Matou
o país e foi ao cinema
JOÃO MIGUEL TAVARES
06/09/2016 – 06:31
António
Costa desenvolveu uma admirável técnica – podemos chamar-lhe “o
sorriso confiante” – em que nem sequer precisa de mentir
descaradamente.
Eu já estou
fartinho de ver as luzes das câmaras reflectidas nos dentes
sorridentes de António Costa, mas o povo – e inúmeros
comentadores – ainda não. Nos últimos dez meses descobri, com
algum espanto, a existência de uma correlação insuspeita entre a
área de esmalte exibida por um político e a sua popularidade, que
parece ser independente da qualidade das palavras que usa, das
notícias que dá e das acções que pratica. António Costa
desenvolveu uma admirável técnica – podemos chamar-lhe “o
sorriso confiante” – em que nem sequer precisa de mentir
descaradamente. Ele apenas desvaloriza o que é mau, sobrevaloriza o
que é bom, e utiliza a técnica do sorriso confiante para ignorar o
péssimo futuro que nos aguarda. Espantosamente, funciona.
Ou melhor: funciona
até o péssimo futuro se transformar num péssimo presente, claro.
Mas num país com uma conhecida incapacidade para planear e antever,
ter como primeiro-ministro um homem cuja grande vocação é a arte
do desenrasca e uma gestão altamente habilidosa do presente tem esta
consequência: o país vai andar por aí cantando e rindo até uma
nova e profunda crise lhe cair em cima. Isto parece-me bastante
óbvio, mas já dizia o bom Orwell que é preciso uma luta constante
para ver aquilo que está à frente do nosso nariz. A malta prefere
não ver. Prefere ser optimista. Prefere o sorriso confiante. Basta
ler os jornais para nos depararmos com as três regras da política
portuguesa para totós: falar do passado é sempre mau (ainda que não
haja outra forma de aprender com os erros); propostas para o futuro é
sempre bom (ainda que sejam pura aldrabice); gerar esperança é
essencial (ainda que não haja qualquer razão para estar
esperançado).
Para os portugueses
mais à esquerda, e respectivos comentadores, não interesse tanto o
que se diz mas como se diz. É a paulabobonização da política
nacional. António Costa pode estar a desgraçar-nos, mas pelo menos
desgraça-nos com alegria e etiqueta. Passos Coelho até pode estar
certo nas suas previsões catastrofistas, mas para quê ser tão
negativo? O país não estava já tão mal com ele? Agora continua
igualmente mau, mas com melhor disposição. Para quê tanta rezinga?
Só porque o crescimento não descola, o investimento afunda e a
dívida dispara? Ora, ora, não nos vamos aborrecer com isso, que o
défice está controlado. Só porque a UTAO alerta para as “pressões
orçamentais” do segundo semestre? Ora, ora, olhai os lírios do
campo, que não trabalham nem fiam, e não andeis ansiosos, a dizer o
que havemos de comer ou que havemos de beber, porque António Costa
sabe que precisais de tudo isso.
Não temais, pequeno
rebanho: basta ter fé no socialismo e valorizar esse anúncio
permanente a um dentífrico em que está transformado o nosso
primeiro-ministro. Não há stress, não há nervos, não há
preocupações – o nosso homem em São Bento é supercool. Os
americanos têm “No drama Obama”, nós temos “Não fica sem
resposta Costa”. António Costa desvaloriza tudo, ultrapassa tudo e
explica tudo, ainda que as suas explicações tratem os portugueses
como se tivessem a idade mental da minha filha Rita: “A
recomendação da UTAO é a que qualquer médico dará a todos nós:
‘Não abuse dos doces, senão isso fará mal à sua saúde’.”
Ora aí está a resposta macroeconómica por que o país ansiava.
Bravo. E a verdade é esta: a minha filha Rita, que tem quatro anos,
não percebe Passos Coelho, mas percebe António Costa. Desconfio que
seja essa a razão da sua popularidade.
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