Bares no Cais do Sodré vão
encerrar mais cedo mas álcool na rua mantém-se
MARISA SOARES
23/10/2014 - PÚBLICO
Moradores pedem mais restrições à venda e consumo de álcool no espaço
público. Câmara lembra que não pode impedir o consumo na rua, mas promete
apertar o cerco às lojas que vendem para o exterior.
A Câmara de
Lisboa quer antecipar, até ao fim do ano, a hora de fecho dos bares do Cais do
Sodré. De domingo a quinta-feira, as portas terão de fechar às 2h, e às 3h nos
restantes dias e vésperas de feriado. Para os moradores, este é "um
pequeno passo" no bom sentido mas não é suficiente para resolver o
problema do consumo de álcool na rua. Por sua vez, os proprietários dos bares
temem impactos no negócio.
O objectivo da
autarquia é “harmonizar os horários” das zonas de diversão nocturna – além do
Cais do Sodré, a medida vai ser aplicada na Bica e em Santos – com os que já
vigoram no Bairro Alto desde 2009, explica o vereador da Higiene Urbana na
Câmara de Lisboa, Duarte Cordeiro. A excepção vai para as discotecas, que têm
autorização para fechar mais tarde porque “não contribuem para o problema”,
afirma o autarca. Pelo contrário, “funcionam de porta fechada e retiram pessoas
da rua”.
As lojas de
conveniência, às quais moradores e comerciantes apontam o dedo por venderem
álcool para o exterior, também vão estar na mira da câmara. “Vamos identificar
os estabelecimentos que mais contribuem para alimentar o consumo [de álcool] na
rua, e definir horários ainda mais reduzidos do que previsto nas respectivas
licenças”, adianta. No entanto, ressalva: “O município não tem poder para
impedir que alguém beba álcool na rua.”
Duarte Cordeiro
reconhece que “a restrição de horários não chega, só por si” para resolver os
problemas gerados pela diversão nocturna desregrada, mas acredita que vai ajudar
a diminuir o ruído a altas horas da noite, garantindo o descanso de quem mora
naquela zona. Nesse sentido, o autarca promete “apertar a fiscalização”. E a
esta primeira medida deverão seguir-se outras, nomeadamente ao nível da higiene
urbana, como o "reforço dos sanitários públicos" e dos locais de
deposição de lixo dos bares.
O despacho sobre
estas medidas deverá ser publicado em boletim municipal a 30 de Outubro e
estará depois em consulta pública durante 15 dias, segundo o vereador.
Entretanto, a câmara vai reunir com associações de moradores e comerciantes
para discutir o assunto.
Para os
moradores, a decisão camarária fica aquém do desejado. É que o problema do
ruído e do consumo de álcool na rua parece continuar fora de controlo. “Estão a
abrir espaços de ‘galerias de arte’ e ‘associações culturais’ com bares de
apoio, mas na prática têm como actividade principal a venda de bebidas, até
porque a Câmara de Lisboa concede os mesmos horários de funcionamento dos
bares”, acusa Ana Andrade, do movimento de moradores Aqui Mora Gente.
“Os bares vendem
para o espaço público, os jovens trazem as bagageiras dos carros repletas de
álcool, os vendedores ambulantes trazem mochilas com álcool”, continua,
descrevendo um cenário de ruas conspurcadas, gritarias e desacatos permanentes,
e criminalidade. “Têm que existir restrições à venda e consumo de álcool no
espaço público, fora dos locais licenciados, como acontece noutras cidades
europeias, Londres, Paris, Amesterdão, Madrid, Barcelona”, defende.
Também para a
Associação Cais do Sodré, que representa proprietários de bares e espaços de
diversão nocturna daquela zona, a restrição de horários dos bares “não é
solução”. “O problema está na regulação do espaço público”, sublinha Gonçalo
Riscado, da direcção da associação.
Na sua opinião,
muitos estabelecimentos serão prejudicados. “Vão ressentir-se” porque perdem
tempo “útil” de funcionamento, uma vez que as horas de maior movimento são
entre as 2h e as 4h, devido ao próprio “ritmo do processo de diversão” dos
portugueses, afirma.
Ainda assim,
Gonçalo Riscado concorda com a uniformização de horários, embora considere
desnecessário antecipar a hora de fecho. Na opinião deste proprietário,
bastaria proibir os bares de venderem bebidas para o exterior a partir de
determinada hora, obrigando-os a funcionar “para dentro”, com mais oferta
cultural. É essa a proposta que a Associação Cais do Sodré fará durante a
consulta pública do despacho camarário.
A restrição de
horários, que Duarte Cordeiro apresentou nesta quarta-feira na reunião do
executivo, surge pouco depois de vários movimentos de moradores do Cais do
Sodré, Bairro Alto, Santos e Bica terem lançado uma petição pública a apelar a
uma reacção da sociedade civil para combater a “absoluta ausência de regras de
vivência em comunidade” a que se assiste nos bairros históricos da capital.
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