BES. O regime dos favores
Por Luís Rosa
publicado em 24
Out 2014 in
(jornal) i online
A grande dúvida da queda de Ricardo Salgado é se leva consigo a República
que criou
O advogado
Godinho de Matos deu uma entrevista ao i em Setembro que muitos leitores ainda
devem recordar. Dizia o homem do PS que foi durante vários anos porta-voz da
Comissão Nacional de Eleições que "em seis anos" como administrador
não executivo do BES nunca abriu a boca, "entrava mudo e saía calado. Bem
como todos os restantes administradores". Eram 25 os administradores que
compunham o órgão de gestão do banco. Para fazer o trabalho, que o próprio
compara com um "acessório na toilette de uma senhora", Godinho de
Matos recebeu mais de 70 mil euros e não fez perguntas. Não questionou os
números da contabilidade que lhe apresentavam, não questionou os contratos que
o banco fazia com o Estado, não disse nada. Simplesmente ficou calado. Era para
que isso que lhe pagavam.
O problema do
caso BESgate é que houve muitos Godinhos de Matos. Muitos políticos,
funcionários públicos, gestores, engenheiros, juristas, arquitectos, médicos,
do Norte, do Sul, do Centro, do Benfica, do Sporting, do Porto, socialistas,
social-democratas, centristas, republicanos, monárquicos, católicos, não
católicos, maçons ou do Opus Dei. O BES era o regime, era a Terceira República.
Com a queda de Ricardo Salgado é todo um regime que fica tremido como uma
gelatina verde e viçosa.
Porquê? José
Honório, outra personagem tão interessante como Godinho de Matos, explica-o
nestas páginas. Honório era um gestor da confiança de Pedro Queiroz Pereira. Homem
das empresas, com grande experiência em empresas industriais, foi presidente
executivo da Portucel durante dez anos, até Fevereiro deste ano. Em Maio, ao
mesmo tempo que era administrador não executivo dos CTT, começou a colaborar
com Ricardo Salgado e a família Espírito Santo para tentar salvar o Grupo Espírito
Santo (GES). Era a fase do desespero quase total, com Salgado a tentar obter
fundos de todos os lados possíveis e imaginários para tapar os buracos na
contabilidade do GES e salvar o BES, ao mesmo tempo que fazia um aumento do
capital social do banco.
Contactado para
ser o conselheiro especial na elaboração de um plano que salvasse a família,
José Honório acaba por resumir na perfeição a base do mesmo numa reunião do
Conselho Superior do GES que Sílvia Caneco descreve com precisão nestas
páginas: "A fama que esta casa tem no mercado é que tem ajudado muita
gente desde sempre. Está na altura de cobrar favores. Fazer uma relação das
entidades e das pessoas a quem podem cobrar valores e o montante que podem
cobrar."
Os
"favores" que Honório recomendava que fossem cobrados são a origem do
poder de Ricardo Salgado e do seu cognome ("Dono Disto Tudo"). São os
cargos de consultores, assessores ou administradores não executivos pagos a
peso de ouro que eram distribuídos por figuras gradas do PSD, do PS ou do CDS -
os Godinhos de Matos, ao fim e ao cabo. São os empregos para familiares, amigos
ou conhecidos que Salgado garantia. São os empréstimos, as dicas de
investimento ou os pareceres concedidos a quem poderia vir a ser importante. É
toda uma rede de contactos que tinha como objectivo assegurar o poder e
garantir as concessões de parcerias público-privadas rodoviárias e da saúde, os
contratos dos submarinos, o abate dos sobreiros no caso Portucale e tantos
outros negócios com o Estado.
Os deputados da
comissão parlamentar de inquérito ao BES terão uma oportunidade histórica de
investigar esta rede de contactos. A bem da credibilidade do regime, não podem
desperdiçá-la.
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