Bernd Lucke, eurocético alemão,
diz que “a Europa está a ir no caminho errado”
20 Outubro 2014
Catarina Falcão / OBSERVADOR
Bernd Lucke é o líder do partido sensação nas últimas legislativas alemãs e
é eurodeputado. O seu partido diz que o euro ameaça o mercado único e que
nenhum país devia ter sido resgatado na crise.
Lançou-se na
política no ano passado e quase conseguiu entrar no Bundestag – Parlamento
alemão -, causando possivelmente uma crise de nervos a Angela Merkel. Depois
disso teve 7% dos votos nas europeias e tem vindo a ganhar lugares no poder
local. Tudo isto com a mensagem de que não se devia ter resgatado a Grécia e
que o euro é uma ameaça ao mercado único. O Observador entrevistou o
eurodeputado Bernd Lucke, líder do partido Alternativa para a Alemanha (AfD),
em Bruxelas.
O alemão fala
inglês perfeito e usa a experiência como professor – lecionava Macroeconomia na
Universidade de Hamburgo – para explicar que a Grécia não deveria ter sido
resgatada e que provavelmente deveria ter saído do euro. Uma opinião cada vez
mais partilhada na Alemanha, já que a AfD tem vindo a ganhar militantes e
apoios em todos os setores da sociedade.
Chegou
recentemente ao Parlamento Europeu. Como tem sido a sua experiência e como é
que mantém a liderança do seu partido na Alemanha ao mesmo tempo?
Agora estou cá,
vivo em Bruxelas. Eu viajo para a Alemanha, mas a comunicação eletrónica faz
com que seja possível que o partido avance sem a minha presença física. Em
relação ao Parlamento, estou desiludido com o que acontece aqui. Estive, por
exemplo, na audição de Neven Mimica, comissário indigitado croata para a
Cooperação Internacional e Desenvolvimento e ele não me convenceu. Mas por
alguma razão, os representantes das grandes famílias políticas como o Partido
Popular Europeu e o Partido Socialista Europeu, assim como os liberais,
disseram que foi uma boa audição. E eu pensei, se isto é bom, o que é que é
mau? Eu fiquei espantado com a falta de espírito crítico sobre esta audição –
qualquer pessoa podia ter dito o que ele veio dizer – e este é um dos cargos
mais altos na UE. Eu esperava uma pessoa de topo, com uma visão e capacidade
para liderar.
Como é que
analisa o nascimento do partido fundado por si, a Alternativa para a Alemanha
(AfD), em fevereiro de 2013 e a sua evolução até quase conseguir entrar no
Bundestag, nas eleições de setembro desse mesmo ano?
Éramos um género
de partido start-up. Começámos com muito poucas pessoas, mas rapidamente
encontrámos apoio na população alemã, muito mais até do que esperávamos. Por
isto, as nossas expetativas começaram a crescer nessa primavera.
Quando é que
tiveram mesmo essa perceção? Foi quando decidiram fazer o partido ou quando o
partido foi formalmente apresentado?
Só percebemos
isso quando dissemos que tínhamos fundado o partido, mas foi uma reação
avassaladora e que excedeu em muito as nossas capacidades como partido
recém-criado de receber este apoio. Milhares de pessoas queriam aderir ao
partido. Fizemos o melhor que conseguimos, mas cometemos erros pelo caminho.
Tivemos de organizar uma campanha profissional para as eleições legislativas
que seriam logo em setembro e estruturar o partido de raiz – e fazer tudo isto
com pessoas que não tinham qualquer experiência política e sem dinheiro
público, o dinheiro que tínhamos era nosso e não era muito. Tínhamos pouco
dinheiro, poucas pessoas na estrutura, mas muito entusiasmo e isso fez com que
conseguíssemos os quase 5% necessários para entrar no Bundestag. Claro que
ficámos desapontados com esse resultado, mas se olharmos de forma objetiva para
isto, na verdade, foi um grande sucesso.
Mas já era
militante da CDU, partido de Angela Merkel. Havia mais pessoas que também
vieram da CDU, certo?
Sim, muitas.
Então já tinham
alguma experiência de partidos e na organização de um partido político.
Não, de todo. Eu
era um membro passivo da CDU.
Quando é que se
apercebeu que estava na altura de abandonar a CDU e criar um novo partido?
Em dezembro de
2011 eu deixei o partido. Eu já estava a pensar sair há alguns meses…
Há quanto tempo é
que era militante da CDU?
Há 33 anos, mas
estava desiludido com a atuação do partido na crise da zona euro. Pensava que o
partido estava a seguir a linha errada, tanto a nível económico como a nível
político. O partido fez promessas ao seu eleitorado como por exemplo que não se
responsabilizaria por dívida externa de outros países aquando da assinatura do
Tratado de Maastricht e a liderança do partido quebrou este compromisso ao ter apoiado
os resgates financeiros. Portugal foi um deles. Essa não foi uma política
correta e eu concluí que se discordava do partido, quer a nível profissional,
quer a nível pessoal, não devia permanecer.
Tentou alertar o
partido para esses problemas?
Não. Eu não podia
fazê-lo verdadeiramente porque quando abandonei o partido estava a tirar uma
licença sabática nos Estados Unidos e não tinha qualquer contacto com outros
militantes do partido.
Que tipo de solução
é que defendia então para a resolução da crise?
Eu acho que
devíamos ter respeitado a regra de não resgatar países endividados tal como
estava inscrito no Tratado de Maastricht. Isso teria levado a que a Grécia
abandonasse o euro, o que do meu ponto de vista seria um acontecimento menor
dentro da zona euro. Eu não tenho a certeza se Portugal também seria obrigado a
fazer o mesmo. A situação tanto em Portugal como na Irlanda não eram
insustentáveis. O problema de Chipre é. Portanto as situações de Chipre e da
Grécia são diferentes das de Portugal e da Irlanda. Penso que a saída da Grécia
teria sido boa porque disciplinaria os outros países que veriam que há
consequências graves quando se quebram os princípios da estabilidade económica
e financeira.
Pensa que a União
Europeia (UE) devia ter tido algum papel no resgate destes países?
Não, nenhum.
Nem a nível
político?
Não, de forma
nenhuma. Os portugueses ou os irlandeses é que deviam ter decidido o que fazer
com a situação. Eles têm governos, podem ter novos governos se quiserem e a
decisão devia ser sempre deles. Não acho que a União Europeia deva interferir
nos assuntos dos governos nacionais porque o que foi feito até agora fez com
que parecesse que a União Europeia estava a mandar nesses países, muitas vezes
com a oposição das pessoas que se manifestavam nas ruas desses mesmos países.
Eu acho que é um problema democrático porque queremos que sejam as pessoas de
cada país a governar o seu Estado e se uma organização burocrática vem dizer às
pessoas o que devem fazer, torna-se numa posição indefensável do ponto de vista
democrático.
Tem-se falado
muito de solidariedade entre Estados-membros. O que é que tem a dizer em
relação a isso?
Não penso que
tenha havido qualquer tipo de solidariedade neste processo. Foi um ato de
solidariedade para com os bancos, que compraram de forma descuidada dívida de
países que não eram solventes. Salvámos bancos com o dinheiro dos
contribuintes. Claro que devemos ser solidários na União Europeia, mas isso
devia ser feito de forma igual, porque há Estados-membros muito mais pobres que
a Grécia. E esses países não receberam nenhuns pagamentos, embora também
precisem de investimento nas suas economias e infraestruturas, como escolas e
hospitais. Deixámos esses países na Europa de Leste sozinhos e dêmos o dinheiro
à Grécia, não por ser um país pobre, mas porque foi completamente irresponsável
com a sua dívida pública. Este não é um critério razoável.
Foi com estas
ideias que se candidatou às eleições e com o resultado da AfD acabou por
obrigar Merkel a entrar numa coligação com o SPD, já que fez com que o FDP,
ex-parceiro de coligação, ficasse de fora do Bundestag…
Deixe-me
corrigi-la. Não fomos nós que tirámos o FDP do Bundestag. Aceito que demos o
último empurrão, mas o partido perdeu 10% dos votos nas eleições legislativas e
perdeu 9% para a CDU e apenas 1% para nós. Se alguém matou o FDP, foi a CDU. O
que também contribuiu foi a estupidez do FDP que levou a cabo más políticas
enquanto esteve no governo. O problema foi deles, eles suicidaram-se
politicamente e as pessoas dispersaram o seu voto.
Mas a AfD veio de
alguma forma preencher esse espaço. Onde é que o seu partido se posiciona?
Os jornalistas
gostam de ter sempre um rótulo para os partidos.
Facilita a
organização política…
Esses rótulos de
esquerda e direita não se aplicam à AfD. Nós temos apoio de pessoas vindas de
todos os espectros políticos. A nossa agenda política é uma mistura de várias
tendências. Desde logo somos liberais em termos de mercado e economia – mas é
um liberalismo económico à alemã, que associa responsabilidades sociais à
economia de mercado -, provavelmente somos um partido mais conservador em
termos de família e valores…
Mais
conservadores que a CDU?
Sim, mais
conservadores que a CDU. Somos provavelmente mais responsáveis socialmente que
o SPD no que diz respeito a resgatar bancos com o dinheiro dos contribuintes.
Nós temos algumas ideias parecidas com a esquerda no que diz respeito à
reestruturação e ao perdão da dívida. Nós dizemos que não se deve insistir no
pagamento das dívidas, se o país não consegue pagar. Vamos perdoar essa dívida,
dizer que desta vez foi assim porque fazia parte da zona euro…
Então para ter
esse perdão, os países teriam de sair do euro?
Sim, porque o
governo faria default na sua dívida e isso significaria que o sistema bancário
desses países não se poderia refinanciar em euros.
Depois das
eleições legislativas, começou o processo para se candidatar às europeias e de
uma certa forma, o seu pensamento está muito ligado ao funcionamento das
instituições em Bruxelas. Como é que foi essa campanha?
Muito mais
organizada do que a nossa primeira campanha. Já tínhamos mais financiamento e
as coisas correram melhor. Tivemos 7,1% dos votos, o que equivale a 7
eurodeputados.
A AfD entrou num
Parlamento Europeu com uma organização política diferente. Há muitos
eurocéticos, partidos de extrema-direita e partidos de extrema-esquerda. Teme
que o seu partido possa ser confundido com estas forças extremistas?
Eu espero que
não, embora os nossos inimigos políticos tentem dar essa ideia. Nós fazemos parte
da família política dos conservadores, que é um grupo bem estabelecido, com
partidos que lideram governos em países europeus como os conservadores
britânicos.
A AfD é um
partido eurocético?
Sim, nós somos
eurocéticos. Pensamos que a Europa está a ir no caminho errado. Mas somos a
favor de muitas coisas conseguidas pela UE como o mercado comum – que é um
feito extraordinário e queremos preservá-lo. O que achamos é que o euro está a
pôr em perigo esse feito porque muitos países que não podem vender os seus
produtos no mercado europeu devido aos seus défices podem ter a ideia de
aumentar as suas tarifas de importação e assim proteger os seus mercados. Isso
destruiria toda a ideia por detrás do mercado único. Não concordamos também com
a ideia de centralizar cada vez mais competências em Bruxelas e chegarmos a uma
altura em que temos um super-Estado europeu.
Então como é que
vê o futuro do euro?
Acho que a crise
não está resolvida, quase tudo ainda está por fazer mas isso foi encoberto por
uma camada espessa de dinheiro de modo a que não se veja tanto como antes quais
são os problemas. Temo que eles voltem à superfície assim que aconteça outra
crise exógena, como um crash na bolsa ou até uma guerra. Ou até mesmo se
mergulharmos todos numa recessão que volte a gerar muito desemprego e aí as
pessoas vão pensar que é altura de sair porque já passaram por isso uma vez.
Vamos enfrentar os mesmos problemas que em 2010 e 2011, mas numa escala maior.
A AfD continua a
fazer progressos políticos na Alemanha. Em agosto entrou no Parlamento do
estado da Saxónia e em setembro teve 12,2% nas eleições locais de Brandemburgo
e 10,6% em Turíngia. Entrar no Bundesrat (câmara alta do parlamento alemão onde
têm assento os governos locais) é um objetivo para o partido?
Não, não é a
nossa ambição. O nosso objetivo é entrar no Bundestag em 2017 ou talvez antes
se tivermos eleições antecipadas, nunca se sabe.
Mas haverá muitas
eleições locais até lá. Como é o partido se está a implementar no território
alemão?
Nós temos muito
apoio no sul e no leste da Alemanha. Também temos um apoio forte na Baviera e
Baden-Württemberg, alguns dos maiores estados. Temos menos apoio no norte e as
próximas eleições serão lá em fevereiro e maio.
Enquanto
eurodeputado no que é que vai centrar a sua ação?
Eu pessoalmente
vou trabalhar na comissão dos Assuntos Económicos (ECON) e lidar com a
regulamentação económica a partir de dois ângulos. Por um lado há problemas
nestas orientações políticas porque temos o princípio da subsidiariedade na Europa
e não há razão para que a União interfira nas políticas económicas dos seus
Estados-membros e ao mesmo tempo temos o euro, que tem externalidades negativas
noutras países, caso um dos membros da zona euro falhe em termos de
estabilidade e sustentabilidade. E sabemos que as recomendações para manter
essa estabilidade não são respeitadas pelos Estados-membros, menos de 10% das
recomendações emitidas no ano passado foram cumpridas pelos Estados-membros.
Qual é a sua
opinião sobre a Comissão Juncker? Quais as suas expetativas?
A minha principal
preocupação é Pierre Moscovici, comissário indigitado francês para a pasta dos
Assuntos Económicos. Ele desrespeitou as obrigações a que França se tinha
comprometido no Tratado Orçamental enquanto ministro das Finanças e pergunto-me
como é que alguém pode ser comissário e agora pedir a outros países que
respeitem esse Tratado, quando ele próprio não o fez. A posição dele vai ser
muito fraca e não acho que ele vá liderar em termos de estabilidade, porque não
é a sua convicção que essa seja a política correta. Ele quer dar a volta à
sustentabilidade da dívida pública e aumentar a procura. Ele acredita que isto
miraculosamente vai resolver a crise da zona euro.
Qual é a sua
posição em relação ao Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e
Investimento (TTIP) que vai implementar o mercado livre entre EUA e UE? Acho
que o acordo vai ser concluído em 2015?
Eu acho que há
muita resistência ao TTIP em todos os países da UE. As pessoas desconfiam do
TTIP, não por serem contra o comércio livre, mas porque vêm que há outros
assuntos envolvidos neste acordo e o mais problemático é a cláusula sobre os
direitos dos investidores. Eu sou contra essa cláusula.
A cláusula que
pode permitir às empresas processar os Estados-membros?
Sim, que pode
permitir isso, mas também faz com que as empresas não fiquem obrigadas a
cumprir o sistema legal do país onde estão a investir e assim estamos a aplicar
leis diferentes a empresas que operam no mesmo país. Isto pode limitar os
legisladores de cada Estado-membro e eu acho que isso não deve ser feito. E não
sou só eu. Por isso acho que a sua conclusão vai ser muito difícil, há muita
desconfiança e a apresentação do acordo tem sido um desastre, quase ninguém tem
falado das suas vantagens. E ainda por cima estão a negociar os termos do
acordo em segredo e tudo isto vai levar a mais resistência.
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