quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Quem paga aos lesados de Portugal? / JOÃO MIGUEL TAVARES // Lesados do BES optimistas depois de reunião no Banco de Portugal // Novo Banco com prejuízos de quase mil milhões

OPINIÃO
Quem paga aos lesados de Portugal?
JOÃO MIGUEL TAVARES 25/02/2016 - PÚBLICO

Diga-me, Sr. PM: os lesados de Portugal também vão receber, ou, como de costume, vão apenas pagar?

Exmo. Primeiro-Ministro António Costa: Tendo assistido com grande comoção à luta que tem vindo a desenvolver em favor dos lesados do BES, venho por este meio declarar-me um lesado de Portugal, e exigir do governo que sua excelência lidera a indemnização a que tenho direito.

Recordo-lhe que o presidente do seu partido prometeu há um ano que se o PS ganhasse as eleições os clientes do antigo BES iriam receber o dinheiro de volta. Disse Carlos César: “Penso que o Estado que os estimulou é o Estado que deve garantir o ressarcimento de todos esses cidadãos e empresas.” Está bem visto: toda a gente que foi enganada com falsas promessas tem o direito inalienável de ser compensada pelas patranhas em que distraidamente caiu. Louvo-lhe tão admiráveis sentimentos.

A minha única objecção a esse raciocínio é esta: ressarcir apenas os lesados do BES parece-me pouco. É um objectivo demasiado modesto, e estou certo que Sua Exa. consegue ir mais longe. Repare que aos cidadãos de Portugal aconteceu o mesmo do que aos lesados do BES: os nossos gerentes (isto é, os homens que nos governam há 40 anos, incluindo o senhor) prometeram-nos tudo e mais alguma coisa. Um país moderno e desenvolvido. Choques tecnológicos. Incríveis planos de desenvolvimento. Simplificações administrativas. Espantosos progressos educativos. Amor pela ciência e pelo mar. A cada quatro anos (quando não antes) juravam que agora é que ia ser, que era desta que ia resultar. E a única coisa que nos aconteceu, de ano para ano, foi acabarmos a pagar mais impostos num país mais endividado.

Inspirado na Associação dos Lesados e Indignados do BES, eu próprio estou a pensar criar a Associação dos Lesados e Indignados de Portugal. Com ligeiras adaptações, os objectivos são iguaizinhos. A associação dos lesados do BES tem como missão (está no seu site) “mediar o processo de reembolso de papel comercial do GES, vendido de forma enganosa e fraudulenta, como depósitos a prazo, a clientes de retalho aos balcões do BES”. A associação dos lesados de Portugal terá como missão mediar o processo de reembolso dos impostos, sacados de forma enganosa e fraudulenta, com a promessa de um país mais justo e sustentável, aos eleitores nacionais. Os lesados do BES “partilham o sentimento de engano, pela forma como os produtos foram vendidos, sendo que sempre foi dito ‘isto é como depósitos a prazo’, ‘isto é seguro’, ‘isto é Espírito Santo’.” Os lesados de Portugal partilham o sentimento de engano, pela forma como os programas eleitorais foram vendidos, sendo que sempre foi dito ‘isto é pelo bem do país’, ‘isto é seguro’, ‘isto é o Estado Social’.” Os lesados do BES foram enganados pelo primeiro-ministro, pelo ministro das Finanças, pelo Presidente da República e pelo governador do Banco de Portugal. Os lesados de Portugal foram enganados exactamente pelas mesmas pessoas, só que mais vezes e durante mais anos.

Faço notar que ainda esta semana o Sr. PM andou a publicitar e a vender um novo papel – o Orçamento de Estado para 2016 – que garante ser de grande qualidade. Lamentavelmente, não acredito. Acho-o mesmo uma desgraça. Só que ainda assim sou obrigado a subscrevê-lo. Há maior injustiça do que esta? Os lesados do BES, ao menos, assinaram os papéis. Eu não. Agora diz-se que cada lesado do BES vai receber 100 mil euros. Parece-me justo. Mas diga-me, Sr. PM: os lesados de Portugal também vão receber, ou, como de costume, vão apenas pagar?

Lesados do BES optimistas depois de reunião no Banco de Portugal
ROSA SOARES 24/02/2016 - PÚBLICO

Dentro de uma a duas semanas deverá haver uma solução para recuperação de pelo menos parte das poupanças.

A associação dos lesados do papel comercial do Grupo Espírito Santo, comercializado pelo BES, saíram da reunião com o Banco de Portugal (BdP), realizada nesta quarta-feira, "optimistas" numa solução para a recuperação de pelo menos uma parte das suas poupanças.

"Estamos optimistas" afirmou ao PÚBLICO o presidente da associação Indignados e Enganados do Papel Comercial, num tom de voz que revelava uma clara satisfação com o resultado do encontro.

Ricardo Ângelo adiantou que ainda não há dados concretos sobre a proposta que vai ser apresentada, como podem ou não recuperar os 500 milhões de euros aplicados, mas admite que "há uma base de trabalho".

Elogiando a "simpatia" e a "franqueza" com que foram recebidos, o presidente da associação, que representa boa parte dos mais de 2000 clientes lesados, adiantou que nos próximos dias decorrerão "intensas reuniões de trabalho" entre o BdP, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e Governo, para a definição de uma solução.

A expectativa é de que dentro de "uma semana ou duas se tenha uma proposta", que considerou "profícua", assinalando o empenho do governador.

De referir que o encontro desta quarta-feira com os lesados acontece depois de uma primeira reunião entre o BdP, a CMVM e o Governo, na passada sexta-feira.

Depois de muitos meses a reclamar uma solução, com inúmeras manifestações na rua, o processo de negociações com o supervisor acabou por ser acelerado depois das duras críticas do primeiro-ministro ao governador do BdP, Carlos Costa, pela falta de uma resposta para estes clientes, que dizem ter sido enganados pelo BES.

A CMVM sempre defendeu que deveria ser encontrada uma solução que permitisse pelo menos a recuperação de uma parte das poupanças, reconhecendo que o BES não cumpriu os deveres de informação na colocação do papel comercial.

O papel comercial foi emitido por empresas do grupo GES que se encontram actualmente em liquidação, não sendo possível ressarcir estes clientes. Muitos dos clientes alegam que desconheciam as características do produto ou que lhes tinha sido assegurado que tinha garantia do BES.


Novo Banco com prejuízos de quase mil milhões
CRISTINA FERREIRA 24/02/2016 - PÚBLICO

Stock da Cunha diz que seja qual for a solução para o Novo Banco vai trabalhar para preparar o futuro com três perspectivas: a liquidez, o capital e a rendibilidade.

Em 2015, o Novo Banco apurou um prejuízo de 981 milhões de euros, mas a expectativa é que o banco possa regressar aos lucros pelo menos em 2018. Do lado positivo regista-se a subida do Core Tier 1 para 13,6%, o que beneficiou da decisão do Banco de Portugal de retirar activos tóxicos do perímetro da instituição financeira.

A informação foi dada ao final da tarde desta quarta-feira, durante a divulgação das contas anuais de 2015, com o presidente Eduardo Stock da Cunha a garantir que, após um interregno de cerca de dois anos, o Novo Banco vai regressar à “normalidade” e “voltar a apresentar resultados trimestrais”. O encontro com a comunicação social surge depois do Banco de Portugal (BdP) ter anunciado, a meio de Janeiro, que ia arrancar com o processo de venda da instituição e num contexto em que decorrem reuniões entre supervisor e o Novo Banco.

Foi neste contexto que o banqueiro chamou a atenção para o facto de existir uma folga, até Agosto de 2017, para fechar o dossier, e que trabalhará com os mesmos objectivos – garantir bons níveis de liquidez, de capital e de rendibilidade – independentemente da decisão que vier a ser tomada. "O que estamos hoje a fazer é a preparar o futuro" do banco, disse.

Uma resposta a um pedido de comentário à proposta do PCP de nacionalização do Novo Banco, que foi formalizada na terça-feira. E uma via que Vítor Bento, o ex-presidente do BES e do Novo Banco, aconselhou o Governo a equacionar. O economista da esfera social-democrata admite o cenário por duas razões: não existe capital privado em Portugal; o movimento de consolidação bancária será definidor do futuro do país.

A reacção à ideia de manter o banco na esfera pública chegou pela voz do deputado João Galamba que mostrou abertura do PS para pensar no tema, até por existir tempo para equacionar várias soluções. Mas não deu garantias. Até porque existem restrições de várias naturezas a uma estatização, nomeadamente as europeias. E teria de se apurar qual o impacto no orçamento público da medida e que meios o Estado dispõe para responder às chamadas de capital actuais e futuras. E o Governo tem outro dossier complicado para resolver: a capitalização da CGD, também sujeita a negociações com a Europa. Ao final da tarde, o antigo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, veio afirmar que a discussão em redor da nacionalização do Novo Banco vai “fragilizar” a imagem do país no exterior.

Nos comentários às contas, Stock da Cunha salientou que “o reforço do balanço, quer a nível da melhoria dos activos, quer dos capitais, levou a uma subida do Core Tier 1 para 13,6%”. Mas admitiu que a evolução “foi influenciada” pela decisão do BdP retirar do perímetro do Novo Banco, para o do BES, activos tóxicos. Lembrou ainda que o elevado montante de imparidades apuradas, de 1057 milhões, são fruto em grande parte (592 milhões) de operações herdadas do BES: exposição ao risco de 50 grandes clientes e constituição de provisões para imóveis. Avançou igualmente que dos 980,6 milhões de prejuízos apurados em 2015, 78% têm origem no modelo de negócio adoptado pela equipa de Ricardo Salgado. O que se reflecte na deterioração da carteira de crédito, com o crédito em risco a ser de 22,8% e o crédito vencido de 15,5%.

Do lado positivo, Stock da Cunha salientou os resultados operacionais (da actividade) que atingiram os 125 milhões, mas ainda insuficientes para uma instituição da dimensão do Novo Banco. Também destacou a redução de custos com pessoal em 8,2%, passando para 397,6 milhões que incluem 22,8 milhões com reformas antecipadas. Em 2015, deixaram o grupo 411 colaboradores, sendo o quadro de pessoal de 7311 pessoas (740 no estrangeiro). E foram fechados 40 balcões, contando a rede comercial com 635 agências (39 fora).


Sobre o imbróglio do concurso aberto para alienar o Novo Banco Cabo Verde, Stock da Cunha equiparou a venda de uma instituição de crédito à de um centro comercial, isto para justificar que a acção da sua equipa “foi diligente” pois tratou-se de um activo marginal ao grupo e para desinvestir. Stock da Cunha estava disponível para alienar a operação de Cabo Verde a uma empresa-escritório do empresário de futebol José Veiga, já este mês em prisão preventiva por fraude fiscal, crime de que já tinha sido acusada noutras ocasiões.   

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