Lisboa, têm um problema, diz a UE
Editorial / PúblicoA Comissão Europeia mostrou ao Governo que ainda não está na hora dos amanhãs que cantam
As previsões de Outono da Comissão Europeia deitaram
por terra a narrativa que o Governo vinha a construir sobre o pós-troika ou os
recentes sinais positivos da economia. Ao discurso de que o país está a um passo
de dar a volta, Bruxelas contrapõe, em primeiro lugar, que a austeridade em 2015
situar-se-á nos 1,7 mil milhões de euros e não nos cerca de 450 mil que o
executivo anunciara. 2015 não será, portanto, o primeiro ano do
"pós-austeridade" com o qual Passos Coelho sonhava para disputar as eleições. Em
segundo lugar, os dados positivos sobre a economia decorrem de factores
irrepetíveis que estimularam o consumo interno. Sem o mencionar, Bruxelas está a
referir a reposição dos subsídios da função pública e dos pensionistas pelo
Tribunal Constitucional (TC). O mesmo tribunal que a Comissão identifica como o
principal risco para o futuro próximo, uma vez que as ameaças já não decorrem do
cenário macroeconómico mas sim da incerteza quanto à sorte que espera o
Orçamento do Estado no Palácio Ratton. Finalmente, o desemprego continuará a
crescer em 2014, quando já começou a descer em países como a Grécia ou Espanha.
E o documento lembra que os dados só não são piores porque a população activa
está a encolher, em consequência da emigração. Bruxelas, portanto, não aliviou a
pressão sobre o país e colocou um travão no triunfalismo que o Governo vinha
ostentando. A luz ao fundo do túnel não está ao virar da esquina e o "milagre
económico" de que falou Pires de Lima pertence à esfera da ilusão. Ao mesmo
tempo, a Comissão mostra que mantém intacta a confiança no modelo "punitivo" da
austeridade. Se o TC permitiu reabrir provisoriamente as portas do consumo
doméstico, feche-se a torneira. O "crescimento" cantado pelo Governo irá na
corrente e o emprego também. Bruxelas disse a Passos Coelho: Lisboa, continuam a
ter um problema. O país inteiro ouviu.
Olli Rehn, comissário europeu responsável pelos assuntos económicos e financeiros, ontem em Bruxelas |
Comissão Europeia diz que retoma da economia se deveu a factores extraordinários e questiona a sua durabilidade. Défice público dependerá da "estrita aplicação" dos planos acordados
A Comissão Europeia está a contar, depois da
aplicação do pacote de austeridade de 3900 milhões de euros previsto no
Orçamento do Estado para 2014, com a implementação de mais 1700 milhões de
medidas de consolidação em 2015.
Nas previsões de Outono ontem apresentadas, Bruxelas confirma os valores do
défice público para Portugal acordados durante a última avaliação trimestral da
troika de credores internacionais ao programa de ajustamento português:
4% do PIB no próximo ano e 2,5% em 2015.A Comissão esclarece, no entanto, que estes valores estão dependentes da estrita execução dos planos de consolidação orçamental acordados. Para 2014, as medidas de austeridade equivalem a 2,3% do PIB, cerca de 3900 milhões de euros. Para 2015, Portugal terá de concretizar um novo esforço de consolidação ligeiramente superior a 1% do PIB, ou seja, cerca de 1700 milhões de euros. "A previsão [do défice] para 2015 é suportada por medidas equivalentes a um valor ligeiramente acima de 1% do PIB, maioritariamente do lado da despesa", afirma a Comissão.
A última vez que o Governo português avançou com a dimensão dos cortes a realizar em 2015 foi em Maio deste ano, no momento em que o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, enviou uma carta aos responsáveis máximos da troika com o plano de redução da despesa pública. Nessa altura, no entanto, a redução de despesa prevista para 2015 era de apenas 473 milhões de euros e centrada em cortes adicionais nos consumos intermédios. No OE para 2014, apenas é feita referência aos cortes a realizar durante o próximo ano.
Questionado pelo PÚBLICO, o Governo garante que não negociou valores alguns com a troika e que os valores ontem avançados resultam de cálculos realizados pela Comissão.
No relatório económico ontem publicado, a Comissão diz que, a nível orçamental, os principais riscos que pesam sobre o cumprimento das metas do défice já não têm tanto a ver com a deterioração da situação macroeconómica (como aconteceu nos anos passados), mas sobretudo com considerações "legais" resultantes da avaliação das medidas de consolidação por parte do Tribunal Constitucional.
Para este ano, Bruxelas assume que o défice será de 5,9% do PIB, em vez dos 5,5% acordados com a troika. A diferença deve-se à injecção de capital no Banif num valor equivalente a 0,4% do PIB, não contabilizada no défice para efeitos de cumprimento do programa de ajustamento. Esta não contabilização das injecções de capital nos bancos ficou acordada logo no início do programa de ajustamento e está expressa no Memorando de Entendimento que o concretiza. "Embora o défice deva atingir 5,9% do PIB tal não significa que a meta do programa não seja cumprida porque o défice inclui a injecção de capital num banco equivalente a 0,4% do PIB, o que não é considerado para efeitos do programa", confirmou ontem Olli Rehn, comissário europeu responsável pelos assuntos económicos e financeiros.
Bruxelas assinala, contudo, que este valor foi atingido depois de "uma lacuna de 0,5% do PIB ter sido identificada após a utilização das reservas orçamentais". Essa lacuna apenas será preenchida devido a poupanças adicionais e, principalmente, à receita extraordinária obtida com o perdão fiscal que o Governo colocou em prática no final do ano. De acordo com as previsões, a dívida pública atingirá este ano um pico de 127,8% do PIB (contra 124,1% no ano passado), antes de começar a descer para 126,7% em 2014 e 125,7% em 2015.
Recuperação pode não durar
A Comissão Europeia confirma igualmente a previsão de ligeira melhoria da situação económica e do desemprego em Portugal embora acompanhadas do aviso de que esta evolução mais favorável assenta em factores extraordinários. Segundo Bruxelas, a contracção do PIB será este ano de 1,8%, um valor meio ponto percentual melhor do que o crescimento negativo de 2,3% avançado nas anteriores previsões da Primavera, em Maio.
Em 2014, a Comissão confirma o regresso da economia a terreno positivo com uma previsão de crescimento de 0,8%, mais duas décimas do que os 0,6% avançados há seis meses. Em 2015, a recuperação da economia deverá prosseguir com um crescimento de 1,5%.
Esta ligeira melhoria do panorama resulta do inesperado forte crescimento do PIB no segundo trimestre deste ano (1,1% face aos três meses anteriores), e que foi sobretudo impulsionado pelo consumo interno. Esta situação, que Bruxelas considera surpreendente, resultou de factores "extraordinários" (presumivelmente a devolução dos subsídios de Natal e de férias da função pública).
A revisão em alta das previsões económicas para este ano e o próximo resulta assim essencialmente do "impacto mecânico" da evolução inesperadamente melhor do segundo trimestre, sublinha a Comissão.
Esta melhoria da actividade deverá permitir uma contracção menos acentuada do emprego, embora esta situação seja provocada sobretudo pelo turismo e agricultura, o que, para Bruxelas, suscita "questões sobre a sua sustentabilidade".
Em consequência da evolução da economia e do emprego - mas não só -, a taxa de desemprego esperada este ano, de 17,4% da população activa, será igualmente melhor do que os 18,2% previstos em Maio. No próximo ano, esta taxa subirá para 17,7% - contra 18,5% previstos há seis meses -, antes de começar, previsivelmente, a baixar para 17,3% em 2015. Bruxelas sublinha, no entanto, que esta melhoria da taxa de desemprego também se deve a uma redução da população activa.
Perda de empregos prevista em Portugal até 2015 supera a da Grécia
Pouco impressionados com a redução da taxa de
desemprego registada no segundo trimestre deste ano e com os dados mensais mais
actuais publicados desde esse momento pelo Eurostat, os responsáveis da Comissão
Europeia estão a prever a manutenção de um desempenho muito fraco do mercado de
trabalho em Portugal, mesmo quando comparado com os outros países sujeitos a
programas da troika.
De acordo com as previsões de Outono ontem tornadas públicas em Bruxelas,
Portugal será, na zona euro, o terceiro país com uma perda mais acentuada de
empregos entre o final de 2012 e 2015, o período para o qual são feitas as
projecções. Nesse espaço de três anos, a economia portuguesa irá registar uma
variação negativa do emprego de 4%, isto é, desaparecerão mais cerca de 180 mil
postos do trabalho do país. Este resultado apenas é superado pela negativa por
Chipre, um país que apenas agora começa a ser sujeito à receita de austeridade
da troika e está com o seu sistema financeiro praticamente em ruínas, e a
Eslovénia, o principal candidato a ser o quinto país a ter de recorrer a um
resgate da troika. Em Chipre, a variação negativa será de 10,3%, enquanto
na Eslovénia será de 4,2%.A acreditar nas projecções da Comissão Europeia, Portugal registará um desempenho mais fraco do que a Grécia, que perderá 0,4% dos empregos, e do que a Irlanda, que poderá entrar numa fase de recuperação dos empregos perdidos, com uma variação positiva de 3,8%.
No capítulo sobre Portugal, a Comissão Europeia mostra-se pouco impressionada com a redução do desemprego do segundo trimestre, lembrando que tal aconteceu num período do ano em que o sector do turismo dá um contributo positivo que depois se acaba por esbater. E uma vez que as previsões de crescimento são ainda bastante moderadas para 2014 e 2015, a capacidade de a economia começar a recuperar os empregos perdidos no passado recente apenas surge, e de forma muito ligeira, já em 2015, segundo as previsões da Comissão Europeia.
É por isso que, entre o final de 2012 e 2015, a taxa de desemprego portuguesa ainda regista uma subida de 1,4 pontos percentuais, chegando no último ano da previsão aos 17,4% (em 2014 atinge o máximo de 17,7%). No mesmo período, a taxa de desemprego já desce na Grécia e na Irlanda. Piores resultados que Portugal neste indicador apenas, mais uma vez, em Chipre e na Eslovénia.
O Governo português tem vindo a destacar, nos últimos meses, os sinais positivos registados no mercado de trabalho. Não mudou, no entanto, as previsões de evolução do desemprego na sua proposta do Orçamento do Estado para 2014. Amanhã, outras pistas serão conhecidas, com o INE a divulgar os números do emprego durante o terceiro trimestre. S.A.
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