sábado, 18 de outubro de 2014

Secretário de Estado demissionário plagiou um terceiro trabalho.

João Grancho demitiu-se por “imperativos de consciência” e “lealdade” para com o ministro Nuno Crato

Secretário de Estado demissionário plagiou um terceiro trabalho
João Grancho, que tinha a tutela do Ensino Básico e Secundário, demitiu-se invocando “imperativos de consciência”, depois da notícia que dava conta de plágio numa comunicação por si apresentada em 2007
LisboaEducação / Nuno Sá Lourenço e Graça Barbosa Ribeiro / PÚBLICO / 18 out 2014

Foi na mesma comunicação preparada para as Jornadas Europeias da Convivência Escolar que João Grancho copiou mais um professor universitário do Instituto da Educação. Em 2005, Joaquim Pintassilgo viu incluído no livro Escola, Culturas e Saberes o seu trabalho denominado “A profissão e a formação no discurso dos professores do ensino liceal”
Aí, no segundo capítulo intitulado “O entendimento do professor como profissional do ensino”, surge um primeiro parágrafo muito semelhante a um excerto do segundo capítulo da comunicação do secretário de Estado demissionário. O capítulo versava sobre o “conjunto de normas e valores próprios dos professores” que eram sistematizados “sob a forma de um código de conduta”. Apesar de algumas palavras terem sido alteradas, os dois parágrafos são semelhantes.
O PÚBLICO contactou o gabinete do Ministério da Educação e Ciência (MEC) para dar oportunidade a João Grancho de reagir a este novo dado. Mas nessa altura já Grancho se tinha demitido e não houve resposta até ao fecho desta edição.
Depois de ter sido tornada pública a sua demissão, João Grancho afirmou à Lusa que o pedido era determinado “por imperativos de consciência e de sentido de serviço público”. E não, acrescentou, “por quaisquer questões relacionadas com o meu [seu] desempenho no cargo”. O governante acrescentou ainda que o pedido era a forma “que melhor preservava o Governo na difícil tarefa que ainda tem pela frente e que terá que concluir para bem de Portugal”.
Horas antes, através de um comunicado, o gabinete de imprensa do ministério da Educação fez saber que João Grancho se demitira invocando “motivos de ordem pessoal”. O ministro da Educação foi também, durante o dia de ontem, confrontado com a notícia. À margem da sessão de trabalho “Estratégia de Competências da OCDE — Uma estratégia de competências para Portugal”, realizada no Museu do Oriente, Crato disse apenas que Grancho “já respondeu a isso”.
A demissão de João Grancho apanhou de surpresa os dirigentes escolares, que nos últimos dias ouviram aquele secretário de Estado garantir os meios materiais necessários para compensar os alunos pelo atraso na colocação de professores (uma competência do outro secretário de Estado, do Ensino e da Administração Escolar, Casanova de Almeida). “Esta demissão deixa gravemente ferida e especialmente fragilizada a equipa ministerial”, comentou Manuel Pereira, da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE).
Na mesma linha, Manuel Pereira considerou ser “irónico e preocupante” que, “num momento tão conturbado para o ensino básico e secundário, se demita precisamente o elemento do ministério que mais credibilidade tinha junto das escolas, que melhor conhecia o terreno e o que realmente compreendia e tentava atender às necessidades dos alunos”.
O vice-presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, escusou-se a fazer um balanço do papel de Grancho no MEC, mas disse-se “extremamente preocupado com o impacto desta demissão na máquina do ministério e na forma como isso se reflectirá nas escolas”. “Estamos preocupados com a admissão de professores, não devíamos ter de nos preocupar com a demissão de ministros”, comentou, frisando que “as escolas já estão em fogo e precisavam de paz e não de achas para a fogueira”.
Manuel Pereira e Filinto Lima escusaram-se a comentar a notícia do PÚBLICO sobre os casos de plágio e Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional de Professores (Fenprof ), também. Este centrou as críticas na equipa do ministério, que, considera, “está a cair de podre” e “fica, com esta demissão, ainda mais fragilizada”. “Fico curioso. Não sei quem é que vai aceitar este lugar sabendo que a sua missão é fazer cortes no montante de 700 milhões de euros”, comentou.
Mário Nogueira disse ainda lamentar que o “secretário de Estado se tenha demitido por motivos de ordem pessoal quando tinha tantos e tão bons motivos para o fazer por outras razões”. “Este é o secretário de Estado da Prova de Avaliação de Capacidades e Competências para professores e o responsável pela desorganização da Educação Especial”, lembrou. João Dias da Silva, dirigente da Federação Nacional da Educação, escusou-se a falar sobre este caso.
Em 2007, quando João Grancho era presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), apresentou uma comunicação, numa conferência sob o tema “A dimensão moral da profissão docente”, numas Jornadas Europeias, em Múrcia. As dez páginas da sua participação — que está publicada no site das Jornadas — levantavam uma questão sensível. Em algumas partes, o governante copia documentos anteriores, da autoria de outros académicos, sem fazer qualquer referência aos autores originais.
O secretário de Estado rejeitou ao PÚBLICO a acusação de plágio: “Pretender associar um mero documento de trabalho, não académico nem de autor, nas circunstâncias descritas, a um plágio, é totalmente inapropriado e sem qualquer sentido.”

João Grancho entrou no Governo em Outubro de 2012, na sequência de uma remodelação do Governo, para substituir a então secretária de Estado Isabel Leite. Na altura era presidente da Direcção Regional de Educação do Norte, mas era sobretudo conhecido, no meio escolar, por ter presidido à Associação Nacional de Professores, entre 2002 e 2011, onde se bateu pela criação de uma ordem profissional, que permitiria a definição de “um quadro deontológico de actuação para os docentes”. com Maria João Lopes.

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