Dar Carris e metro a um privado
seria “uma tragédia”, diz director da CML
O coordenador da equipa designada por António Costa para estudar o dossier
admite que assumir a gestão das transportadoras poderá não trazer prejuízos
para a câmara ou custar “alguns milhões por ano”
Inês Boaventura /
1-11-2014 / PÚBLICO
“Queremos ter a gestão das empresas e não estar indexados a um serviço
pré-definido”, diz Tiago Farias, frisando que “o modelo” que poderá ser levado
a concurso “não interessa” à Câmara de Lisboa
Será “uma
tragédia”, se o Governo avançar com a concessão a privados da Carris e do
Metropolitano de Lisboa, preterindo a proposta que lhe foi feita pela Câmara de
Lisboa para assumir a gestão das transportadoras. Esta é a convicção do
director municipal de Mobilidade e Transportes, que acredita que só a autarquia
está em condições de oferecer “um produto flexível, que se molde à cidade do
futuro”.
O dirigente
municipal falava numa reunião conjunta das comissões de Mobilidade e de
Ambiente e Qualidade de Vida da Assembleia Municipal de Lisboa, à qual foi
chamado, a pedido dos deputados do PSD, para prestar esclarecimentos sobre o
“decurso das reuniões que tem estado a realizar com os representantes da
Secretaria de Estado dos Transportes com vista a uma possível transferência
para a Câmara de Lisboa da gestão da rede da Carris e Metro de Lisboa”.
Nessa audição,
Tiago Farias explicou que foi ele quem coordenou a equipa técnica designada
pelo presidente do município para “avaliar e questionar os números” relativos
às transportadoras divulgados pelo Governo e para se pronunciar sobre “o valor
do negócio da concessão”. Segundo disse, essa equipa desenvolveu um conjunto de
“estudos económicos, para períodos de sete a dez anos”, com os quais procurou
determinar “qual seria o risco económico e financeiro para Lisboa de tomar
posse da gestão e exploração daquelas empresas”.
O director
municipal adiantou que esse trabalho, que destacou ter tido apenas “uma parte
técnica e jurídica, e não política” e não ter envolvido qualquer contacto com o
secretário de Estado dos Transportes, “terminou em Setembro”. “Foi um diálogo
muito correcto e muito fluido”, avaliou.
Depois disso,
disse Tiago Farias, os resultados a que se chegou foram transmitidos ao
presidente da câmara, António Costa, que “anunciou que tem interesse em
continuar as negociações e em gerir as empresas, dependendo de algumas
variáveis”. Agora, rematou o director municipal de Mobilidade e Transportes, é
tempo de o Governo tomar uma decisão.
“Se o Governo
cumprir o que tem dito, para tristeza minha, vai lançar um concurso. E se fizer
isso é uma tragédia”, afirmou o engenheiro, que antes de assumir funções na câmara
era vogal do conselho de administração da Empresa Municipal de Mobilidade e
Estacionamento de Lisboa.
Essa sua
convicção, justificou, assenta na ideia de que o “modelo” que os privados
poderão via a desenvolver é muito diferente daquele que o município se propõe
concretizar, e que em seu entender é o único que permite oferecer “um produto
flexível, que se molde à cidade do futuro”. De acordo com Tiago Farias, se
avançar o concurso, quem o ganhar ficará obrigado a cumprir “um produto
pré-definido”, com determinados percursos e horários, recebendo em troca “um
fee”, uma renda de concessão.
“A cidade de
Lisboa disse que esse modelo não lhe interessa. Queremos ter a gestão das
empresas e não estar indexados a um serviço pré-definido”, explicou. De acordo
com o dirigente municipal, a proposta da autarquia implica que seja ela “a
definir tarifários e redes” e “a assumir os impactos, os proveitos e os gastos
operacionais”. Algo que, admitiu, tanto poderá traduzir-se, consoante os
cenários traçados, “em não haver prejuízo” ou em ele existir e ser de “alguns
milhões por ano”.
Durante esta
reunião das comissões da assembleia municipal, o líder da bancada do PSD
sublinhou a importância de os riscos destes processos serem “analisados com
maior rigor”. Entre esses riscos, Sérgio Azevedo destacou a necessidade que
haverá, tanto na Carris como no Metropolitano de Lisboa, de investir em
material circulante.
“A câmara tem
condições financeiras para assumir esse investimento, que necessariamente vai
ter de ser feito?”, perguntou o deputado social-democrata, lembrando que
nenhuma daquelas transportadoras o faz “há bastantes anos”.
“Isso eu não
posso responder”, reagiu Tiago Farias, frisando que aquilo que compete a uma
equipa técnica como aquela que coordenou é “mostrar a um decisor onde estão os
riscos”. Seja como for, o director municipal aproveitou a deixa para dizer que
“tem de se ter cuidado” quando se diz que as contas daquelas empresas estão
“equilibradas”, nomeadamente devido à já mencionada questão do material circulante.
Essa ideia foi
também defendida pelo líder da bancada do PS, segundo o qual aquilo que existe
é “um equilíbrio precário”. Conseguido, afirmou Rui Paulo Figueiredo, “à custa
de uma paralisação quase total de investimento, da degradação da manutenção, da
saída de funcionários, de um aumento brutal de preços e de cortes nas carreiras
e nos horários”.
Já o
social-democrata Sérgio Azevedo chamou a atenção para um outro factor que a
câmara não pode deixar de pesar: o da massa salarial das transportadoras, até
atendendo à “disparidade” entre os vencimentos dos seus trabalhadores,
“especialmente os do metro”, e os dos funcionários da câmara e das empresas
municipais. De novo ficou sem resposta a sua pergunta sobre se a câmara terá
“condições para suportar” esses custos.
Sobre isso Tiago
Farias disse apenas que a questão dos recursos humanos é “muito, muito
delicada” e que “o modelo de downsizing” que foi apresentado pelo município
prevê “basicamente acompanhar as reformas e saídas naturais das pessoas”. Uma
opção que em seu entender contrasta com aquela que tomaria um privado, que se
apressaria a ver “quantas pessoas são precisas” e quantas poderia dispensar.
Já o PCP, através
da deputada Ana Páscoa, lembrou que a Carris e o Metropolitano de Lisboa não
operam exclusivamente na capital e perguntou se “será igualmente bom” para os
municípios vizinhos a Câmara de Lisboa vir a assumir a sua gestão. “Essa
pergunta é puxada”, respondeu Tiago Farias, que acabou depois por dizer que
aquelas empresas só “tocam marginalmente, pontualmente” noutros concelhos.
Há uma semana o
secretário de Estado dos Transportes disse, em entrevista ao Diário Económico,
que o concurso que António Costa não deseja é mesmo para avançar. “A protecção
que temos de fazer do dinheiro dos contribuintes não nos permitiria fazer o
acordo directamente [com as câmaras]. Precisamos de saber qual é a melhor
proposta”, afirmou Sérgio Monteiro.
Em Julho, quando
o Conselho de Ministros deu luz verde ao lançamento das concessões da STCP e do
Metro do Porto, o ministro da Economia adiantou que o concurso público
referente a Lisboa devia ser lançado daí a dois meses.
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