sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A estratégia económica do Governo está a falhar? Três economistas respondem / A política anti-investimento - Helena Garrido

A política anti-investimento

Helena Garrido
1/9/2016, 7:27

A economia portuguesa está de novo a afundar. A evolução do investimento tem de ser a maior preocupação. Um problema que o investimento público não resolve.

A previsão do Governo para o crescimento da economia está seriamente ameaçada. A produção teria de aumentar cerca de 2% na segunda metade do ano, face ao primeiro semestre, para chegarmos à subida de 1,8% projectada no Orçamento do Estado para 2016. Impossíveis não há, mas parece altamente improvável. O cenário mais provável, neste momento, é o de crescermos menos este ano do que em 2015.

O retrato que o INE nos fornece da evolução da economia nos primeiros seis meses deste ano é desanimador. O consumo privado, uma das principais apostas do Governo de António Costa para reanimar a economia, perdeu ímpeto. Poderemos até considerar um factor positivo. Os consumidores estão a ter um comportamento racional. Mas precisávamos de outro factor de crescimento, o investimento. O que não está a acontecer.

Depois de dez trimestres consecutivos de crescimento, o investimento está a cair desde o início do ano. Porque é que isto está a acontecer? Esta deveria ser a pergunta que o Governo devia responder, sem preconceitos ideológicos. E alterar a sua política em função dessas respostas. O folclore político não ajuda.

Há várias hipóteses para a queda do investimento, que não sendo mutuamente exclusivas podem, pelo contrário, reforçar-se. Vamos começar por tentar encontrar factores exteriores à governação.

A situação em Angola e no Brasil, o estado do tempo que prejudicou a construção no início do ano, a concentração de investimento no fim do ano passado na compra de carros após anos de adiamento, a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia e a incerteza no sector bancário. Eis alguns exemplos que podem explicar a queda do investimento por antecipação ou adiamento dos projectos. E que nada têm a ver com a governação.

Em contrapartida temos acontecimentos que poderiam reforçar o investimento. Entre eles estão a dinâmica da economia espanhola apesar da crise política, a actividade turística reforçada pelo horror do terrorismo em França e na Alemanha e a atractividade que Portugal poderia ter por ser um país seguro. Tudo factores que poderiam induzir a subida do investimento e que também não estão nas mãos do Governo.

Vamos admitir que os factores que afundam o investimento são mais fortes do que aqueles que o dinamizam. É uma hipótese forte. Aproveitar a recuperação da economia espanhola pode não exigir mais investimento, impondo apenas reorientação do que se produz. No sector do turismo temos já as grandes infra-estruturas hoteleiras. E tudo o que, hoje em dia, atrai mais os turistas está associado a pequenos projectos que exigem muitos, mas pequenos investimentos.

Resta explorar os factores de atractividade de Portugal, que agora se reforçam com a insegurança que abala alguns países do centro da Europa. E aí as políticas dos governos já são importantes. Foi nesse vector que, lamentavelmente, António Costa cometeu os seus maiores erros, que agora pode estar a pagar.

O maior problema da política económica deste Governo está longe de ser a aposta no consumo para dinamizar o crescimento. Está antes nas medidas e no discurso que afugenta o investimento de que precisamos, quer nacional como estrangeiro. Dinamizar a economia portuguesa era já uma tarefa difícil. Quando se soma a isso alterações no IRC, anulações de acordos nas concessões dos transportes e na venda da TAP e uma retórica que se aproxima perigosamente da estatização da vida portuguesa, o mais racional é adiar projectos de investimento ou ir investir noutras paragens.

É uma ilusão pensar que os fundos comunitários do Portugal 2020 ou o investimento público vão trazer os projectos de que precisamos para um crescimento saudável com emprego e produção.

O investimento por iniciativa do Estado já entrou, há muito, na parte da curva dos rendimentos decrescentes, se não mesmo negativos. TGV’s, pontes ou mais estradas vão dar dívida sem gerar o rendimento para a pagar. Já temos um peso suficientemente elevado de projectos financiados com dívida, que são ruinosos e explicam em grande parte o estado em que estão as contas públicas e os bancos.

O investimento em educação, de que precisamos, tem um retorno a longo prazo que o Governo também tem desprezado, com o facilitismo que imprimiu na política educativa. Neste domínio apenas esperamos que não se cometam os mesmos erros do passado, quando a Parque Escolar andou a gastar milhões quando podia gastar milhares na recuperação de escolas.

Os fundos comunitários que alimentam tantas esperanças também há muito tempo que têm efeitos mais negativos do que positivos. Os investimentos que financiam acabam por ser menos rentáveis do que poderiam ser se o dinheiro fosse dos donos dos projectos.

O que precisamos são de projectos de investimento com dinheiro que saia em boa parte do bolso de quem investe e que envolva a entrada de estrangeiros. Nada disso está a acontecer.

Quando um Governo opta pelo discurso anti-empresário, anti-lucro ou anti-privado deveria explicar quais as consequências dessa estratégia. Podemos escolher ter só empresas e projectos empresariais do sector público, é uma opção. Não parece que seja essa a escolha de António Costa. Sendo assim colocou-nos no pior dos mundos: nem temos público nem privado.

Por mais que se queira encontrar outras razões, a principal e mais importante explicação para a queda do investimento está na política económica que este Governo escolheu. E sem investimento não há o crescimento de que precisamos.

A estratégia económica do Governo está a falhar? Três economistas respondem

Sérgio Aníbal
01/09/2016 – 19:47

Ricardo Paes Mamede, João Borges de Assunção e Augusto Mateus dão a sua opinião sobre o que podem significar os resultados económicos obtidos na primeira metade do ano e de que forma se relacionam com a política seguida pelo Governo.

Depois de apresentar um programa económico em que as medidas de reposição dos rendimentos concentraram quase todas as atenções, o Governo assistiu na primeira metade do ano a um crescimento económico que fica consideravelmente abaixo das suas projecções iniciais, com a procura interna a desacelerar no segundo trimestre.

Os responsáveis do Executivo assumem que os resultados ainda não são os pretendidos, mas garantem que há sinais de retoma, especialmente ao nível do emprego, e acreditam que a aceleração da execução dos fundos comunitários vai ajudar. A oposição, pelo contrário, defende que é a estratégia económica seguida pelo Governo que está a conduzir à estagnação da economia e ao afundar do investimento.

Três economistas, a pedido do PÚBLICO, dão aqui a sua opinião, respondendo à pergunta:

Os dados publicados pelo INE que dão conta de uma manutenção do ritmo de crescimento, com abrandamento da procura interna, significam que a estratégia seguida pelo Governo para a retoma económica está a falhar ou é demasiado cedo para se chegar a essa conclusão?


João Borges de Assunção, professor na Católica Lisbon

“Parece-me que ainda é cedo para tirar conclusões definitivas baseadas nos dados divulgados pelo INE. Quem considera que a estratégia é desadequada tem dados adicionais de suporte. Mas quem considera que a estratégia é a correta não vê sinais suficientemente fortes para concluir que está errada e atribui a quase estagnação a factores externos. E acha que os efeitos positivos na conjuntura da reposição de rendimentos e da redução do IVA da restauração ainda não tiveram tempo de se manifestar nos dados.

O mais preocupante é a fragilidade do investimento
João Borges de Assunção

Ainda assim, o dado que me parece mais preocupante é a fragilidade do investimento (FBCF), que em termos reais está a cair em termos homólogos 3,1% e 0,1% em cadeia. Em termos nominais as quebras do investimento são ainda mais desfavoráveis. Com uma contracção homóloga de 3,8% e de 0,9% em cadeia. O risco de haver uma contracção real do investimento este ano é significativo. Parece-me que, em termos de gestão da conjuntura, a recuperação do investimento deveria ser a principal prioridade para além da continuação da consolidação orçamental e da estabilização do sistema financeiro".

Ricardo Paes Mamede, professor do ISCTE

"A estratégia originalmente anunciada não corresponde à que foi implementada: o estímulo à procura interna ficou parcialmente comprometido em Fevereiro, como resultado das negociações com a Comissão em torno do OE2016. Ainda assim, o consumo foi a única componente da procura final que cresceu mais em Portugal do que na UE no primeiro trimestre, o que sugere que o efeito existe (vamos ver o que se passou em termos comparados no segundo trimestre).

A estratégia originalmente anunciada não corresponde à que foi implementada
Ricardo Paes Mamede

Quem diz que a 'estratégia falhou' aponta também a fraca evolução das exportações líquidas e do investimento. Quanto às exportações líquidas, há três efeitos que têm de ser considerados na análise do primeiro semestre: 1) a queda das exportações para Angola (que ultrapassam o valor total da quebra das exportações; as exportações para a Europa aumentaram 4%); 2) a paragem da refinaria da Galp; e 3) a antecipação de compra de automóveis por questões fiscais. Os dois primeiros factores nada têm a ver com o “modelo” em causa. O terceiro deverá ser um efeito temporário, como sugerem os indicadores da ACAP sobre vendas mensais de automóveis.

Quanto ao investimento, o pior que se pode dizer é que a 'estratégia' deveria ir muito mais longe, pois parece que o investimento público está a ser contido para cumprir metas orçamentais (o que pode ser ultrapassado se o Portugal 2020 arrancar em força, com taxas de co-financiamento europeu elevadas)".

Augusto Mateus, ex-ministro da Economia

"Há duas grandes razões para que não consigamos ter um crescimento dependente da procura interna. O primeiro é a dimensão da economia portuguesa. Não é possível satisfazer os níveis de rendimento que são desejados com a dimensão que a economia portuguesa tem. A segunda razão é a dificuldade que existe em Portugal de compreender a crise de produtividade. É que não é uma crise de esforço ou de falta de vontade de trabalhar, nem sequer é uma crise só de eficiência. É uma crise da própria qualidade dos factores produtivos, como o laboral, e um problema de alocação de recursos. Temos recursos a mais em actividades que não crescem.

Para a economia portuguesa não se trata de pô-la a crescer tal como ela é
Augusto Mateus

Por isso, para a economia portuguesa não se trata de pô-la a crescer tal como ela é. Tem de se fazer algo diferente. A prioridade deve ser garantir que o investimento que é feito tem como resultado uma mudança da especialização da economia e uma maior participação na globalização. O problema é que há um défice colossal de política económica. É preciso política económica, não pode ser apenas política financeira.

As medidas seguidas pelo Governo ao nível dos rendimentos são compreensíveis e têm um papel muito importante para garantir que o crescimento que surja seja para todos e não só para alguns. Mas esse é um segundo passo. E, fundamentalmente, não são um motor de crescimento, são medidas de coesão social".

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