Passos foi à ópera e caiu no
fosso da orquestra
PEDRO SOUSA
CARVALHO 31/10/2014 - PÚBLICO
Numa coisa é preciso tirar o chapéu a Passos Coelho: a sua primeira
promessa eleitoral é cortar salários.
São 10h00 da
manhã. Passos Coelho anuncia que em 2016 os funcionários públicos vão receber a
totalidade do salário, porque assim determinou o Tribunal Constitucional. Duas
horas mais tarde, são 12h00, e o mesmo Passos Coelho anuncia que afinal em
2016, se for reeleito, os funcionários públicos já não vão receber a totalidade
do salário. O que vale é que Passos não voltou a falar às 14h00, senão ainda
deixava os trabalhadores do Estado sem um cêntimo.
O que fez Passos
Coelho mudar de ideias entre as 10h00 e as 12h00? Teimosia. Apesar de o Tribunal
Constitucional ter chumbado a possibilidade de mais cortes salariais depois de
2015, o primeiro-ministro diz que voltará a apresentar a mesma proposta, caso
seja reeleito. Einstein já dizia que a insanidade é continuar a fazer sempre a
mesma coisa e esperar que o resultado seja diferente. E Passos Coelho continua
a apresentar sempre as mesmas leis que são sistematicamente chumbadas pelos
juízes por violarem a Constituição.
Passos Coelho faz
lembrar aquela velha história de Needleman contada por Woody Allen. Conta Woody
que Needleman foi à ópera em Milão e, para ver melhor, inclinou-se sobre o
parapeito do camarote, escorregou e caiu desamparado lá para baixo, para dentro
do fosso da orquestra. Para não dar parte de fraco e evitar o ridículo, Needleman,
que era muito orgulhoso e teimoso, passou a frequentar a ópera todas as noites
e, de cada vez que lá ia, atirava-se para dentro do fosso de orquestra. Passos
Coelho vai ao Tribunal Constitucional assim como Needleman vai à ópera. E de cada vez que lá
vai recebe um chumbo. Mas isso não o inibe de lá voltar. E já são duas mãos
cheias de chumbos em apenas três anos de governação.
Ao insistir em
apresentar uma norma que já foi considerada inconstitucional, Passos Coelho
está claramente a afrontar o Tribunal Constitucional. E nem sequer foi uma
norma que chumbou resvés; foram dez dos 13 juízes que obrigaram o Governo a
repor a totalidade dos salários na função pública a partir de 2016.
É importante
nesta altura revisitar os argumentos que levaram os juízes a chumbar a norma,
invocando o princípio da igualdade. O tribunal até aceitou cortes em 2015 com o
seguinte argumento: “A pendência de um procedimento excessivo, que se segue a
um período de assistência financeira, ainda configura um quadro especialmente exigente,
de excepcionalidade, capaz de subtrair a imposição de reduções remuneratórias à
censura do princípio da igualdade." Mas, como em 2016 “vai acabar o
procedimento por défice excessivo”, os juízes consideraram então não haver uma
justificação para perpetuar os cortes até 2018 como queria (e pelos visto ainda
quer) o Governo.
Ao dizer que
pretende manter os cortes para além de 2015, Passos Coelho está a dizer que não
acredita que o défice ficará abaixo dos 3% e que Portugal abandonará o
procedimento dos défices excessivos. Caso contrário, não terá nenhum argumento
juridicamente válido para convencer os juízes do Tribunal Constitucional a dar
o dito por não dito e a aprovar em 2015 uma norma chumbada em 2014. E, mesmo
que o défice fique abaixo ou acima dos 3%, não se percebe a tentativa de
insistir numa medida temporária que nada tem de estrutural. Tirem mas é da
gaveta a reforma do Estado e deixem em paz os funcionários públicos, que já
pagaram o que tinham a pagar para ajudar a equilibrar as contas públicas.
Numa coisa é
preciso tirar o chapéu ao primeiro-ministro. Nunca tinha ouvido e visto um
primeiro-ministro partir para uma pré-campanha e fazer do corte de salários a
sua primeira promessa eleitoral. Uns dirão que é teimoso, outros dirão que é
coerente. Eu diria que é coerente e que se está a deixar levar pela teimosia.
O CDS e o PSD,
foi notório, foram apanhados desprevenidos. E terão começado a pensar que,
quando Passos Coelho disse “que se lixem as eleições”, queria mesmo dizer “que
se lixem as eleições”. Terão pensado que aquilo que Passos Coelho fez ontem foi
literalmente colocar numa bandeja 500 mil votos dos funcionários públicos e
entregá-los ao PS de António Costa. E sem que o PS mexesse uma palha. O vazio
de ideias do Partido Socialista no debate de ontem do Orçamento do Estado foi
confrangedor. E foi penoso ver Vieira da Silva ou Ferro Rodrigues a criticarem
os cortes de salários na função pública que, por alguma razão de que os
próprios não se lembrarão, ficaram conhecidos como os "cortes de
Sócrates". Os cortes que Passos quer prolongar até 2018 são os cortes que
José Sócrates inventou em 2010.
Paulo Portas,
depois de ouvir que Passos queria prolongar os cortes salariais, engoliu em
seco. E já teve de engolir um sapo quando Passos recusou baixar a sobretaxa em
2015. Ontem no Parlamento o discurso mais aplaudido do dia foi estranhamente o
de Ribeiro e Castro. A única vez na vida que Ribeiro e Castro foi tão aplaudido
foi quando ganhou o CDS a Telmo Correia. A questão é saber quantos sapos ainda
está Paulo Portas disposto a engolir.
Ferreira Leite desagradada com
"oportunismo político" de Ferro e Passos
LUCIANO ALVAREZ
30/10/2014 - PÚBLICO
Antiga presidente PSD lembra os tempos em que no PS lhe chamavam Cassandra
e em que no PSD a acusavam de "aselhice".
Manuela Ferreira
Leite não gostou de ser usada como arma política no debate desta quinta-feira
no Parlamento sobre o Orçamento do Estado para 2015.
A ex-líder do PSD
começou por ser citada por Ferro Rodrigues, líder parlamentar do PS, que disse
ao primeiro-ministro que devia ouvir Ferreira Leite. Passos respondeu,
lembrando os tempos em que antiga presidente social-democrata alertava para o
endividamento excessivo.
No seu habitual
comentário de quinta-feira no programa Política Mesmo da TVI24, Ferreira Leite
lamentou que o seu nome tivesse sido usado como arma política. “Se há coisa que
não suporto é oportunismo político. (…). E quando sou eu a usada como objecto
desse oportunismo político o incómodo é ainda maior. Esta evocação, e pedir ao
primeiro-ministro que oiça eu deixe ouvir o que eu digo é inaceitável”,
afirmou.
Manuela Ferreira
Leite lembrou então que durante três anos foi uma “feroz adversária do PS” e
não a ouviram.
“Se me tivessem
ouvido certamente que o país não estaria como está. Nesse tempo chamavam-me
Cassandra [personagem da mitologia grega, que alertou para a destruição de
Troia], considerando que eu era um arauto do pessimismo”, lembrou.
Mas Ferreira
Leite também tinha um “recado” para o PSD e para o primeiro-ministro, que
também usou o seu nome. “Também me recordo que no meu próprio partido aquilo
que eu dizia em alguns casos era considerado aselhice política, porque se
considerava que eu devia dizer o contrário. Por outro lado, nem sempre todo o
partido esteve de acordo comigo e em alguns casos esteve com PS. Não esqueço os
silêncios do meu partido e do partido da oposição”, salientou.
Ferreira leite
encerrou o tema afirmando que se “a política é só isto não vamos longe”.
PS com vista para a maioria
absoluta
Por Luís Rosa
publicado em 31
Out 2014 in
(Jornal) i online
António Costa não precisa de aliados – tem em Passos Coelho a maior
garantia de uma maioria absoluta recorde
Além do grande
falhanço nos cortes da despesa pública, há outra marca forte no governo de
Passos Coelho: a incapacidade quase autista de dar esperança aos portugueses. Obcecado
que sempre esteve em não promover falsas expectativas, por contraste com o
discurso perigosamente populista de José Sócrates, o primeiro-ministro
recusa-se a compreender que os eleitores precisam de ter um horizonte de
esperança, que os eleitores desesperam por saber quando aparecerá a luz ao
fundo do túnel.
Os três primeiros
anos de Passos Coelho foram marcados por uma atitude e discurso paternalista de
recriminação e culpa dos portugueses pela crise. Foi nessa altura que nasceram
os célebres conselhos aos jovens para emigrarem e saírem da sua área de
conforto, a censura por os portugueses serem demasiado “piegas” e pouco
exigentes e a denúncia da culpa colectiva na chamada da troika.
A um ano das
eleições, Passos tenta mudar o discurso e a atitude sem desistir totalmente da
marca da austeridade. Esquece-se momentaneamente do “que se lixem as eleições”
quando assegura cláusulas de salvaguarda no IRS para as famílias sem filhos ou
repõe poder de compra aos pensionistas, mas regressa ao seu ADN enquanto
primeiro-ministro quando recusa abandonar a sobretaxa que só existiria enquanto
a troika cá estivesse.
A variação entre
um discurso eleitoralista e uma atitude coerente com o seu discurso dos últimos
três anos acaba por confundir o próprio Passos Coelho. Ontem fez uma promessa
que durou pouco tempo:repor na íntegra os cortes realizados nos salários dos
funcionários públicos até aos 1500 euros, sendo esse um momento de “viragem na
recuperação dos rendimentos dos portugueses e do seu poder de compra”. Duas
horas depois garantia que a reversão salarial seria apenas de 20% em 2015,
sendo integral até 2018. Dito de outra forma: que os cortes nos salários dos
funcionários públicos durariam até 2018. Um regresso, portanto, ao seu ADN de
governante.
A 12 meses de
finalizar o seu mandato, é impossível vislumbrar no discurso de Passos Coelho
uma prova de que o país está melhor ou no caminho certo para ter um
desenvolvimento económico sustentado. A despesa pública, sem contar com o
investimento, pouco desceu. A dívida, ao contrário do prometido no programa da
troika e do governo em 2011, excede os 130% do PIB. A economia continua a ter
uma comportamento débil. O sistema de pensões e a organização do Estado
continuam por reformar. O desemprego desceu, é certo, mas com uma importante
ajuda do Estado.
Além do discurso,
a relação com o parceiro de coligação continua a deteriorar-se. Poucas são as
medidas estruturais do governo que não gerem uma guerrilha de informação e
contra-informação nas páginas dos jornais, não sendo ainda certa uma coligação
pré-eleitoral nas legislativas de 2015.
Com todo este
quadro, António Costa não precisa de estar no parlamento nem de propostas
concretas. Basta gerir bem as críticas, moderar as expectativas que cria e
esperar pela queda da maioria PSD e CDS. Não precisa de muita sorte para
conseguir governar sozinho em maioria absoluta em 2015 e superar o resultado
histórico de José Sócrates em 2005. Basta-lhe ficar
sentado e sossegado.
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