Ricos e bem-nascidos traem como
os outros
Por Luís Osório
publicado em 18
Out 2014 in
(jornal) i online
Afinal, também os lordes podem derrapar neste mundo coberto de novas
tentações
A ânsia de
acumular riqueza não se desvanece com o passar do tempo. Gente muito velha,
milionária, continua a acordar todos os dias com a obsessão de ganhar mais, de
acumular mais, de conquistar mais espaço e mais influência. Até ao fim, até ao
último momento de consciência, compram pérolas, barcos, casas, quadros, fatos,
diamantes. Qualquer coisa não bate certo. Porque mesmo sabendo que, no final do
jogo, como no Monopólio, o banco recolherá casas, hotéis, notas e peças, quem
tem quer sempre mais. Até à derradeira jogada, tentam fazer negócio e esconder
os dados, um cansaço.
É essa a sensação
que tenho ao ler o assombroso relato do último conselho superior do grupo
Espírito Santo, apenas sete dias antes do "nascimento" do Novo Banco.
Contra toda a lógica, num desespero misturado com incredulidade, alguns membros
da família ainda inventaram possibilidades de salvação - os nossos leitores são
os primeiros a saber que Ricardo Salgado os desmobilizou e decretou, ele
próprio, o fim de um império que dominou ou influenciou uma parte substancial
dos nossos últimos cem anos.
Honra seja feita
a Eduardo Catroga: ao contrário de outros, não deixa cair os amigos. É uma
qualidade que, neste caso, tem um preço a pagar. Ricardo Salgado é elogiado
enquanto gestor e o ex- -ministro das Finanças sublinha ainda a sua convicção
de que tudo acabará por se esclarecer em benefício do homem que, sabemo-lo
também hoje, a sua própria família renegou, mais do que três vezes, no dia em
que foi detido para prestar esclarecimentos.
É uma história
exemplar. De sangue e de genes. Todos eles nasceram já ricos. Quando viram a
luz e deram o primeiro grito já tinham estatuto e um futuro. A aristocracia
inglesa explica de um modo simples (ainda hoje o faz) qual o segredo para um
poder exercido com respeito pela democracia e pelos cidadãos. Os lordes têm de
ser bem-nascidos e ter independência económica assegurada. Com uma coisa e a
outra, são homens e mulheres livres. Nada poderá acontecer de mal, pois não
serão escravos da vaidade nem da necessidade. A definição já foi chão que deu
uvas. Afinal, também os lordes podem derrapar neste mundo coberto de novas
tentações. O jogo pode ser um vício, e quando a vida, ela própria, se torna um
jogo, pior é ainda.
De sangue e de
genes, escrevia. O que corre nas veias de Afonso Reis Cabral é o de Eça de
Queirós, seu trisavô. O jovem "herdeiro" venceu o prémio literário da
Leya e fê-lo com 24 anos. Deveras impressionante. Que saiba encontrar novas
estradas de Sintra é o nosso desejo. Uma estrada onde circulem apenas os que
escolheram a liberdade. Homens como o seu muito velho avô que, cá para nós,
chamaria um figo a esta história de farpas.
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