sábado, 22 de novembro de 2014

Subvenções vitalícias e discussões efémeras. Governo foi derrotado pela revolta nas bancadas do PSD e do PS

EDITORIAL
Subvenções vitalícias e discussões efémeras
DIRECÇÃO EDITORIAL 21/11/2014 - PÚBLICO
PS e PSD não conseguiram esconder o embaraço do avanço e recuo na lei das subvenções.

Ao insólito do caso juntou-se o extremar de posições por parte dos deputados. A proposta de alteração à lei das subvenções foi aprovada na quinta-feira com os votos favoráveis do PS e PSD e regressou esta sexta-feira ao debate na especialidade no Parlamento por iniciativa do Bloco de Esquerda. A surpresa aconteceu quando os próprios defensores e proponentes da alteração à lei (Couto dos Santos do PSD e José Lello do PS) decidiram retirar a proposta, com um frase lapidar: “Em nome do bom senso, os proponentes da proposta pedem que seja retirada”. Seguiu-se uma salva de palmas sobretudo da bancada do PSD (que no dia anterior tinha aprovado a proposta) e começou então uma troca de argumentos e acusações entre os vários partidos, numa espécie de fuga para frente para tentar disfarçar o embaraço de no dia anterior terem dado luz verde à mesma proposta.

As subvenções políticas terminaram em 2005 com o Governo de José Sócrates, mas os deputados que nessa altura já tivessem 12 anos de funções mantiveram esse benefício. E foi já com Passos Coelho que se decidiu colocar um travão adicional às pensões vitalícias, tendo os deputados com um rendimento superior a dois mil euros (excluindo a subvenção) perdido temporariamente o direito a essa prestação. A polémica proposta de lei apresentada por Couto dos Santos e José Lello para alterar o Orçamento do Estado previa a reposição desse benefício, sendo que as subvenções ficavam apenas sujeitas a uma taxa de 15% na parte que excedesse os dois mil euros.

A proposta que gerou tanta polémica tinha um problema de timing e outra de conteúdo. Numa altura em que a generalidade dos portugueses continua sujeita a medidas de austeridade extraordinárias seria pouco ético, e pouco justo, repor as subvenções dos políticos que foram cortadas precisamente porque o país estava a viver (e ainda vive) tempos de sacrifícios.

Em termos de substância, o problema da proposta de lei 524-C é que justificava a reposição dos cortes com o argumento de que o tecto imposto às subvenções vitalícias feria a Constituição da República. Quando os deputados têm dúvidas sobre a legalidade de uma lei não devem limitar-se a revogar essa lei. Devem tão-só enviar a lei para quem de direito, o Tribunal Constitucional, para aferir da sua constitucionalidade. Bastam 23 deputados para fazer um pedido de fiscalização sucessiva junto do TC, um número que nem o PS, nem o PSD teriam grandes dificuldades em arregimentar.

Esta sexta-feira Isabel Moreira, do PS, veio admitir precisamente, com alguma indignação pelo meio, poder suscitar a inconstitucionalidade da suspensão das subvenções vitalícias. Isso é o que PS e PSD deveriam ter feito logo de início. Aliás, se tivessem dúvidas já o deveriam ter feito em Janeiro quando o Orçamento de 2014 entrou em vigor. Por que é que só agora é que se lembraram? O que fica é a sensação de que os deputados dos dois maiores partidos não quiseram assumir politicamente o ónus de uma decisão pouco popular, procurando ao invés argumentos com validade jurídica duvidosa para repor um benefício que por alguma razão foi extinto desde 2005.

Governo foi derrotado pela revolta nas bancadas do PSD e do PS
Marques Guedes deu indicações ao PSD para aprovar proposta de reposição das subvenções vitalícias, que reflecte intenção dos sociais-democratas do executivo. CDS esteve sempre contra

A tensão foi subindo de tom ao longo da tarde e da noite de quinta-feira. Muitos presidentes de distritais do PSD ameaçaram indicar aos deputados para votar contra a proposta e avisaram Passos Coelho dessa intenção

Nuno Sá Lourenço e Sofia Rodrigues / 22-11-2014 / PÚBLICO

A proposta de reposição das subvenções vitalícias dos políticos veio do próprio Governo, que defendeu a necessidade de alterar este quadro legal em resultado do acórdão do Tribunal Constitucional na parte relativa às pensões de reforma, apurou o PÚBLICO.
Paulo Portas esteve contra esta alteração, que acabou por entrar no Parlamento por via de dois deputados do PSD e do PS, pertencentes ao conselho de administração da Assembleia. Foi neste cenário que o ministro da Presidência, Luís Marques Guedes, deu indicações ao grupo parlamentar do PSD para manter a votação prevista e aprovar, logo na quinta-feira, na especialidade, a proposta. Nas bancadas do PSD e do PS, os deputados ameaçaram revoltar-se e votar contra, o que levou à retirada da proposta.
Caso não houvesse um recuo, o CDS preparava-se para pedir publicamente a retirada, depois de ter optado pela abstenção na especialidade. Portas manteve uma divergência sobre esta reposição no seio do Governo e defendeu que faz sentido manter a condição de recursos aplicada aos políticos que beneficiam desta pensão. “Há um erro na substância e afectaria a credibilidade do Orçamento”, disse ao PÚBLICO uma fonte próxima do vice-primeiro-ministro.
A indicação de Marques Guedes para votar foi dada na quinta-feira, depois de o líder da bancada do PSD, Luís Montenegro, ter pretendido adiar a votação da proposta de alteração ao Orçamento do Estado subscrita por Couto dos Santos (PSD) e José Lello (PS), perante o incómodo que estava a gerar internamente. Até por vontade do PS, a proposta foi mesmo votada na especialidade.
Nesse momento, a bancada do PSD esvaziou-se de repente, tendo ficado apenas os deputados da comissão que estavam a seguir as votações, proposta a proposta. Era um sinal de que havia desconforto. A tensão foi subindo de tom ao longo da tarde e da noite de quinta-feira. Muitos presidentes de distritais do PSD ameaçaram indicar aos deputados para votarem contra a proposta e avisaram Passos Coelho dessa intenção. Caso não fosse retirada, o plenário poderia ter assistido à primeira revolta pública da bancada do PSD, nesta legislatura, contra uma proposta que tinha a bênção do Governo.
No PS, o sentimento não era diferente. Alguns deputados reconheceram ao PÚBLICO terem sido bombardeados com reacções negativas, provenientes da “estrutura interna” do PS. “Chamar àquilo um erro é pouco. A malta estava passada”, admitiu um parlamentar que precisou que o desconforto ia mais fundo do que a bancada. “Era mesmo o PS, o partido”, afirmou, antes de falar em dezenas de mensagens recebidas em menos de dois dias.
Essas démarches foram confirmadas por outros deputados do PS. Qualquer um destes solicitou recato da sua identidade para evitar a “descortesia” de assumirem uma crítica directa aos proponentes do fim da suspensão. E também por sentirem o “desconforto” de verem a bancada em maus lençóis, como, aliás, se tornou visível quando o deputado socialista responsável pela coordenação do debate orçamental, Vieira da Silva, teve de vir a público contestar a ideia de recuo.
“Sempre dissemos que esta questão não era uma prioridade do debate orçamental para o PS. Mas, ao contrário de outro partido [o PSD], também não fiz nenhum salto mortal para fingir que não dissemos, como dissemos, que não levantaríamos obstáculos a essa proposta”, sustentou Vieira da Silva depois do encerramento dos trabalhos.
Exemplo desse desconforto foi a reacção da JS/Porto. Aquela organização assumiu, em comunicado, que repudiou “de forma veemente” a possibilidade da reposição, classificando-a como “incompreensível” e “perfeitamente absurda”.
Ao que o PÚBLICO apurou, chegaram queixas ao executivo de que alguns ex-políticos menos mediáticos estavam a viver dificuldades, já que, se o rendimento do agregado familiar superasse os dois mil euros, perdiam o direito à subvenção. Mas se a proposta fosse aprovada, todos os antigos políticos seriam beneficiados, independentemente dos seus rendimentos. O PÚBLICO pediu à Caixa Geral de Aposentações informações sobre quem beneficia da subvenção vitalícia, mas não obteve resposta.
Fonte da bancada da maioria lembra que a reposição das subvenções seria feita com um corte acumulado de 30%. Mas perante o risco de uma revolta interna e o alarido mediático em torno da reposição das subvenções, Luís Montenegro pediu ontem de manhã a Couto dos Santos para retirar a proposta, o que foi aceite pelo deputado. E depois comunicou a decisão ao líder da bancada do PS, Ferro Rodrigues.
Depois do anúncio do recuo, em plenário, Luís Montenegro veio dizer que “a vontade política dos deputados da bancada não era aprovar esta proposta” e que a votação na especialidade também “não reflectiu” essa vontade. Na bancada do PS, Vieira da Silva defendeu a solução, mas disse que não era a “prioridade” do partido.
Pelo CDS, o líder do grupo parlamentar, Nuno Magalhães, assinalou o seu distanciamento, dizendo que o partido “não assinou, não votou” e que “sempre teve noção de que não é altura para reposições”.
A oposição aproveitou para lançar duras críticas. Mariana Mortágua, do BE, disse ser “uma vergonha” a votação que aconteceu na véspera. O líder da bancada comunista reiterou ser contra as subvenções e defendeu a sua revogação total.
As versões sobre o papel de Passos Coelho na gestão deste caso divergem. Segundo algumas fontes sociais-democratas, o seu papel foi determinante para travar a proposta. Já outras apontam que terá sido apenas informado do recuo pelo
líder parlamentar. O certo é que a questão gerou tensão interna, mesmo na cúpula.
Carlos Carreiras, vice-presidente do PSD, insurgiu-se fortemente contra a reposição das subvenções no Facebook. Depois do recuo, o autarca deu um sinal de que Passos Coelho estava também em desacordo. “Não posso deixar de partilhar o quanto me sinto privilegiado de ser um apoiante incondicional de Pedro Passos Coelho e o orgulho em que seja presidente do PSD e primeiroministro”, escreveu, em associação com uma notícia que informava da retirada da proposta.


Do lado do PS, os contactos junto de António Costa deram eco do distanciamento do futuro líder socialista. Perante o pedido de esclarecimento do PÚBLICO, a resposta recebida foi categórica: “António Costa não teve interferência.” E foi rejeitada a ideia de que as lideranças dos dois principais partidos tivessem discutido o assunto.

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