropeísmo, que se
soma ao nacionalismo da Liga Norte.
Costa rompe com a
tradição
Finalmente, que
razões levaram António Costa a alterar a tradicional orientação
europeia de Lisboa de não privilegiar grupos regionais, mas antes
manter uma relação forte com o centro político? Foi esta, aliás,
a razão pela qual o euro foi visto como um passo fundamental para
combater a periferia geográfica e económica do país. Uma das
razões é comum aos seus parceiros. Tudo mudou na Europa, outros
grupos têm-se constituído para impor a “austeridade” às
economias do Sul, a fractura económica e social entre o Norte e o
Sul é, do seu ponto de vista, o maior problema que a Europa enfrenta
e aquele que mais a corrói. Sem hostilizar Berlim (apoia a visão de
Merkel sobre os refugiados), reaproximou-se de Paris. Acresce que o
Sul que vai a Atenas é constituído por países genuinamente
pró-europeus, que querem continuar a sê-lo mas que precisam de
argumentos nesse sentido, que não sejam apenas as contas públicas.
Com a baixa de Rajoy
e a desordem com que a Europa enfrenta a sua prova de vida, a reunião
de Atenas é mais uma para evitar a desagregação europeia.
Espera-se que não tenha o efeito contrário.
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