OPINIÃO
O saneado Baptista-Bastos
JOÃO MIGUEL
TAVARES 30/10/2014 - PÚBLICO
Que Baptista-Bastos insista em arvorar-se em consciência moral do
jornalismo português, é problema meu. Não gosto. Não engulo. E regurgito.
Quando chega a
hora dos despedimentos nos jornais, há uma diferença profunda entre o homem
comum e Baptista-Bastos. O homem comum é dispensado. Baptista-Bastos é saneado.
Ao longo da sua invejável carreira de mais de seis décadas, em que passou
(palavras suas) “por todos os jornais nacionais”, a sua saída de dezenas e
dezenas de publicações só se verificou por um de dois motivos: ou porque teve
melhor proposta para o seu imparável génio, ou porque tentaram calar a sua
infatigável voz.
Em Junho deste
ano, o grupo Controlinveste avançou para o despedimento colectivo de 160
trabalhadores. Nessa leva, saíram do DN excelentes jornalistas, que teriam
lugar em qualquer redacção. Nenhum deles, ao que consta, foi saneado. O
primeiro e único saneamento ocorreu no início de Outubro, quando o novo
director do jornal, André Macedo, telefonou a Baptista-Bastos e anunciou que
prescindia dos seus serviços. Na verdade, não foi só dos serviços de
Baptista-Bastos que André Macedo prescindiu: também prescindiu de Celeste
Cardona, José Manuel Pureza ou Manuel Maria Carrilho. Mas esses foram
dispensados. Baptista-Bastos, não. Baptista-Bastos foi vítima de “um acto
absurdo, somente justificado pelas ascensões de novos poderes”. Até porque,
imaginem, as suas crónicas “chegaram a obter 15 mil visualizações [uau!],
dezenas de impressões e de envios”.
Vai daí, escreveu
um texto de despedida onde glorificava o anterior director, João Marcelino, por
ser “um jornalista com os princípios marcantes de outro tempo”. Incluindo-se
nesses magníficos princípios, claro está, o facto de o ter contratado. Eu
também trabalhei com João Marcelino, e tenho-o em boa consideração, só que
Baptista-Bastos esqueceu-se de abordar no seu colorido texto este pequeno
detalhe: foi sob a sua direcção que ocorreram dois despedimentos colectivos no
DN. E custa-me ver um homem que tem tantas, tão profundas e tão apregoadas
preocupações sociais manter-se muito caladinho quando dezenas de pessoas são
despedidas no jornal onde colabora, para depois rasgar as vestes e perorar
contra os “porta-vozes estipendiados” só porque desta vez lhe tocou a ele –
sendo que a mudança de colunistas, ao contrário do despedimento colectivo, é um
acto banal.
Mas esperem, que
a história não acaba aqui. Passadas escassas três semanas, eis que o imparável
génio de Baptista-Bastos e a sua infatigável voz surgem esta terça-feira a
animar as páginas do Correio da Manhã, precedidas de declarações com a modéstia
do costume: “É feio dizer isto, mas era um colunista muito lido. Tinha 20 mil
visualizações no site. Foi um saneamento típico.” Para além da súbita inflação
de 33% nas visualizações, há ainda lindas palavras para Octávio Ribeiro, seu
novo director, e para o CM.
E claro: na sua
estreia, o ex-silenciado B.B. escreve mais uma daquelas crónicas autocentradas
que ele tanto aprecia, onde os parágrafos mal conseguem andar, tal é o
engarrafamento de elogios à sua própria pessoa. Devo dizer que nada disto
importaria excessivamente, não fossem dois pecados capitais. Em primeiro lugar,
a inveja: em tempos, eu cheguei a ser dispensado do Correio da Manhã por
Octávio Ribeiro, e é triste não ter sido saneado só porque sou um tipo de
direita nascido em 1973. Em segundo lugar, a ira: que Baptista-Bastos seja
Baptista-Bastos, é problema dele. Que ele insista em arvorar-se em consciência
moral do jornalismo português, já é problema meu. Não
gosto. Não engulo. E regurgito
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