António Costa não ouviu a maior parte das críticas e foi acusado de autoritarismo |
PS faz “pirueta política” e vota
contra recomendação à câmara para levar estatutos da Emel à assembleia
INÊS BOAVENTURA
28/10/2014 - PÚBLICO
Sérgio Azevedo, do PSD, e João Pinheiro, do PS, envolveram-se numa acesa
troca de argumentos e ameaçaram mesmo resolver o diferendo fora da Assembleia
Municipal de Lisboa
“A maior pirueta
política de que há memória desde que se iniciou este mandato”. Foi assim que o
líder da bancada do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa classificou o facto
de o PS ter votado contra a recomendação à Câmara de Lisboa para que submetesse
àquele órgão a alteração de estatutos da Empresa Municipal de Mobilidade e
Estacionamento de Lisboa (Emel).
Uma “pirueta”
que, sublinhou Sérgio Azevedo, ocorreu depois de os deputados socialistas na
Comissão de Mobilidade terem votado a favor de um parecer que incluía aquela
recomendação. E também depois de o líder da bancada do PS, Rui Paulo
Figueiredo, ter apresentado nesse mesmo fórum uma “posição política”, na qual
defendia que a alteração de estatutos devia ser alvo de uma “dupla
deliberação”.
“Politicamente, dada a transformação
estrutural existente, não se entende a não submissão à assembleia municipal”,
sustentava o deputado socialista nesse documento, cujo conteúdo foi recordado
esta terça-feira por Sérgio Azevedo, que deixou no ar a ideia de que terá
havido “alguma pressão, por parte da câmara, provavelmente”.
A intervenção do
social-democrata não foi bem acolhida por João Pinheiro, o eleito socialista a
quem coube a missão de tentar justificar a mudança de posição do seu partido. Os
dois deputados chegaram aliás a levantar-se dos seus lugares, ameaçando
resolver o diferendo fora do edifício da assembleia, mas os ânimos acabaram por
acalmar-se.
“Os senhores
deputados estão muito nervosos. Não vejo razão para tal”, afirmou a dada altura
o vereador Duarte Cordeiro (PS). Já a presidente da assembleia municipal,
Helena Roseta acabou por brincar com a situação, depois de ter feito um apelo
aos deputados para que acompanhassem o debate “com a devida dignidade”: “Estão
a colocar a mesa sob um teste de stress e eu não sei se a mesa aguenta”, disse
Helena Roseta, arrancando gargalhadas da plateia.
Antes de os ânimos
se exaltarem, João Pinheiro justificou o facto de o PS votar contra a
recomendação dizendo que o seu partido considerava que “a convergência em
momentos críticos é fundamental”. O deputado desvalorizou a alteração de
estatutos da Emel, afirmando que “o que interessa mesmo” é “unir esforços” para
travar “uma privatização oculta” da Carris e do Metropolitano de Lisboa.
Apesar do voto
contra do PS, a recomendação à câmara foi aprovada, com a abstenção do
movimento Parque das Nações Por Nós e o voto favorável de todos os outros
eleitos, incluindo Helena Roseta. “Vou matutar no assunto e ver que mais
diligências devemos fazer para que esta recomendação chegue a bom porto”, disse
Helena Roseta, que está a ponderar pedir um parecer jurídico sobre o assunto à
Direcção-Geral das Autarquias Locais.
A decisão da
câmara de não submeter à assembleia a alteração de estatutos da Emel foi muito
criticada na reunião desta terça-feira. Victor Gonçalves falou em “desrespeito”
por este órgão e “desprezo total” pela sua vontade e garantiu que o PSD irá
“usar de todos os meios ao seu dispor” para inverter este processo.
Ana Páscoa, do
PCP, considerou a situação “muito grave” e Cláudia Madeira, d’Os Verdes
considerou que se está a tentar espoliar a assembleia das suas competências. Já
o BE, pela voz de Ricardo Robles, acusou António Costa de “privilegiar uma
eficácia interna sem discussão, fazendo um uso autoritário da sua maioria”.
As críticas
vieram também dos Cidadãos por Lisboa, que acusaram a câmara de ter perpetrado “uma
menorização de competências da assembleia municipal difícil de aceitar”. Miguel
Graça admitiu ter recebido com “surpresa e desacordo” a notícia de que a câmara
ia mesmo avançar com a alteração de estatutos da Emel sem ouvir “a casa da
cidadania”.
O presidente da
câmara abandonou a reunião antes do fim e não ouviu a maior parte do debate,
mas fez uma intervenção na qual afirmou não ter “a menor das dúvidas” sobre a
legalidade da decisão que tomou. “A câmara procura sempre respeitar a
assembleia”, disse ainda António Costa, frisando no entanto que “uma
recomendação, como o nome indica, é só uma recomendação”.
Todos unidos contra António Costa
HELENA PEREIRA
24/10/2014 /
OBSERVADOR
Reunião de câmara aprovou alteração aos estatutos que permitem à Emel ter
negócios em Angola ou concorrer à gestão da Carris e Metro. Oposição une-se
para suspender decisão.
O PSD, o
movimento Cidadãos por Lisboa e a restante oposição vai unir-se para tentar
travar a decisão da reunião de câmara, aprovada esta quarta-feira apenas pelos
vereadores do PS, de alterar os estatutos da EMEL – Empresa Municipal de
Estacionamento de Lisboa.
Em causa está uma
alteração que permitirá à EMEL ter negócios fora de Portugal (como Angola e
Cabo Verde) que a oposição entende que deve ser a assembleia municipal a
aprovar e não os vereadores.
Segundo apurou o
Observador, na reunião da assembleia municipal de terça-feira, a presidente
Helena Roseta (eleita pelo movimento Cidadãos por Lisboa) vai apresentar uma
proposta a reivindicar que seja este órgão a ter a palavra decisiva sobre os
estatutos da EMEL, que deverá ser apoiada por todos os partidos da oposição.
Roseta confirmou ao Observador que essa proposta será discutida na
segunda-feira com os vários partidos. “Vou tentar desampatar esta questão que
não é apenas uma questão de Lisboa”, afirmou, referindo-se às regras das
autarquias no relacionamento com as empresas municipais.
O movimento Cidadãos
por Lisboa equaciona pedir também um parecer à tutela, a secretaria de Estado
das Autarquias Locais, sobre a decisão tomada em reunião de câmara.
“A proposta da
presidente será muito oportuna. O que está em causa não é a EMEL nem a sua
gestão. O que está em causa é a violação do princípio da confiança que deve
existir entre os eleitores e os eleitos. Percebemos bem que António Costa não
gosta de ser escrutinado pelas suas decisões. Não podemos abdicar de escrutinar
a câmara e as suas empresas. Há algum problema nisso? António Costa não leva
este assunto à assembleia municipal por alguma razão em especial? Era
importante por uma questão de transparência e de confiança que reconsiderasse”,
afirmou ao Observador o líder da bancada social-democrata na assembleia
municipal, Sérgio Azevedo.
Para o CDS, “isto
são quase uns estatutos novos, dando que alarga tanto o âmbito da Emel”. João
Pereira Gonçalves considera que a discussão é tanto “jurídica como política”.
A decisão de
quarta-feira foi tomada depois de já ter havido um parecer subscrito por todas
as forças políticas representadas na Comissão de Mobilidade da Assembleia
Municipal de Lisboa a defender que a competência para aprovar tal alteração
pertencia exclusivamente à assembleia municipal.
A proposta
aprovada foi no sentido de “mandatar o representante do município de Lisboa na
assembleia geral da empresa [Manuel Salgado] para aprovar essa alteração” aos
estatutos que permitirá à empresa ter novos “projetos de internacionalização” e
poder vir a gerir os transportes públicos (motivo que suscita mais dúvidas por
parte do PSD).
Na prática esta
alteração permitirá à Câmara de Lisboa, através da Emel, concorrer à concessão
da operação da Carris e Metro, no concurso que o governo quer lançar ainda este
ano. Esta semana António Costa reafirmou a sua oposição à concessão a privados,
defendendo a gestão municipal dos transportes públicos.
Os vereadores do
PS muniram-se também de um parecer jurídico para defender a sua competência em
fazer esta alteração. Não foi possível obter esta sexta-feira mais
esclarecimentos da câmara.
Segundo o
Público, a votação desta proposta já tinha estado agendada por duas vezes, mas
acabou por ser adiada depois de vários vereadores da oposição e dos Cidadãos
por Lisboa (eleitos na lista do PS), terem manifestado dúvidas sobre a sua
legalidade e defendido que ela deveria também ser apreciada pela assembleia
municipal.
O autor do
parecer da Comissão de Mobilidade, o deputado municipal Fernando Nunes da
Silva, dos Cidadãos por Lisboa, afirmou esta semana ao Observador que a
interpretação de António Costa é “suis generis” e “viola a lei sobre
atribuições das autarquias locais e competência dos seus órgãos”.
Nunes da Silva
lembra ainda que em 2011, quando Costa não tinha maioria absoluta (só há um ano
conseguiu ter essa maioria absoluta), esta questão sobre a internacionalização
da Emel foi uma das condições que o movimento Cidadãos por Lisboa colocou para
celebrar acordo com o presidente de câmara. “Retirar o que foi negociado quando
não tinha maioria absoluta é altamente criticável e esta alteração de
comportamento não é bom sinal”, disse.
O deputado
municipal critica a expansão da EMEL para Angola ou Cabo Verde pelo facto de,
assim, uma empresa municipal de Lisboa, por exemplo, “passar a reger-se pelo
direito angolano”.
O parecer da
Comissão de Mobilidade diz que a “interpretação” de que a alteração de
estatutos de uma empresa municipal não tem de ser submetida à apreciação da
assembleia “contraria a prática existente no município de Lisboa e em inúmeros
outros municípios portugueses”.
Sem comentários:
Enviar um comentário