"Investidores estrangeiros
ficam de cabelos em pé com o que se passou no BES e na PT"
Com a PT na mira, o ministro da Economia foi duro: há uma cultura
empresarial dominada por gestores com "estatuto de inimputabilidade".
O que dizem os casos PT e BES da gestão em Portugal? Pais do Amaral, António
Nogueira Leite e outros gestores e especialistas respondem.
29-10-2014 16:15 por João Carlos Malta / Renascença.
De repente tudo
mudou. Aquilo que seis meses antes faria um analista político ou económico que
ousasse dizê-lo seguirem directos para um manicómio aconteceu. O BES ruiu como
um castelo de cartas, cascata a cascata tal como as empresas da família
Espírito Santo, e a PT é apenas uma sombra do gigante que sonhou dominar o
mercado lusófono. Estas hecatombes ficam umbilicalmente ligadas a Ricardo
Salgado, ex-Dono Disto Tudo, e Zeinal Bava, um ícone da nova geração
empresarial. Quando dois dos mais emblemáticos gestores em Portugal caem em
desgraça, o que é que isso quer dizer da qualidade da gestão no país?
A Renascença foi
à procura desta e de outras respostas junto de gestores e de elementos das
escolas de gestão para fazer um raio X à actividade e ao impacto que estes
casos têm para a credibilidade de quem gere as empresas no país.
Com o caso PT na
mira, o ministro da Economia, António Pires de Lima, denunciou uma cultura
empresarial dominada por gestores com "estatuto de inimputabilidade".
Miguel Pais do
Amaral, "chairman" da Prisa (o grupo espanhol que controla a TVI),
dono da Leya e accionista de outras tantas empresas, não tem dúvidas em separar
águas: há a gestão e há os casos de polícia.
"O que se
passou tanto no grupo GES como na PT não tem a ver nem com gestão, nem com
estratégia. Tem a ver com questões muito mais graves. Os tribunais dirão o que
acontecerá. Agora o regulador, o Banco de Portugal, foi claro: foi
fraude", afirma.
"Houve
incapacidade de funcionar dentro das leis [no caso da PT e do BES]. O que se
passou é de bradar aos céus. Agora, generalizar a outras empresas não faz
sentido", conclui.
Maddoff e a Justiça para evitar o clássico
"são todos iguais"
Numa época em que
Portugal necessita avidamente de investimento estrangeiro que impacto é que
estes casos têm lá fora? "Estou em contacto permanente com investidores
estrangeiros e todos com quem falo estão de cabelo em pé com o que se passou no
BES e na PT", revela Pais do Amaral.
"Curiosamente
estão muito mais de cabelos em pé os investidores internacionais do que os
comentadores nos órgãos de comunicação portugueses que parecem achar que as
coisas estão normais ou, pelo menos, não se chocam, nem se mostram
incrédulas", remata.
O gestor que está
na corrida à compra da TAP compara estes casos a Maddoff, nos Estados Unidos da
América, para dizer que o capitalismo necessita de uma justiça célere para
funcionar.
"Se os
tribunais demorarem dez anos a apurar responsabilidades, a opinião pública
portuguesa vai achar que todos os gestores portugueses são iguais",
evidencia.
"Muita gente da minha geração falhou no plano
moral"
Um homem que já
esteve na banca, com uma passagem curta pela Caixa Geral de Depósitos, e que é
agora professor no mestrado de Economia da Universidade Nova de Lisboa não tem
dúvidas que a "inimputabilidade" de que Pires de Lima falava não
merece contestação. Pelo menos dentro de um determinado clube.
"Até há
pouco tempo havia – e ainda agora há – pessoas que, pela condição social, pelo
passado, ou pela família a que pertencem, pensavam que estão acima da lei. É
algo de errado, algo que devemos combater", frisa António Nogueira Leite.
"Houve muita
gente na minha geração que falhou no plano moral. Demasiada gente,
parece-me", constata.
Nogueira Leite é
responsável na Nova pela cadeira de gestão corporativa e diz que não basta ter
um bom modelo de gestão: "É preciso que se tenha boas pessoas com os
instintos certos e os princípios correctos".
O professor olha
para os estudos internacionais sobre a qualidade de gestão e diz que não
colocam Portugal num patamar muito abonatória. "É um pouco irónico porque
Portugal tem boas escolas de gestão, tem gestores que funcionam bem em
ambientes muito competitivos internacionalmente e depois possui uma prática
doméstica que não compara bem com os melhores exemplos", constata.
Então o que se
passa? "Haverá aqui algo de cultural na forma com a sociedade portuguesa
está organizada e os compromissos que explicam por que é que pessoas capazes
cometem erros que principiantes não cometem", responde.
Foi a ética que falhou. Não a técnica
"A gestão em
Portugal é bastante boa". A frase é de Jorge Armindo, administrador da
Amorim Turismo. Não confunde casos com o caso no todo.
"Foi a
questão de ética e de valores que falhou. Acho que do ponto de vista da
eficiência técnica temos gestores bem preparados e as universidades
preparam-nos bem. Às vezes, acontecem alguns percalços que têm muito mais a ver
com as atitudes do que com a qualidade das pessoas", sintetiza.
Sobre algumas
vozes que se levantam pedindo mais facilidades para despedir gestores que
revelem incompetência reiterada sem ter de pagar indeminizações milionárias,
confessa-se céptico.
"Como
princípio concordo, mas há casos e casos. Os accionistas devem ter a
possibilidade de cortar o vínculo com os gestores sem terem de estar a
segurá-lo até ao fim do mandato. Mas isso existe em todo o mundo é uma prática
generalizada".
Isto não foi Portugal
Pinto de Sousa é
administrador da Ibersol. Este nome pode não dizer muito, mas se falarmos do
KFC, da Pizza Hut ou do Burger King toda a gente sabe do que estamos a falar. Ele
controla a presença destas marcas em Portugal.
Para este gestor,
felizmente para o país, casos como o do BES e da PT "são anormais".
"A
generalidade do tecido empresarial é de gente que leva Portugal para a frente. Temos
boas empresas e profissionalizadas", argumenta.
Em relação ao que
se passou nos últimos meses, diz ser "difícil explicar este colapso".
"Se alguém me dissesse isto há dois anos, dizia que era maluco",
adianta.
Acima das regras
Nova incursão
pelo mundo académico. Desta vez para ouvir o presidente da Porto Business
School, Nuno Sousa Pereira, que vai defender a dama. "Esses casos não têm
de ser representativos de qual é a qualidade da gestão em Portugal",
indica.
Aponta baterias à
falta de intervenção dos reguladores. Afirma depois que há um conjunto de
instituições que têm um poder excessivo em Portugal. "Seja ele poder de
monopólio, seja de notoriedade. Têm a capacidade de achar que estão acima de
qualquer regra e de qualquer lei. Isto tem a ver com a sociedade e a forma como
esta quer punir quem prevarica", regista.
Em relação ao
futuro, e ao tipo de gestores que se estão a sair das escolas, Sousa Pereira
diz que na Porto Business School procura "formar pessoas com uma visão
integrada da sociedade" que "percebam que a sua influência não se
limita aquilo que são os interesses directos da instituição". "O
lucro não pode estar sempre no topo das prioridades", justifica.
A experiência diz
a este responsável que "há uma nova geração que tem um conjunto de
prioridades que estão alinhadas com o que deve ser um gestor moderno". "Têm
uma visão muito mais holística. Têm mais mundo. As pessoas perceberam também
que quem tem comportamentos menos próprios é identificado. Há maiores
preocupações de transparência".
"Gestores da
PME fazem Portugal andar"
Representante
dessa nova geração de gestores é Miguel Pina Martins. Tudo começou na faculdade
e está a ganhar vida em muitos mercados pelo mundo fora. Este jovem criou a
Science4you, empresa de jogos científicos para crianças.
O gestor rejeita
que a política tenha agora muito peso e poder na relação com as empresas, muito
menos em relação às novas. E diz que hoje é cada vez mais difícil identificar
um banco que seja o "do regime" ou empresas que sejam dominadas pelo
Estado.
Em relação à
impunidade, como cultura dominante dos gestores, rejeita categoricamente. "Numa
geração mais antiga pode haver algum desse sentimento, mas agora na
generalidade há consciência de que se fizermos mal vamos à barra da
justiça", resume.
Pensa que nos
gestores do nível de Salgado ou Zeinal poderia haver quem se sentisse acima de
tudo e de todos, mas marca uma linha vermelha com o tecido empresarial das
pequenas e médias empresas. "São os gestores da PME que fazem Portugal
andar. E esses têm de fazer avais pessoais para conseguirem ter acesso ao
crédito. E se houver um erro, os gestores ficam com o futuro hipotecado. Esse é o meu caso", resume Miguel Pina Martins.
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