A
pergunta que ficou por fazer
JOÃO MIGUEL TAVARES
10/09/2016 – PÚBLICO
Será
que vem borrasca da grossa por aí? Eu não sei, e devo dizer que não
saber deixa-me pouco descansado quanto às quarenta sombras da
Operação Marquês.
O meu problema com a
entrevista do juiz Carlos Alexandre à SIC é este: não percebi a
sua utilidade e a jornalista esqueceu-se de perguntar. Nós fomos
informados durante a reportagem-entrevista de que o juiz não
aceitava falar de processos em curso. Não foi inteiramente verdade:
o super-juiz afirmou três vezes que não tinha “amigos pródigos”
para pagar as suas dívidas. Da primeira vez poderia ter sido
acidental, mas à terceira até um anjinho das procissões de Mação
que Carlos Alexandre frequenta terá concluído que só pode ter sido
intencional – sim, ele estava a falar da Operação Marquês e a
dizer que acredita tanto na inocência de José Sócrates quanto eu.
Contudo, era indispensável ter sido colocada esta pergunta em algum
momento da conversa: “Para quê, senhor juiz Carlos Alexandre, dar
uma entrevista no horário nobre da televisão uma semana antes de
terminar o prazo (indicativo) para a apresentação da acusação da
Operação Marquês?” Eu não consegui perceber, e ainda ninguém
me conseguiu explicar. Temo que a entrevista seja como uma daquelas
piadas que só os amigos entendem – em vez de uma private joke, uma
private interview, com indirectas a algumas das partes processuais,
que elas captam, mas nós não.
Se for isso, não é
bom. Se não for isso, também não é bom. A entrevista serviu para
o juiz Carlos Alexandre afirmar-se como um homem íntegro, incorrupto
e com algumas dificuldades financeiras. Acredito nas três
afirmações, mas gostava de compreender a necessidade de as enunciar
neste momento. Tirando a defesa do antigo primeiro-ministro, não me
parece que alguém duvide delas. É certo que quando Carlos Alexandre
se queixou da escassez do ordenado que aufere directamente (referindo
os cortes durante o “governo do senhor engenheiro José Sócrates”)
e indirectamente (afirmando ter trabalhado 48 sábados num só ano
para compor o orçamento), eu lembrei-me logo de uma reportagem que
foi transmitida pelo programa Sexta às 9 em Maio deste ano, e depois
noticiada no DN com o título “Cofre dos Funcionários do Estado
favorece juiz Carlos Alexandre”. Lida a notícia e vista a
reportagem, o favorecimento consistia nisto: Carlos Alexandre pedira
um empréstimo de 4.000 euros ao Cofre dos Funcionários do Estado (o
que é legal) e ele fora-lhe concedido em apenas três dias, em vez
dos “dois ou três meses” que uma testemunha anónima dizia serem
habituais.
Um empréstimo de
4.000 euros legítimo, atribuído em Junho de 2012, quatro longos
anos antes de a reportagem ser emitida, e cujo pecado foi, no máximo,
ter furado a fila? Convenhamos que isto é uma história abaixo de
carro rebocado por estacionamento ilegal. Implica bastante vontade de
escarafunchar, o que tem um lado bom e um lado mau. O lado mau é que
é quase certo tratar-se de informação soprada para pôr em causa a
honorabilidade de Carlos Alexandre, o que credibiliza as suas
denúncias acerca de escutas, vigilâncias e assaltos. O lado bom é
que se aquele empréstimo speedy gonzález é a coisa mais grave que
encontraram sobre o seu passado podemos todos dormir descansados.
Custa a acreditar que tenha sido esta história ridícula a levá-lo
a aceitar uma entrevista onde faz questão de se apresentar
moralmente mais puro do que Egas Moniz e respectiva família, de
baraço no pescoço, diante do rei de Leão e Castela. Será que isto
significa que vem borrasca da grossa por aí? Eu não sei, e devo
dizer que não saber deixa-me pouco descansado quanto às quarenta
sombras da Operação Marquês.
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