A
estratégia económica do Governo está a falhar? Três economistas
respondem
Sérgio Aníbal
01/09/2016 – 19:47
Ricardo Paes Mamede,
João Borges de Assunção e Augusto Mateus dão a sua opinião sobre
o que podem significar os resultados económicos obtidos na primeira
metade do ano e de que forma se relacionam com a política seguida
pelo Governo.
Depois de apresentar
um programa económico em que as medidas de reposição dos
rendimentos concentraram quase todas as atenções, o Governo
assistiu na primeira metade do ano a um crescimento económico que
fica consideravelmente abaixo das suas projecções iniciais, com a
procura interna a desacelerar no segundo trimestre.
Os responsáveis do
Executivo assumem que os resultados ainda não são os pretendidos,
mas garantem que há sinais de retoma, especialmente ao nível do
emprego, e acreditam que a aceleração da execução dos fundos
comunitários vai ajudar. A oposição, pelo contrário, defende que
é a estratégia económica seguida pelo Governo que está a conduzir
à estagnação da economia e ao afundar do investimento.
Três economistas, a
pedido do PÚBLICO, dão aqui a sua opinião, respondendo à
pergunta:
Os dados publicados
pelo INE que dão conta de uma manutenção do ritmo de crescimento,
com abrandamento da procura interna, significam que a estratégia
seguida pelo Governo para a retoma económica está a falhar ou é
demasiado cedo para se chegar a essa conclusão?
João Borges de
Assunção, professor na Católica Lisbon
“Parece-me que
ainda é cedo para tirar conclusões definitivas baseadas nos dados
divulgados pelo INE. Quem considera que a estratégia é desadequada
tem dados adicionais de suporte. Mas quem considera que a estratégia
é a correta não vê sinais suficientemente fortes para concluir que
está errada e atribui a quase estagnação a factores externos. E
acha que os efeitos positivos na conjuntura da reposição de
rendimentos e da redução do IVA da restauração ainda não tiveram
tempo de se manifestar nos dados.
O mais
preocupante é a fragilidade do investimento
João Borges de
Assunção
Ainda assim, o dado
que me parece mais preocupante é a fragilidade do investimento
(FBCF), que em termos reais está a cair em termos homólogos 3,1% e
0,1% em cadeia. Em termos nominais as quebras do investimento são
ainda mais desfavoráveis. Com uma contracção homóloga de 3,8% e
de 0,9% em cadeia. O risco de haver uma contracção real do
investimento este ano é significativo. Parece-me que, em termos de
gestão da conjuntura, a recuperação do investimento deveria ser a
principal prioridade para além da continuação da consolidação
orçamental e da estabilização do sistema financeiro".
Ricardo Paes
Mamede, professor do ISCTE
"A estratégia
originalmente anunciada não corresponde à que foi implementada: o
estímulo à procura interna ficou parcialmente comprometido em
Fevereiro, como resultado das negociações com a Comissão em torno
do OE2016. Ainda assim, o consumo foi a única componente da procura
final que cresceu mais em Portugal do que na UE no primeiro
trimestre, o que sugere que o efeito existe (vamos ver o que se
passou em termos comparados no segundo trimestre).
A estratégia
originalmente anunciada não corresponde à que foi implementada
Ricardo Paes
Mamede
Quem diz que a
'estratégia falhou' aponta também a fraca evolução das
exportações líquidas e do investimento. Quanto às exportações
líquidas, há três efeitos que têm de ser considerados na análise
do primeiro semestre: 1) a queda das exportações para Angola (que
ultrapassam o valor total da quebra das exportações; as exportações
para a Europa aumentaram 4%); 2) a paragem da refinaria da Galp; e 3)
a antecipação de compra de automóveis por questões fiscais. Os
dois primeiros factores nada têm a ver com o “modelo” em causa.
O terceiro deverá ser um efeito temporário, como sugerem os
indicadores da ACAP sobre vendas mensais de automóveis.
Quanto ao
investimento, o pior que se pode dizer é que a 'estratégia' deveria
ir muito mais longe, pois parece que o investimento público está a
ser contido para cumprir metas orçamentais (o que pode ser
ultrapassado se o Portugal 2020 arrancar em força, com taxas de
co-financiamento europeu elevadas)".
Augusto Mateus,
ex-ministro da Economia
"Há duas
grandes razões para que não consigamos ter um crescimento
dependente da procura interna. O primeiro é a dimensão da economia
portuguesa. Não é possível satisfazer os níveis de rendimento que
são desejados com a dimensão que a economia portuguesa tem. A
segunda razão é a dificuldade que existe em Portugal de compreender
a crise de produtividade. É que não é uma crise de esforço ou de
falta de vontade de trabalhar, nem sequer é uma crise só de
eficiência. É uma crise da própria qualidade dos factores
produtivos, como o laboral, e um problema de alocação de recursos.
Temos recursos a mais em actividades que não crescem.
Para a economia
portuguesa não se trata de pô-la a crescer tal como ela é
Augusto Mateus
Por isso, para a
economia portuguesa não se trata de pô-la a crescer tal como ela é.
Tem de se fazer algo diferente. A prioridade deve ser garantir que o
investimento que é feito tem como resultado uma mudança da
especialização da economia e uma maior participação na
globalização. O problema é que há um défice colossal de política
económica. É preciso política económica, não pode ser apenas
política financeira.
As medidas seguidas
pelo Governo ao nível dos rendimentos são compreensíveis e têm um
papel muito importante para garantir que o crescimento que surja seja
para todos e não só para alguns. Mas esse é um segundo passo. E,
fundamentalmente, não são um motor de crescimento, são medidas de
coesão social".
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