Carmona ilibado de crime no
Parque Mayer mas MP tenciona recorrer
Juízes confirmam irregularidades no “andamento vertiginoso” do processo de
loteamento dos terrenos da antiga Feira Popular. Câmara de Lisboa navegava “em
águas pouco rigorosas e pouco competentes”
Carmona Rodrigues e dois antigos vereadores seus na Câmara de Lisboa foram
ontem ilibados pela segunda vez em tribunal de terem cometido um crime no
negócio da permuta da Feira Popular com o Parque Mayer, para favorecerem o
grupo privado Bragaparques.
Ana Henriques /
28-10-2014 / PÚBLICO
Nove anos
passados sobre os factos que levaram à sua saída forçada da Câmara de Lisboa a
meio do mandato para que tinha sido eleito, abrindo assim as portas à vitória
do PS de António Costa, o caso não deverá, porém, ficar por aqui. O PÚBLICO
apurou que, embora ainda não haja uma posição oficial nesse sentido, o
Ministério Público tenciona recorrer da decisão dos juízes da comarca de
Lisboa, que confirmaram a existência de várias irregularidades no processo, mas
nenhuma delas susceptível de determinar a condenação num processo-crime do
género deste. Nas alegações finais, o Ministério Público tinha pedido a
condenação dos envolvidos a penas suspensas, desde que pagassem à Câmara de
Lisboa um total de 4,25 milhões de euros.
No retrato dos
acontecimentos feito na sentença, a pressa que a Câmara de Lisboa tinha em
concluir o negócio, motivada por questões financeiras, mas acima de tudo
políticas — revitalizar o antigo recinto do teatro de revista a tempo de dali
tirar dividendos nas eleições autárquicas seguintes —, justificou por exemplo o
“andamento vertiginoso” de que beneficiou nos Paços do Concelho o processo de
loteamento dos terrenos de Entrecampos. Uma irregularidade que “pode ser
passível de censura no seio administrativo, mas fica aquém da responsabilidade
criminal”. Segundo os juízes, o patrão da Bragaparques, que tinha como principal
objectivo “lucrar, e muito, com as operações comerciais” que realizava,
percebeu desde cedo que a sorte lhe sorria: “Estava numa posição de força,
tinha aquilo que o município queria [o Parque Mayer] e podia fazer-se valer
disso”. Já o município “estava destituído de qualquer poder sobre a
Bragaparques” na negociação. Pior ainda, navegava “em águas pouco rigorosas,
pouco competentes e eficazes”.
Quando discutiam
a permuta de terrenos na câmara e na assembleia municipal, os responsáveis
políticos faziam-no à medida das suas limitações: “As questões técnicas nunca
eram abordadas com rigor, por falta de conhecimentos específicos”.
É perante este
cenário, em que os arguidos fizeram “algumas cedências” ao grupo de Braga, que
os juízes concluem não existirem provas de que Carmona, Fontão de Carvalho,
Eduarda Napoleão e três outros arguidos tenham actuado em benefício próprio ou
daquela entidade privada. Cai assim, no caso dos antigos autarcas, a acusação
de que eram alvo, de prevaricação de titular de cargo político. Quase todas as
suspeitas terão assentado num conjunto de “impressões, convicções não
sustentadas, boatos e rumores”, que contribuíram para delinear “um frágil
desenho da realidade”. Nas situações mais dúbias, os juízes aplicaram o
princípio segundo o qual devem absolver os réus em caso de dúvida.
Não se provou que
o município tenha ficado prejudicado nos valores da permuta e da venda em hasta
pública dos terrenos da Feira Popular que sobraram dessa permuta. E mesmo
quanto à violação das regras urbanísticas, que o Ministério Público dava como
certa, o tribunal considerou discutível que tenha acontecido: “Existem inúmeros
argumentos nos dois sentidos”, por serem possíveis diversas soluções jurídicas.
No fundo,
descrevem os juízes, “é a diferença entre aceitar uma prática ilegal ou apenas
uma interpretação mais permissiva das normas, afastando-se de uma leitura mais
restritiva e proibitiva, de forma a assegurar um fim rápido para um processo
que se queria célere”. O acórdão refere que as opções urbanísticas são
frequentemente objecto de discordância — seja pelo volume de construção em
determinada área, seja pela sobrecarga de tráfego. Mas essas são escolhas
políticas, não sindicáveis pelo tribunal.
À saída do
tribunal, Carmona Rodrigues fez questão de dizer que não abandonou a câmara. Foi
pressionado para sair dela em 2007 por Marques Mendes, então líder do PSD,
depois de ter sido constituído arguido. “Houve um grupo de pessoas que fez cair
a câmara”, declarou o antigo presidente da câmara aos jornalistas à saída do
tribunal, numa referência aos vereadores do PSD que se foram demitindo, uns a
seguir aos outros, até deixar de haver condições legais de funcionamento. Contactado
pelo PÚBLICO, Marques Mendes escusou-se a comentar a decisão dos juízes.
Feroz opositor da
permuta Parque Mayer-Feira Popular, o vereador José Sá Fernandes diz nunca ter
acreditado que na origem do negócio estivesse um conluio entre os vereadores e
a Bragaparques. “O mais importante é que todo o negócio foi anulado pelos
tribunais administrativos”, realça, “e que neste momento tanto o Parque Mayer
como os terrenos de Entrecampos são propriedade camarária”. Como a empresa de
Braga não ficou satisfeita com as quantias que o município aceitou pagar-lhe, o
problema será agora resolvido num tribunal arbitral.
No primeiro
julgamento do caso, em 2010, os juízes haviam considerado inútil julgar os
antigos responsáveis camarários, por entenderem também que os factos da
acusação não eram matéria criminal, mas somente do foro administrativo, além de
que a decisão final coube à Assembleia Muncipal de Lisboa. Após recurso do
Ministério Público, o julgamento foi mandado repetir.
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