sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Passos foi à ópera e caiu no fosso da orquestra. Ferreira Leite desagradada com "oportunismo político" de Ferro e Passos. PS com vista para a maioria absoluta Por Luís Rosa.

“O CDS e o PSD, foi notório, foram apanhados desprevenidos. E terão começado a pensar que, quando Passos Coelho disse “que se lixem as eleições”, queria mesmo dizer “que se lixem as eleições”. Terão pensado que aquilo que Passos Coelho fez ontem foi literalmente colocar numa bandeja 500 mil votos dos funcionários públicos e entregá-los ao PS de António Costa. E sem que o PS mexesse uma palha. O vazio de ideias do Partido Socialista no debate de ontem do Orçamento do Estado foi confrangedor. E foi penoso ver Vieira da Silva ou Ferro Rodrigues a criticarem os cortes de salários na função pública que, por alguma razão de que os próprios não se lembrarão, ficaram conhecidos como os "cortes de Sócrates". Os cortes que Passos quer prolongar até 2018 são os cortes que José Sócrates inventou em 2010.”

Passos foi à ópera e caiu no fosso da orquestra
PEDRO SOUSA CARVALHO 31/10/2014 - PÚBLICO
Numa coisa é preciso tirar o chapéu a Passos Coelho: a sua primeira promessa eleitoral é cortar salários.


São 10h00 da manhã. Passos Coelho anuncia que em 2016 os funcionários públicos vão receber a totalidade do salário, porque assim determinou o Tribunal Constitucional. Duas horas mais tarde, são 12h00, e o mesmo Passos Coelho anuncia que afinal em 2016, se for reeleito, os funcionários públicos já não vão receber a totalidade do salário. O que vale é que Passos não voltou a falar às 14h00, senão ainda deixava os trabalhadores do Estado sem um cêntimo.

O que fez Passos Coelho mudar de ideias entre as 10h00 e as 12h00? Teimosia. Apesar de o Tribunal Constitucional ter chumbado a possibilidade de mais cortes salariais depois de 2015, o primeiro-ministro diz que voltará a apresentar a mesma proposta, caso seja reeleito. Einstein já dizia que a insanidade é continuar a fazer sempre a mesma coisa e esperar que o resultado seja diferente. E Passos Coelho continua a apresentar sempre as mesmas leis que são sistematicamente chumbadas pelos juízes por violarem a Constituição.

Passos Coelho faz lembrar aquela velha história de Needleman contada por Woody Allen. Conta Woody que Needleman foi à ópera em Milão e, para ver melhor, inclinou-se sobre o parapeito do camarote, escorregou e caiu desamparado lá para baixo, para dentro do fosso da orquestra. Para não dar parte de fraco e evitar o ridículo, Needleman, que era muito orgulhoso e teimoso, passou a frequentar a ópera todas as noites e, de cada vez que lá ia, atirava-se para dentro do fosso de orquestra. Passos Coelho vai ao Tribunal Constitucional assim como  Needleman vai à ópera. E de cada vez que lá vai recebe um chumbo. Mas isso não o inibe de lá voltar. E já são duas mãos cheias de chumbos em apenas três anos de governação.

Ao insistir em apresentar uma norma que já foi considerada inconstitucional, Passos Coelho está claramente a afrontar o Tribunal Constitucional. E nem sequer foi uma norma que chumbou resvés; foram dez dos 13 juízes que obrigaram o Governo a repor a totalidade dos salários na função pública a partir de 2016.

É importante nesta altura revisitar os argumentos que levaram os juízes a chumbar a norma, invocando o princípio da igualdade. O tribunal até aceitou cortes em 2015 com o seguinte argumento: “A pendência de um procedimento excessivo, que se segue a um período de assistência financeira, ainda configura um quadro especialmente exigente, de excepcionalidade, capaz de subtrair a imposição de reduções remuneratórias à censura do princípio da igualdade." Mas, como em 2016 “vai acabar o procedimento por défice excessivo”, os juízes consideraram então não haver uma justificação para perpetuar os cortes até 2018 como queria (e pelos visto ainda quer) o Governo.

Ao dizer que pretende manter os cortes para além de 2015, Passos Coelho está a dizer que não acredita que o défice ficará abaixo dos 3% e que Portugal abandonará o procedimento dos défices excessivos. Caso contrário, não terá nenhum argumento juridicamente válido para convencer os juízes do Tribunal Constitucional a dar o dito por não dito e a aprovar em 2015 uma norma chumbada em 2014. E, mesmo que o défice fique abaixo ou acima dos 3%, não se percebe a tentativa de insistir numa medida temporária que nada tem de estrutural. Tirem mas é da gaveta a reforma do Estado e deixem em paz os funcionários públicos, que já pagaram o que tinham a pagar para ajudar a equilibrar as contas públicas.

Numa coisa é preciso tirar o chapéu ao primeiro-ministro. Nunca tinha ouvido e visto um primeiro-ministro partir para uma pré-campanha e fazer do corte de salários a sua primeira promessa eleitoral. Uns dirão que é teimoso, outros dirão que é coerente. Eu diria que é coerente e que se está a deixar levar pela teimosia.

O CDS e o PSD, foi notório, foram apanhados desprevenidos. E terão começado a pensar que, quando Passos Coelho disse “que se lixem as eleições”, queria mesmo dizer “que se lixem as eleições”. Terão pensado que aquilo que Passos Coelho fez ontem foi literalmente colocar numa bandeja 500 mil votos dos funcionários públicos e entregá-los ao PS de António Costa. E sem que o PS mexesse uma palha. O vazio de ideias do Partido Socialista no debate de ontem do Orçamento do Estado foi confrangedor. E foi penoso ver Vieira da Silva ou Ferro Rodrigues a criticarem os cortes de salários na função pública que, por alguma razão de que os próprios não se lembrarão, ficaram conhecidos como os "cortes de Sócrates". Os cortes que Passos quer prolongar até 2018 são os cortes que José Sócrates inventou em 2010.

Paulo Portas, depois de ouvir que Passos queria prolongar os cortes salariais, engoliu em seco. E já teve de engolir um sapo quando Passos recusou baixar a sobretaxa em 2015. Ontem no Parlamento o discurso mais aplaudido do dia foi estranhamente o de Ribeiro e Castro. A única vez na vida que Ribeiro e Castro foi tão aplaudido foi quando ganhou o CDS a Telmo Correia. A questão é saber quantos sapos ainda está Paulo Portas disposto a engolir.



Ferreira Leite desagradada com "oportunismo político" de Ferro e Passos
LUCIANO ALVAREZ 30/10/2014 - PÚBLICO
Antiga presidente PSD lembra os tempos em que no PS lhe chamavam Cassandra e em que no PSD a acusavam de "aselhice".

Manuela Ferreira Leite não gostou de ser usada como arma política no debate desta quinta-feira no Parlamento sobre o Orçamento do Estado para 2015.

A ex-líder do PSD começou por ser citada por Ferro Rodrigues, líder parlamentar do PS, que disse ao primeiro-ministro que devia ouvir Ferreira Leite. Passos respondeu, lembrando os tempos em que antiga presidente social-democrata alertava para o endividamento excessivo.

No seu habitual comentário de quinta-feira no programa Política Mesmo da TVI24, Ferreira Leite lamentou que o seu nome tivesse sido usado como arma política. “Se há coisa que não suporto é oportunismo político. (…). E quando sou eu a usada como objecto desse oportunismo político o incómodo é ainda maior. Esta evocação, e pedir ao primeiro-ministro que oiça eu deixe ouvir o que eu digo é inaceitável”, afirmou.

Manuela Ferreira Leite lembrou então que durante três anos foi uma “feroz adversária do PS” e não a ouviram.

“Se me tivessem ouvido certamente que o país não estaria como está. Nesse tempo chamavam-me Cassandra [personagem da mitologia grega, que alertou para a destruição de Troia], considerando que eu era um arauto do pessimismo”, lembrou.

Mas Ferreira Leite também tinha um “recado” para o PSD e para o primeiro-ministro, que também usou o seu nome. “Também me recordo que no meu próprio partido aquilo que eu dizia em alguns casos era considerado aselhice política, porque se considerava que eu devia dizer o contrário. Por outro lado, nem sempre todo o partido esteve de acordo comigo e em alguns casos esteve com PS. Não esqueço os silêncios do meu partido e do partido da oposição”, salientou.


Ferreira leite encerrou o tema afirmando que se “a política é só isto não vamos longe”.

PS com vista para a maioria absoluta
Por Luís Rosa
publicado em 31 Out 2014 in (Jornal) i online
António Costa não precisa de aliados – tem em Passos Coelho a maior garantia de uma maioria absoluta recorde

Além do grande falhanço nos cortes da despesa pública, há outra marca forte no governo de Passos Coelho: a incapacidade quase autista de dar esperança aos portugueses. Obcecado que sempre esteve em não promover falsas expectativas, por contraste com o discurso perigosamente populista de José Sócrates, o primeiro-ministro recusa-se a compreender que os eleitores precisam de ter um horizonte de esperança, que os eleitores desesperam por saber quando aparecerá a luz ao fundo do túnel.

Os três primeiros anos de Passos Coelho foram marcados por uma atitude e discurso paternalista de recriminação e culpa dos portugueses pela crise. Foi nessa altura que nasceram os célebres conselhos aos jovens para emigrarem e saírem da sua área de conforto, a censura por os portugueses serem demasiado “piegas” e pouco exigentes e a denúncia da culpa colectiva na chamada da troika.
A um ano das eleições, Passos tenta mudar o discurso e a atitude sem desistir totalmente da marca da austeridade. Esquece-se momentaneamente do “que se lixem as eleições” quando assegura cláusulas de salvaguarda no IRS para as famílias sem filhos ou repõe poder de compra aos pensionistas, mas regressa ao seu ADN enquanto primeiro-ministro quando recusa abandonar a sobretaxa que só existiria enquanto a troika cá estivesse.

A variação entre um discurso eleitoralista e uma atitude coerente com o seu discurso dos últimos três anos acaba por confundir o próprio Passos Coelho. Ontem fez uma promessa que durou pouco tempo:repor na íntegra os cortes realizados nos salários dos funcionários públicos até aos 1500 euros, sendo esse um momento de “viragem na recuperação dos rendimentos dos portugueses e do seu poder de compra”. Duas horas depois garantia que a reversão salarial seria apenas de 20% em 2015, sendo integral até 2018. Dito de outra forma: que os cortes nos salários dos funcionários públicos durariam até 2018. Um regresso, portanto, ao seu ADN de governante.

A 12 meses de finalizar o seu mandato, é impossível vislumbrar no discurso de Passos Coelho uma prova de que o país está melhor ou no caminho certo para ter um desenvolvimento económico sustentado. A despesa pública, sem contar com o investimento, pouco desceu. A dívida, ao contrário do prometido no programa da troika e do governo em 2011, excede os 130% do PIB. A economia continua a ter uma comportamento débil. O sistema de pensões e a organização do Estado continuam por reformar. O desemprego desceu, é certo, mas com uma importante ajuda do Estado.
Além do discurso, a relação com o parceiro de coligação continua a deteriorar-se. Poucas são as medidas estruturais do governo que não gerem uma guerrilha de informação e contra-informação nas páginas dos jornais, não sendo ainda certa uma coligação pré-eleitoral nas legislativas de 2015.

Com todo este quadro, António Costa não precisa de estar no parlamento nem de propostas concretas. Basta gerir bem as críticas, moderar as expectativas que cria e esperar pela queda da maioria PSD e CDS. Não precisa de muita sorte para conseguir governar sozinho em maioria absoluta em 2015 e superar o resultado histórico de José Sócrates em 2005. Basta-lhe ficar sentado e sossegado.

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