terça-feira, 28 de outubro de 2014

As primeiras vítimas do populismo, por Paulo Rangel.


OPINIÃO
As primeiras vítimas do populismo
PAULO RANGEL 28/10/2014 - PÚBLICO
O populismo é uma espécie de “terrorismo das ideias” e, portanto, só se combate com uma atitude firme e inabalável.

1. Na passada quinta-feira, vinha eu da sessão plenária do Parlamento Europeu em que se votou a comissão Juncker e, no pequeno aeroporto de Estrasburgo, deparei com um jornal perdido. Era um jornal local, alsaciano, e a bem dizer não tive sequer o cuidado de lhe reter a data. Vi apenas que tinha uma enorme foto e uma entrevista a condizer de Alain Juppé, o experimentado político francês, nome cimeiro do centro-direita e dado como um dos prováveis candidatos presidenciais nas eleições de 2017. No título, apresentado em letras garrafais, dizia o antigo Primeiro-Ministro e antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros gaulês que o Parlamento francês podia perfeitamente viver com duas vezes menos deputados do que os que tem actualmente. A mensagem era tão garrafal como os caracteres que a transmitiam: a culpa dos nossos problemas é (também) de termos políticos em excesso.

Por esses dias, ecoava também na imprensa internacional o libelo de David Cameron, primeiro-ministro inglês, contra a liberdade de circulação dos cidadãos europeus no espaço do Reino Unido. A liberdade de circulação, especialmente dos cidadãos mais pobres e dos trabalhadores sem qualificações, teria alegadamente como único fito aproveitar os benefícios sociais proporcionados pela generosa segurança social britânica. A liberdade de circulação – apesar de constituir um pilar indispensável do “mercado interno”, única realidade europeia supostamente acarinhada pelos britânicos – não passaria de um “facilitador” do chamado “turismo social”. O Reino Unido teria, por isso, de pôr cobro a essa fraude organizada.

2. O senhor Juppé que é ainda, e sem dúvida, uma das esperanças da França – e, em particular do seu centro-direita republicano, formado na escola de Giscard e de Chirac, sem qualquer contemporização com os entusiasmos da Frente Nacional – não vê outro remédio que não seja o de ir beber às mesmas fontes em que bebe o clã Le Pen e engrossar a hostilidade e a desconfiança em relação aos políticos e à classe política.

Já o senhor Cameron, por causa das suas funções, homem de mais e supinas responsabilidades, não vislumbra outra solução que não seja a de tentar rivalizar com os desmandos do UKIP e do seu perigosíssimo chefe, Nigel Farrage. Todo o mal advém dos imigrantes e, em especial, dos imigrantes provenientes do continente europeu – o que não deixa de pasmar num país orgulhosamente multicultural, com tanta imigração oriunda de todo o globo e, designadamente, das antigas colónias do Império britânico. Digamos que se junta a esta hostilidade ao imigrante um radicado preconceito anti-europeu.

3. Mesmo noutras paragens, e geralmente a propósito de assuntos mais benignos, os políticos dos denominados eixos da governabilidade, que oscilam entre o socialismo e a democracia-cristã ou o liberalismo e a ideologia verde, dão sinais, cada vez mais ostensivos e preocupantes, de ir moldando e adaptando o seu discurso a correntes radicais e populistas. Trata-se de uma matéria bem evidente na forma inadequada como se equaciona o papel dos parlamentos nacionais na construção europeia. Em vez de se pôr o foco no controlo que estes devem exercer sobre os respectivos Governos e o modo como estes últimos actuam e votam no Conselho, procura-se sistematicamente envolvê-los no controlo directo da Comissão Europeia e até do Parlamento Europeu. A cedência das correntes moderadas dos sistemas políticos a esta “europeização” dos parlamentos nacionais é cada vez mais “popular” e corresponde a uma exigência das correntes radicais e xenófobas.

A dita febre do “turismo social” já atingiu, aliás, a Alemanha, o Benelux e os países nórdicos. Muitas vezes esquecendo que a matéria de segurança social é competência própria dos Estados-membros e que, por isso, cada Governo – e não já Bruxelas – tem plena capacidade para configurar adequadamente os seus sistemas de benefícios sociais, sem com isso porem em crise a liberdade fundamental de circulação.

4. O que muitos políticos franceses e ingleses, com impecáveis pergaminhos de moderação e escrúpulo democrático, parecem não compreender é que, ao darem sinais patentes de cedência ao populismo, estão a transformar-se a si próprios nas primeiras vítimas do aludido populismo. É de facto espantoso verificar como David Cameron se deixa fazer de refém de Nigel Farrage, que, apesar de apreciado nas redes sociais (incluindo entre nós), é um dos políticos europeus com um discurso mais repelentemente xenófobo. Por mais que Cameron procure imitá-lo, com propostas demagógicas suaves ou “quanto baste”, nunca conseguirá ultrapassá-lo e, por conseguinte, não logrará ser tão atractivo e eficaz como ele junto do seu nicho eleitoral. Cameron bem pode correr atrás das bandeiras do UKIP, mas se insistir em lançar mão de um populismo “light” acabará por perder e por morrer às suas mãos.

5. O populismo é uma espécie de “terrorismo das ideias” e, portanto, só se combate com uma atitude firme e inabalável, sem cedências, sem recuos, sem tergiversações. Pode, num primeiro momento, por muitas razões, perder-se uma batalha contra os populistas, mas, a prazo, quem não ceder acabará por vencê-lo. Agora que, mesmo em Portugal, sopram, em doses apreciáveis, os ventos do populismo – do populismo fácil e difícil – é altura de todos os democratas cerrarem fileiras.

A democracia mediática ou “vídeo-democracia” é especialmente propícia e favorável à disseminação dos populismos, como se vê por essa Europa fora. O tempo é de saber dizer não, de não contemporizar, de não ser cúmplice, de não ficar sequestrado ou refém. É tempo de marcar as diferenças e de não alinhar pelo discurso mais fácil. É bem caso para dizer: contra os populismos, marchar, marchar.

SIM e NÃO

SIM. Dilma Rousseff. A pugna eleitoral foi muita dura, mas a candidata Presidente mostrou ter a resiliência para aguentar a pressão e levar a palma no final. Mesmo com menos votos, sai reforçada das eleições.


NÃO. António Costa. A forma frouxa e frustre com que tem tratado a questão das finanças públicas – dívida e défice – mostra que a sua linha política e eleitoral será a conhecida (mas equivoca e ambígua) linha do “nim”.

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