domingo, 11 de setembro de 2016

Há um velho palácio em Lisboa à espera de ser descoberto




Há um velho palácio em Lisboa à espera de ser descoberto

Liliana Borges
09/09/2016 – PÚBLICO

O antigo Palácio do Patriarcado está abandonado há vários anos e será transformado em hotel de luxo. No entanto, até este domingo, abre as portas para um festival e é o pretexto perfeito para ser descoberto.
As flores que enfeitam as grades exteriores e a varanda principal tentam, por estes dias, dar cor à fachada barroca do número 45 do Campo Mártires da Pátria. Desconhecido de muitos, esquecido por outros tantos, o antigo Palácio do Patriarcado estará, até domingo – e só até domingo – de portas abertas. Depois disso, o abandonado edifício do século XVIII, cuja autoria pertence ao mesmo arquitecto do Convento de Mafra, passará para o domínio de uma empresa de hotelaria e serão iniciadas as obras de reconversão para um hotel de luxo.

A abertura do antigo palácio eclesiástico acontece a pretexto do festival Todos, um festival de arte que está na sua oitava edição e que acontece em vários edifícios abandonados ou normalmente fechados ao público.

Datado de 1730, foi talvez a segunda obra de João Frederico Ludovice, o arquitecto alemão que se naturalizou português e que se perpetuou na História através do Convento Nacional de Mafra, que projectou. No final do século XIX foi herdado pelos irmãos Costa Lobo. Parte da obra foi legada à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa por um dos irmãos. O segundo irmão optou por tornar a herança numa oferta à mulher. A Santa Casa da Misericórdia arrenda a parte que lhe tinha sido doada em 1913, data em que o Patriarcado, que ainda hoje baptiza o edifício, entra no palácio. Uma década depois, o Patriarcado compra a Joséphine Costa Lobo a restante parte do imóvel e em 1926 adquire a totalidade do palácio. Seria neste imóvel que o Papa João Paulo II se hospedaria, durante a sua visita a Lisboa, em 1982, já depois de várias intervenções e reparações. A última aconteceu em 1995, com a alteração de um portão. O Patriarcado acabou por abandonar o edifício e o antigo Palácio está, desde 2010 a aguardar a sua requalificação para albergar um hotel. Estando devoluto, tem estado fechado, mas a degradação dos materiais e o desleixo em que se encontra este património já tinha sido criticado por alguns lisboetas, sem que, no entanto se conhecesse a fundo o seu interior.

O cenário muda durante este fim-de-semana e o PÚBLICO foi conhecer uma das muitas obras de arquitectura de excelência abandonadas ao destino.

A entrada acontece pela porta principal, onde as cores das madeiras se desvanecem para um tom quase translucido. Rodeada de pilares fundidos na fachada, a porta suporta em si a varanda do primeiro andar, desenhada em ferro forjado, desgastado pela chuva e pelo tempo. É nela que espreitam três janelas de madeira, que se repetem no segundo andar do palácio. Todas as restantes janelas estão servidas por varandas individuais, com as mesmas características das varandas principais que centram o edifício.

O primeiro espaço interior do palácio é um átrio amplo, cujo chão de mosaicos pretos e brancos divide a atenção com o tecto com ornamentos de flores. Luz, só a de lanternas. Para cada lado existem salas, mas é a escadaria que mais atrai a curiosidade e conduz à descoberta do primeiro andar. Os degraus de pedra de dois lanços rectos são acompanhados por paredes pintadas em tons pastel. Ao primeiro par de degraus espreitamos um verde-água na parede ao fundo, que destaca os ornamentos que já se desprenderam do tecto e escorrem agora pela parede. À direita, uma porta de madeira está fechada e a passagem é proibida devido ao risco de queda. Finalizada a subida, segue-se a sala que alberga a varanda principal e que é um eixo de circulação para duas salas laterais, com as suas respectivas ligações a outros compartimentos internos. As três janelas que se elevam do chão e acompanham praticamente toda a altura do piso deixam a luz natural iluminar as velhas tábuas de madeira que já se levantam do chão. O ex-libris é a lareira em pedra que se destaca das paredes esburacadas. Na sala ao lado, mais pequena, está uma outra lareira, ornamentada em pedra e ferro.

A surpresa está no segundo andar. Aqui, as paredes denunciam os anos através das diferentes camadas de papel de parede que se distinguem. Entre tons de violeta e vermelhos, as salas surgem já sem os cortinados dourados que a compunham, tornando mais fácil imaginar a decoração que se perdeu.

Também é no segundo piso que se encontram os tectos mais bem conservados. Entre pinturas e representações de flores e paisagens encontram-se referências a elementos e monumentos lisboetas, como é o caso da Torre de Belém, no meio de estuques de cores desgastadas. Apesar de contar mais dois pisos inferiores, um deles parcialmente enterrado, o tempo obrigou ao encerramento do acesso a estas salas, devido ao avançado estado de degradação do edifício.


O futuro destes elementos é incerto. As intervenções para a renovação do edifício deverão começar já nas próximas semanas. Por isso, restam apenas dois dias para espreitar - e em boa parte, imaginar - o passado.

Sem comentários: