OPINIÃO
Portas está a ser vítima de
bullying político
PEDRO SOUSA CARVALHO 24/10/2014 - PÚBLICO
O que está o CDS-PP a fazer no Governo para além de servir de muleta da
maioria no Parlamento?
O Governo de
Passos Coelho está a cair aos pedaços e já faz lembrar a pior fase do de
Santana Lopes, se é que alguma vez o Governo de Santana teve uma fase boa. As
trapalhadas sucedem-se a um ritmo assustador e é penoso (até para os próprios)
pensar que ainda faltam 12 meses para o fim da legislatura. Agora foi a vez de
Rui Machete falar de mais (nada a que já não estejamos habituados), tendo
supostamente revelado informações sigilosas sobre portugueses que estão no
Estado Islâmico.
Depois do crash
que fez um shut down na Justiça, dos erros de matemática de Nuno Crato que
lançaram o caos na colocação dos professores, ainda fomos presenteados com o
caso de um secretário de Estado da Educação que terá plagiado textos num aula
em que perorava sobre a “dimensão moral” da profissão docente. Mas este ao
menos teve a “dimensão moral” de se demitir. E lá para os lados do Terreiro do
Paço, está a ser preparada uma caricata reforma do IRS que terá uma cláusula de
salvaguarda que vai anular os efeitos da própria reforma. Os outros ministros,
aqueles que não estão a fazer asneiras, nem se dá por eles. Salvo raras
excepções, como a de Paulo Macedo, um dos poucos que ainda mostra alguma
competência e coerência.
Se o Governo está
a cair aos pedaços é também porque a coligação há muito que apodreceu. Esta
quarta-feira, Freitas do Amaral dizia na RTP que Passos Coelho não deveria
“maltratar” tanto o CDS. O que o Governo está a fazer ao CDS já não é maus
tratos, é um autêntico bullying político.
Nos últimos dias
o CDS e o PSD têm andado às turras por causa dos erros na colocação dos
professores. Um deputado do PSD já defendeu publicamente que o secretário de
Estado João Casanova deveria abandonar o Governo por ser responsável pelos
erros na colocação de professores. E do lado do CDS aponta-se o dedo à suposta
incompetência de Nuno Crato. Passos Coelho despiu entretanto a sua veste de
líder conciliador da coligação para dizer que Nuno Crato “nunca procurou lavar
as mãos”. Que é como quem diz que o secretário de Estado do CDS procurou
fazê-lo.
Mas com a
humilhação de Casanova o CDS pode bem. O problema é quando o próprio líder do
partido é humilhado. Foi o que aconteceu na reunião do Conselho de Ministros de
18 horas para decidir a descida da sobretaxa do IRS. Além de Paulo Portas não
ter conseguido a sua “moderação fiscal”, conta o Expresso que Passos escondeu a
solução do crédito fiscal do líder do CDS-PP. E que só depois da meia-noite,
depois de Portas ter levado horas a transpirar e a fazer contas para baixar em
um ponto a sobretaxa do IRS, é que o chefe do Governo e a sua ministra das
Finanças desvendaram a solução.
Dirão alguns, e
se calhar com razão, que o CDS se pôs a jeito para estar a ser vítima de
bullying. Mas isso então levanta a questão de saber o que é que os ministros do
CDS estão a fazer no Governo, além de naturalmente servirem de muleta no
Parlamento? Se não conseguem condicionar uma decisão que vale uns míseros 220
milhões de euros (0,26% do Orçamento), qual é a força e qual é o papel que têm
na coligação? Questionado sobre a aparente contradição entre o seu discurso de
“moderação fiscal” e a solução do crédito fiscal, Portas encolhe o ombro para
dizer: “Entre isto e nada, eu prefiro isto”, sustentou. Que é como quem diz,
entre um carolo e um estalo, se calhar até prefiro o carolo.
O problema de
fundo desta coligação é que, ao contrário do que acontecia com Durão Barroso,
Passos nunca olhou para Paulo Portas como o número dois. Se estiverem dois
ministros na sala, Portas é o número três. Se estiverem três ministros na sala,
Portas é o número quatro. E assim sucessivamente. E a desconfiança é recíproca.
Portas deve olhar para Passos como um alienígena neoliberal que acha que vai
ficar na história por ter tirado o país da bancarrota. E diz frases como “que
se lixem as eleições”, que provocam urticárias ao vice-primeiro-ministro.
Mas o CDS está
refém desta coligação e já deixou passar o tempo para romper. O timing era o da
demissão irrevogável, e esse já não volta atrás. Qual é a lógica de romper
agora com a linha da troika, depois de esta já ter feito todas as maldades que
havia para fazer? E qual é o discurso que que Portas faria numa campanha
eleitoral se concorresse contra o PSD? Eu queria…? Eu
gostaria…? Eu tentei…?
E se quisesse
romper a coligação por não ter conseguido baixar o IRS o que escreveria Portas
na sua carta de demissão? Que “a forma como, reiteradamente, as decisões são
tomadas no Governo torna, efectivamente, dispensável o meu contributo”? E que
“ficar no Governo seria um acto de dissimulação”? Não. Porque isso já ele
escreveu no Verão do ano passado quando se demitiu irrevogavelmente. Mas pelo
andar da coligação, pelo sim, pelo não, o melhor é que Portas tire algumas
fotocópias dessa carta de demissão. Um destes dias ainda lhe dará uso. E ele
até tem fama de tirar muitas fotocópias em finais de mandato.
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