OPINIÃO
A verdadeira prova de Dilma
MANUEL CARVALHO
27/10/2014 – PÚBLICO
A Presidente está
condenada a ficar na história: ou consegue abrir um tempo novo, ou ficará na memória
como aquela que enterrou as duas décadas de progresso que mudaram
irremediavelmente a face do país.
Desde que as
fragilidades das elites políticas expostas com crueza pela contenda sejam
superadas. E desde que o Governo de Dilma seja capaz de perceber que o seu
segundo mandato não pode continuar à procura do tempo saudoso e irrepetível de
Lula da Silva. O momento em que o Brasil pôde lançar uma geração de políticas
sociais e de redistribuição de rendimento que alteraram a face do país acabou
de vez. Depois de andar dois anos a tentar iludir a realidade, Dilma vai ter de
olhar o problema de frente e tomar opções difíceis.
O que esta
eleição mostrou é que os brasileiros perceberam que há à sua frente um tempo
novo, mais exigente. Quase três quartos dos eleitores, muitos dos quais votaram
em Dilma, reclamam mudanças. Depois de se tornar num país muito mais próspero e
decente, sem a oposição escandalosa entre uma minoria de ricos e uma massa
gigantesca de miseráveis, o Brasil pode encarar os desafios com outros
argumentos.
Tudo será mais
fácil se o PT e o PSDB jogarem no Congresso da República argumentos que façam
esquecer os ataques soezes e as falsas acusações que se ouviram na campanha. A
história política do Brasil é demasiado perigosa para se voltar a cair num
cenário de crispação como o que levou à ditadura em 1964. Infelizmente, não
será fácil conservar o confronto governo/oposição em terreno isento de
demagogia e ataques fulanizados, quando em causa está uma agenda com pontos
quentes como a corrupção ou a necessidade de introduzir reformas que ameaçam as
políticas de redistribuição.
O que aconteceu
na Petrobras vai exigir a Dilma uma prova de resistência a estilhaços políticos
com efeitos que poderão ser mais penosos que os do escândalo do Mensalão. E o
reconhecimento de que o Brasil já não consegue repetir as médias de crescimento
do passado, que se encontra numa encruzilhada que não tolera a mera repetição
das fórmulas, tornarão a governação mais árdua e imprevisível. Principalmente
quando se pressente que um Congresso fragmentado tornará a obtenção de maiorias
de apoio parlamentar mais difícil de conseguir.
Para que as
mudanças sejam percebidas e aceites vão ser necessários um governo e um sistema
político responsáveis. Vai ser preciso dizer-lhe aquilo que nem Aécio nem Dilma
tiveram coragem de dizer: que a economia deixou de ter condições para produzir
excedentes para a redistribuição; que o crescimento salarial vai ter de
abrandar; que a falta de investimento e a crise na outrora mais poderosa
indústria da América do Sul vão fazer alastrar o desemprego; que é preciso
tempo e paciência para retomar o modelo dos anos Lula.
Se a corrupção
não ferir de morte a credibilidade dos eleitos, se a classe política tiver a
coragem de reformar um sistema que privilegia a corrupção e o tráfico do poder,
se Dilma conseguir uma base de apoio para acertar um novo rumo, se for possível
esbater o anátema de uma eleição que dividiu o país, tudo será mais fácil.
Se os devaneios
de uma elite política, muito pior do que o país que representa, claudicar
nestas exigências, há o risco de o Brasil voltar a ser agitado por uma vaga de
protestos como os de Junho de 2013. Ou de entrar nos devaneios do golpismo ou
do populismo como o de Collor de Mello. Dilma está condenada a ficar na
história. Neste momento crucial, ou abre um tempo novo ou ficará como a
Presidente que enterrou as duas décadas de progresso que mudaram o país.
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