Costa, Vals e os socialistas sem
nome
Por Luís Rosa
publicado em 25
Out 2014 / in (jornal) i online
António Costa tem razão em defender um debate sobre a dívida pública
Na semana em que
o primeiro-ministro francês, Manuel Vals, anunciou a intenção de reinventar o
Partido Socialista francês para fazer frente ao crescimento da extrema-direita,
o seu camarada António Costa continua sem mostrar qual o caminho que defende
para Portugal. Enquanto Vals provoca a ala esquerda do seu partido dizendo que
quer retirar a palavra "socialista" do nome do seu partido, Costa
continua a não mostrar o jogo.
Veja-se a questão
da dívida pública. Foi um dos grandes falhanços da troika e do governo de Passos
Coelho. Em vez de cumprida a promessa da descida, a dívida está nos 134% do
PIB. Um valor insustentável, particularmente se tivermos em conta o valor dos
juros que Portugal terá de pagar até 2020: 60 mil milhões de euros - só às
instituições da União Europeia que financiaram o resgate. É um valor altíssimo,
que desvia fundos indispensáveis para o investimento no país. É um tema que
urge, portanto, debater.
António Costa
esteve bem esta semana quando tentou marcar a diferença face ao Bloco de
Esquerda e ao PCP, apresentando um projecto de resolução no parlamento para
abrir um "processo parlamentar de audição pública" sobre o problema
da dívida pública sem se comprometer com a reestruturação. Ontem defendeu que
esta questão só poderá ser resolvida em termos europeus. É uma frase à La
Palisse, mas é uma evidência que um sector forte dos seus apoiantes não quer
ver. Sem um apoio da Alemanha, de França, do Reino Unido ou de Itália realmente
não é possível Portugal mudar as regras da dívida por muitos gritos de
"Não pagamos!" que os portugueses dêem.
Costa tem razão
quando diz que é necessário debater o problema e procurar um consenso técnico
em relação ao problema da dívida, pois "não é possível retomar uma
trajectória de crescimento se todos os recursos financeiros do país estiverem
alocados ao cumprimento das obrigações relativas à dívida". É uma
realidade. O mínimo de 60 mil milhões de euros de juros que Portugal tem de
pagar até 2020 é essencial para um investimento público eficaz.
O problema de
António Costa está em ver os direitos dos funcionários públicos e dos
pensionistas como "obrigações constitucionais". Ao fazê-lo, está a
validar a tese dos direitos adquiridos, preferindo ignorar a volatilidade dos
ciclos económicos que permitem (ou não) financiar essas "obrigações
constitucionais". É precisamente neste ponto que se vê a natureza
conservadora do projecto político de António Costa - que contrasta com a
ousadia programática de Manuel Vals em França. E se começa a perceber que o seu
PS fará tudo para garantir fundos que financiem tais direitos adquiridos.
A reforma do
Estado e da Segurança Social são matérias a que o futuro secretário-geral do PS
não poderá fugir quando chegar ao governo. Por uma razão simples: o dinheiro
não nasce nas árvores nem as empresas e as famílias portuguesas conseguirão
pagar mais impostos do que já pagam. Como financiará António Costa as
"obrigações constitucionais"? Eis uma resposta que terá de dar nos
próximos meses.
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