Isto é o que se chama
jornalismo “soft” e “bem comportado” …
O 28 tornou-se num símbolo
ambíguo de memórias e das consequências perversas da massificação
Turística.
Lisboa, apáticamente e resignadamente a caminho do ponto de ruptura e de saturação de Barcelona …
Lisboa, apáticamente e resignadamente a caminho do ponto de ruptura e de saturação de Barcelona …
A reter: “Agora é só para
turistas”.
( …) “Não há condições,
vai sempre cheio e tempo de espera é muito longo.” De vez em
quando, lá se vai apanhando um português. O condutor diz que muitos
moradores de Lisboa até já andam “revoltados” por não se
conseguirem deslocar no eléctrico.
OVOODOCORVO
Crónica
de José-Augusto França sobre eléctrico 28 reeditada
Teresa Serafim
04/09/2016 – 09:59
Mesmo com longas
filas na primeira paragem, apanhar o eléctrico 28 em Lisboa é
obrigatório. Para um percurso mais informado, há uma nova edição
de 28 Crónica de um Percurso, de José-Augusto França.
Está em todo o
lado. Nos postais. Em miniatura nas lojas. Na rota dos turistas. Na
memória dos portugueses. É o “carro dos Prazeres, número 28”,
na voz da fadista Raquel Tavares. A média de passageiros ficou nos
4,6 milhões nos últimos quatro anos, de acordo com a Carris. Do
Martim Moniz aos Prazeres, o eléctrico 28 passa pelos séculos de
história da cidade. 28 Crónica de um Percurso é agora reeditado
pela Livros Horizonte.
Quando ia para o
liceu, o transporte do historiador José-Augusto França era o
eléctrico 28. Partia do Rossio, subia à Baixa, passava pela Sé e
chegava a São Vicente de Fora. O seu destino era o Liceu Gil
Vicente. A descoberta foi por acaso. Estava no Jardim da Estrela e
avisou alguém que ia apanhar um táxi. Disseram-lhe que não era
necessário. Mesmo em frente, havia uma paragem de um carro
eléctrico. “Foi assim que descobri que havia uma carreira
extraordinária em Lisboa.”
Desses tempos que
andava no 28 relembra uma das visões mais exclusivas que teve de
Lisboa. No Arco do Bandeira, havia uma janela a que nunca teve
acesso. Um dia, convidaram-no para uma palestra de uma sociedade
instalada no prédio com essa vista. Só aceitava participar se lhe
abrissem a janela para chegar à balaustrada e olhar o Rossio daquele
sítio. “É uma vista rara. Poucas pessoas podem ter conhecido e é
uma visão do que foi a Lisboa pombalina na altura”, esclarece o
historiador especialista na cidade pós-terramoto de 1755.
O interesse num
percurso que passa por umas “dez igrejas, oito conventos que foram,
meia dúzia de prédios de destaque, seis jardins, uma dezena e meia
de estátuas, dez teatros e cinema de que só restam dois”, fez com
que escrevesse 28 Crónica de um Percurso, publicada em 1998. ” Na
introdução do livro afirma não ter pretensões de historiador, mas
que “saboreia” os recantos de Lisboa.
Por isso, durante
dois meses, fez o percurso. Sempre a entrar e a sair para perceber o
que cada paragem tinha para oferecer. Consigo esteve o fotógrafo
Pedro Soares.
Ao longo do livro há
palavras dos monumentos e ruas que ainda existem, mas também de
edifícios demolidos. O livro parte do Largo de Martim Moniz, “neste
espaço muito foi demolido”, desde a Rua de S. Vicente ao arco
passadiço com dois pisos de janelas por cima.
Anda o 28 e a
história passa por onde foi o Salão Lisboa, “o cinema de
cowboyadas da Mouraria”, que passou para um armazém de revenda de
roupas. Na Graça, havia palacetes “agora degradados”. Desce pela
rua da Voz do Operário, que já se chamou rua da Infância. E
segue-se até ao Campo de Santa Clara, onde há “grandes palácios
nobres de setecentos, ainda existentes em excelente estado de
conservação”.
Uma das paragens do
28 é a Praça Luís de Camões Rita Baleia
Em S. Tomé, há um
encontro entre ruas e as suas gentes e na da Rua de S. Vicente vê-se
um pátio que foi nobre e é agora da Academia Recreativa dos Leais
Amigos. A carreira passa pelas Portas do Sol, onde “Lisboa romana
nasceu”. Segue pela Sé e, mais tarde, vai encontrar a Baixa.Já se
vê o Chiado e logo a seguir pára no Camões, um largo “confuso de
circulação”. Da Estrela até aos Prazeres é um instante. “O 28
liga várias e opostas coisas e fenómenos, como se alinhavassem
muitos séculos de cidade!”, conclui o historiador nas últimas
páginas do livro.
A última vez que
andou na carreira foi há um mês e reparou nos turistas. “O
eléctrico é turístico e útil para quem quiser vir do Chiado para
a Estrela”, assume. Mas também notou que há poucos assentos para
tanta gente. “Os turistas vão sempre a balancear, sempre com
muitos protestos.”
O eléctrico 28
passa pelos séculos que a cidade já viveu. Questionado sobre a
transformação de Lisboa, José-Augusto França diz: “Todas as
cidades vivem e têm sofrido transformações. Dos 80 anos de prática
que tenho, as mudanças foram sempre em relação à vivência da
cidade, nomeadamente no centro histórico. A Lisboa tradicional das
sete colinas, como a Baixa e com o encanto do rio Tejo, permanece.”
Um percurso-museu
pela cidade
Mas nem sempre é
fácil apanhar o 28. No Martim Moniz as filas são intermináveis. Às
10h atingem o maior pico, diz um motorista de eléctrico, que
preferiu não ser identificado. Depois vai sempre a abarrotar com
turistas. “Não há condições, vai sempre cheio e tempo de espera
é muito longo.” De vez em quando, lá se vai apanhando um
português. O condutor diz que muitos moradores de Lisboa até já
andam “revoltados” por não se conseguirem deslocar no eléctrico.
A média diária de
passageiros do 28 é de 11.500, sendo o segundo eléctrico em Lisboa
com maior circulação. Apenas é ultrapassado pela carreira 15, que
faz o percurso da Praça da Figueira a Algés, com 13 000 viajantes
por dia. O PÚBLICO apenas teve acesso aos números da evolução
anual dos últimos cinco anos, que indicam uma descida. Em 2012,
registaram-se 4,8 milhões de passageiros; número que baixou para
4,7 milhões em 2013, 4,5 milhões no ano seguinte e 4,4 milhões em
2015. Até Julho deste ano, já passaram pela carreira 2,5 milhões
de passageiros.
Em média, nos
últimos quatro anos, houve 4,6 passageiros anuais a circular no
eléctrico Nuno Ferreira Santos
Mesmo com o
eléctrico cheio de turistas, o lisboeta Raul Xisco não desiste.
Entra na paragem da Graça e vai ter com uns amigos ao Bairro Alto.
Tem 80 anos e anda na carreira há mais de 70. “Já estive à
espera 1h30”. Muitas vezes, o 28 não pára e tem sempre de
aguardar pelo próximo. “Agora é só para turistas”. Mas não
diz isto com indignação. Sabe bem que aquele é um percurso-museu
que mostra miradouros e sítios históricos da cidade. Também ele
gosta de os ver. Além disso, os turistas são simpáticos e acabam
por ajudá-lo a sentar-se.
Bem ao lado de Raul
Xisco, está Raquel Pujana. Entrou na paragem do Martim Moniz e vai
seguir até aos Prazeres. É espanhola e veio passar quatro dias de
férias a Portugal. Tinha de andar no eléctrico 28. Nem sabe quem
lhe falou neste circuito pela primeira vez, mas era algo que não
podia perder nesta viagem. “Parece uma montanha-russa”, diz sobre
a viagem pelas sete colinas. “Agora tenho de voltar a Lisboa para
ver o percurso ao pormenor”.
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