EDITORIAL
Fazer em seis o que não se fez em
doze
DIRECÇÃO
EDITORIAL 24/10/2014 - PÚBLICO
Portugal chegou a acenar com a possibilidade de veto caso a sua proposta
não passasse.
O Conselho
Europeu conseguiu resolver o seu grande ponto da agenda, que era chegar a um
acordo da União Europeia para levar à conferência das Nações Unidas do próximo
ano. Mas mais do que o consenso sobre as metas de 40% de redução dos gases com
efeito de estufa, 27% de aumento do peso das renováveis no consumo da energia
final e 27% de aumento da eficiência energética, a novidade deste encontro
esteve na quarta medida aprovada: as linhas eléctricas que atravessam as
fronteiras de cada par de países europeus devem, em 2030, ter capacidade para
deixar passar 15% da respectiva capacidade instalada, com média intermédia de
10% em 2020.
A medida, que não
integrava o pacote de origem das medidas do clima e da energia quando a UE
começou a negociar este dossier, foi atirada oficialmente para a discussão pelo
Governo português, no final do ano passado, sem suscitar grande interesse dos
seus pares. Há vários meses que o ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva,
investe na ideia de que a Europa precisa de aumentar a capacidade de
interligação entre as redes eléctricas dos Estados-membros – o que equivale a
passarmos das estradas nacionais, o que temos hoje, para as auto-estradas.
Na véspera da
cimeira, Portugal acenava com a possibilidade de veto caso a sua proposta não
passasse, o que muitos não levaram a sério, já que nos últimos meses também
tinha cedido na sua meta inicial de 25% para 15%. Por outro lado, a oposição do
protectorado nuclear francês, o desinteresse de uma boa parte dos seus pares e
o apoio hesitante da Espanha não eram bom augúrio. Na cimeira, foi Passos
Coelho quem insistiu e levou ao resultado final, a avaliar pelas palavras de
Van Rompuy e do Financial Times. Apesar da cedência prévia, Portugal assegurou
que as interligações ficassem claramente consagradas nas conclusões da cimeira
e amarradas ao cumprimento do plano dos grandes investimentos energéticos que
interessam a toda a UE, com a supervisão da Comissão Europeia. Uma solução
inédita que levou Durão Barroso a dizer que “nunca viu” nada assim.
A UE acostumou-se
a não levar o assunto a sério, apesar de avisos como os da crise da Ucrânia
mostrarem as fragilidades da sua segurança energética. Na cimeira de Barcelona,
há 12 anos, prometeu 10% de interligações. Hoje, na Península Ibérica rondam
1,5% por causa do bloqueio francês, o que significa que a Europa vai ter de
fazer em seis anos o que não quis fazer em 12.
A UE assume pela
primeira vez que a falta de interligações é um problema europeu e a França
aceita pela primeira vez que as linhas em falta são para fazer. Da nova
Comissão Europeia que tomará conta do processo, os cidadãos europeus precisam
que mostre quanto antes que desta vez é diferente, porque riscos não faltam. É
que para a energia circular livremente em grande quantidade pelo espaço
europeu, é mesmo preciso que os vários mercados nacionais e regionais se
aproximem nos mecanismos de preços, de governação, entre outros. Serão anos de
batalhas para desarmar modelos proteccionistas, compensar consumidores e
mostrar seriamente se as futuras interligações vão encarecer a factura da luz
ou evitar custos maiores.
As interligações
continuarão a ser um tema de difícil percepção para os cidadãos, mas deixaram
de ser de segunda ordem na política europeia e essa é uma vitória que a dupla
governamental vai tratar de pôr a render. Dentro e fora.
Novas interligações energéticas
na UE passam a ser prioritárias
ANA BRITO e RICARDO
GARCIA 24/10/2014 - PÚBLICO
Ao contrário do que pretendia o Governo, as novas metas para interligações
energéticas não são obrigatórias, mas ficam ‘amarradas’ aos projectos
prioritários da União Europeia (UE) e à fiscalização da Comissão Europeia.
Portugal traz um
copo meio cheio ou meio vazio do Conselho Europeu onde se definiu o novo pacote
de medidas para o clima e para a energia até 2030? O objectivo nacional de
garantir metas vinculativas de 15% para o reforço das redes europeias de
electricidade ficou pelo caminho, mesmo depois de o Governo português se ter
mostrado disposto a bloquear o Conselho, caso a França não cedesse e permitisse
a definição de objectivos de cumprimento obrigatório. Mesmo assim, o ministro
do Ambiente não tem dúvidas em afirmar que se trata de “uma grande vitória para
Portugal”.
Em declarações
enviadas ao PÚBLICO, Jorge Moreira da Silva sublinhou que Portugal não só
recuperou a meta de 10% (fixada em 2002 e nunca cumprida) e conseguiu
introduzir uma de 15% para 2030, mas salvaguardou “o mais importante, um
processo e um roteiro que garanta com urgência a sua concretização”. Além de um
calendário (porque a meta tem de ser concretizada “com urgência e antes de 2020” ), também passou a haver
um mecanismo de responsabilização e de coordenação, porque a Comissão Europeia
terá de “monitorizar, mas também periodicamente apresentar propostas
concretas” que assegurem o cumprimento
da meta, “deixando de estar dependente das lógicas nacionais”.
Será suficiente?
“É mais qualquer coisa do que aquilo que tínhamos, mas é uma etapa [para se
atingir o objectivo de chegar aos 15%] e não um processo vinculativo”, disse ao
PÚBLICO uma fonte do sector. É um processo que, “se bem conduzido pela Comissão
Europeia”, pode ter o desfecho desejado, mas a verdade é que “os Estados não
estão obrigados a nada”, acrescentou. Ainda assim, um dos méritos reconhecidos
ao acordo é que o tema das interligações deixa de ser bilateral, porque, ao
obrigar a Comissão a monitorizar, poderá criar condições para que o executivo
intervenha quando um país (neste caso, um país vizinho) mostre reticências em
agir.
Cauteloso, o
eurodeputado Carlos Zorrinho entende que este poderá ser “o princípio de uma
vitória”. Se a meta dos 15% fosse uma meta obrigatória, “então seria uma
vitória estrondosa”, mas a solução alcançada “obriga-nos a continuarmos muito
atentos”, disse ao PÚBLICO. “Sempre que houver algum projecto em que a França
precise de Portugal e de Espanha, vamos lembrá-los que também precisamos
deles”, sublinhou o eurodeputado do PS.
Outro dos
aspectos destacados por Moreira da Silva foi a garantia de que os projectos
ibéricos passam a ter prioridade no acesso aos fundos europeus. Segundo o
ministro, só havia, no âmbito do programa de infra-estruturas de ligação da EU,
5800 milhões de euros disponíveis para este tipo de investimentos, quando os
projectos classificados pela União Europeia como prioritários no âmbito das
infra-estruturas energéticas (que ainda não incluem sequer os investimentos
necessários para atingir os 10%) são superiores a 17.000 milhões de euros. Com
este acordo, “já não estamos dependentes das parcas verbas existentes e a
Comissão fica responsabilizada por encontrar os financiamentos necessários”,
disse ainda.
Outra fonte
contactada pelo PÚBLICO refere que, vinculativo ou não, “é sempre preferível
que se tenha chegado a acordo em vez de um veto”. Sem uma posição consensual,
“ter-se-ia perpetuado o status quo, que era o que a França pretendia”. O facto
de o documento considerar que os objectivos deverão ser atingidos pelos PCI que
já estão definidos é importante, tal como “outro passo relevante” é que peça à
Comissão Europeia um esforço de definição de medidas adicionais, caso os PCI já
identificados não sejam suficientes para alcançar a meta de 10%.
Para os operadores
de redes de transporte (como a portuguesa REN ou as espanholas Red Eléctrica ou
Enagás), significa que o próximo passo será ajudar a Comissão na identificação,
antes do próximo Conselho Europeu de Março, das medidas para atingir mais
rapidamente a meta dos 10%.
No caso
português, já há quatro projectos identificados (uma interligação entre o Minho
e a Galiza, três reforços internos de abastecimento de renováveis de origem
hidroeléctrica e a terceira interligação de gás) que fazem parte do plano de
investimentos da REN, que ainda está à espera de aprovação da Entidade
Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). Mas, apesar de a Comissão Europeia
abrir a porta a que sejam “identificados novos projectos que serão aditados
prioritariamente à lista na revisão prevista para um futuro próximo”, é preciso
ter em conta que não há mais dinheiro a entrar. Terá de ser dentro do orçamento
previsto no quadro de financiamento comunitário em vigor que as decisões de
novos projectos terão de ser tomadas e negociadas.
O acordo sobre
clima e energia alcançado na quinta-feira à noite em Bruxelas prevê, além das
metas indicativas para as interligações, metas vinculativas de redução das
emissões de gases com efeito de estufa de 40% em relação ao nível de 1990, a incorporação vinculativa
de um mínimo de 27% de renováveis na energia consumida na UE, além de
objectivos indicativos de 27% para a poupança energética. Segundo o ministro do
Ambiente, com este acordo a União Europeia “vai a tempo de liderar os debates
sobre o sucessor do Protocolo de Quioto, no próximo ano em Paris” e, no domínio
da energia, cria as condições para um verdadeiramente mercado europeu, com
benefícios para a economia e para os consumidores”.
Verbas para os
países de Leste
Não foram apenas
as pretensões ibéricas que de alguma forma foram acauteladas na negociação de
quinta-feira. O acordo conseguido em Bruxelas acomodou também outras
reivindicações. Os países mais pobres da UE – essencialmente os do Leste –
obtiveram a promessa de verbas substanciais para investir no seu parque
energético, provenientes do comércio europeu de licenças de emissões. Ficou
decidido que será criada uma reserva de 2% de todas as licenças europeias que,
leiloadas, reverterão para um fundo de ajuda aos países com PIB per capita inferior
a 60% da média europeia.
Não são valores
modestos. “Os mecanismos de redistribuição contidos no pacote deverão canalizar
cerca de 35 mil milhões de euros para a Europa do Leste na próxima década”,
avalia Marcus Ferdinand, da Point Carbon, uma empresa da Thomson Reuters
dedicada à análise e informação sobre o mercado de carbono. Esta medida “foi
provavelmente o ponto que evitou que a Polónia levasse adiante a sua ameaça de
vetar todo o acordo”, acrescenta Ferdinand.
Ainda no comércio
de emissões, a indústria – tendo sobretudo a Alemanha como porta-voz –
conseguiu que parte das licenças continuassem a ser distribuídas gratuitamente,
de modo a não arruinar-lhes a competitividade a nível internacional. Também
ficou decidido que o problema dos custos indirectos do carbono sobre as
indústrias mais vulneráveis à concorrência deve ser tido em conta. Estes custos
representam o preço adicional que as indústrias pagam pela electricidade,
devido às emissões de CO2 das centrais térmicas.
“O que é crucial
agora é que os líderes europeus assegurem a rápida implementação de
compensações efectivas destes custos, num comércio de emissões remodelado”,
reivindica Gerd Götz, director-geral da Associação Europeia do Alumínio, num
comunicado. A UE já perdeu um terço da sua produção de alumínio, segundo Götz.
-- Os pontos principais do acordo --
Numa negociação difícil, os 28 Estados-membros chegaram a acordo sobre os
próximos passos na luta contra as alterações climáticas. As principais medidas:
Emissões de CO2
A União Europeia
terá de reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa em “pelo menos”
40% até 2030, em relação aos níveis de 1990. Nos sectores abrangidos pelo
comércio europeu de licenças de emissões – que reúne centrais térmicas,
refinarias, siderurgias, cimenteiras e outras indústrias – a redução terá de
ser de 43%. Fora do comércio de emissões – transportes, por exemplo – deverá
ser de 30%. O cumprimento é colectivo, de toda a UE, mas não está definido como
este esforço vai ser repartido entre os 28 Estados-membros. Até 2012, a UE já tinha
reduzido em 19% as suas emissões.
Energias renováveis
A fatia das
renováveis no bolo energético deverá duplicar dos cerca de 13% actuais para 27%
em 2030. É uma meta vinculativa para a UE como um todo, mas cada país vai
escolher o seu caminho. Nada impede que adoptem nacionalmente metas ainda mais
ambiciosas, mas também nada obriga a que se comprometam com valores mínimos.
Pelo contrário, a decisão tomada em Bruxelas assegura a “liberdade de os
Estados-membros determinarem o seu cabaz energético” e deixa claro que esta
meta e a da eficiência energética “não serão convertidas em metas vinculativas
nacionais”.
Eficiência energética
Também ficou
decidido que a eficiência energética deverá aumentar 27% até 2030. Neste caso,
porém, não é uma meta vinculativa mas apenas “indicativa” – ou seja, um simples
sinal político. Mais uma vez, não haverá imposições individuais para ninguém.
Em 2020, a
situação será reavaliada, com vista a um possível alargamento da meta para 30%.
Comércio de emissões
Vai implicar um
esforço maior da indústria, pois as licenças de emissões de CO2 disponíveis no
mercado serão reduzidas em 2,2% ao ano, ao invés dos 1,74% actuais. Mas ficou
garantido que não serão todas leiloadas e que parte continuará a ser
distribuída de graça, tal como acontece hoje, de modo a evitar que as empresas
europeias sejam prejudicadas pela concorrência de outras em países sem onde não
há um controlo semelhante. Os países mais pobres da UE – com PIB per capita
inferior a 60% da média europeia – serão apoiados financeiramente para melhorar
a sua eficiência energética e modernizar o seu parque energético. Uma reserva
de 2% das licenças de emissões será constituída para este fim.
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