sábado, 13 de fevereiro de 2016

Algarve teme vir a ser uma “janela” com vista para as plataformas petrolíferas


Algarve teme vir a ser uma “janela” com vista para as plataformas petrolíferas

As vozes contra os projectos de exploração de petróleo e gás no Algarve, em terra e no mar, fazem-se ouvir cada vez mais. Movimentos de cidadãos, autarcas e empresários receiam pelo Ambiente e pelo Turismo. Sousa Cintra foi o último a entrar na corrida e já tem gente no terreno em busca do ouro negro.

Idálio Revez / 13-2-2016 / PÚBLICO

O Algarve corre o risco de ser atirado para a lista negra dos operadores turísticos, se as plataformas petrolíferas surgirem no horizonte. Este é um cenário que está a ser contestado pela Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP), que em Novembro entregou na Assembleia da República uma petição com mais de sete mil assinaturas. A essa causa juntaram-se, ultimamente, muitos autarcas e as principais associações empresariais.
“Não estamos disponíveis para discutir riscos ambientais”, afirma, peremptório, Vítor Neto, ex-secretário de Estado do Turismo de António Guterres e ex-deputado do PS. O que é necessário, afirma, é que “sejam rapidamente suspensos e anulados” os oito contratos de concessão já assinados para pesquisa, prospecção e exploração de petróleo e gás na região. No mar e em terra. “Vamos destruir um recurso como é o turismo, perdendo 5 a 6 mil milhões de euros por ano?”, questiona o agora presidente da Associação Empresarial do Algarve - NERA.
“Para quê criar mau ambiente?”, interroga, com alguma ironia, Sara Kellen, activista da PALP. Os motivos para contestar o projecto, justifica esta estudante de Biologia Marinha, são muitos. Vão desde a destruição da fauna e flora marinha, no caso das concessões offshore, até à contaminação dos aquíferos em terra ( onshore). “Alguém vem passar férias para abrir a janela e ver uma plataforma [petrolífera]?, perguntou na quinta-feira à noite num debate realizado na biblioteca pública da Fuzeta.
A professora universitária Rosa Guedes explicou que a PALP nasceu porque houve “pessoas e organizações, de diferentes origens, que se juntaram pela vontade de intervir”. O presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve - AMAL, Jorge Botelho (PS), que é também presidente da câmara de Tavira, regozijou-se com a iniciativa. “Ainda bem que surgiu este movimento da cidadania. Os municípios não sabiam o que se estava a passar”, diz, adiantando que os autarcas tiveram uma reunião com o secretário de Estado da Energia, Jorge Sanches, a dia 26 de Janeiro, reclamando que sejam “revogadas as concessões”.
A resposta que obteve, admite, não traz nada de novo. “Os contratos vão ser analisados do ponto de vista jurídico. Poderá haver direito ao pagamento de indemnizações se forem anulados”, afirmou. As últimas duas licenças para os blocos de Aljezur e Tavira foram atribuídas por “negociação directa” à empresa Portfuel [Petróleos e Gás de Portugal], do empresário Sousa Cintra, no dia 25 de Setembro, no final do mandato do anterior executivo. Estes dois blocos abrangem 14 dos 16 concelhos algarvios, Só escapam Albufeira e Alcoutuim.
Governo não se compromete
Há duas semanas, no Parlamento, já o primeiro-ministro garantira que apenas estão autorizadas prospecções com recurso a métodos convencionais, sem recurso à tecnologia do
fracking [fracturação hidráulica], e que não há nenhuma autorização para exploração emitida. Mas não se comprometeu a que isso não venha a acontecer. Os contratos de concessão, todavia, não excluem o fracking e incluem a exploração, embora esta dependa de autorizações específicas. Já há mais de vinte anos, o Decreto-Lei 109/94 alterou as regras do jogo. A actividade de prospecção e exploração, diz a lei, “fica subordinada a um único título, sob a forma de contrato administrativo de concessão, contemplando todas as fases da actividade”.
A prática que vigorava até 1994, explica Rosa Guedes, obrigava à abertura de concurso público, mas desde então é também admitida a negociação directa. “Não existe transparência”, critica. Situação idêntica, acrescenta, verifica-se na Avaliação de Impacto Ambiental que deixou de ser obrigatória nas fases de pesquisa e prospecção. Sara Kellen pede que se olhe para o futuro — “o momento em que todo o ecossistema seja posto em causa”. Nessa altura, diz, haverá uma pergunta a fazer: “Onde estará o bom peixe do Algarve?” Os activistas da PALP são da opinião que os efeitos surgirão mesmo na fase das prospecções. Os cetáceos, por exemplo, adianta o biólogo Manuel Vieira, “poderão ficar surdos, com as explosões sísmicas, usadas nas pesquisas”.
No meio da biblioteca, levanta-se um homem. “Sou a favor da exploração do petróleo, não estejam para aí a agitar o papão da poluição. Estive em Cabinda, tomei banho, não vi nada do que estão a falar”. No mesmo sentido, diz outro: “Trabalhei na industria petrolífera. Se isso fosse verdade, eu já estaria morto.”
As coisas não pareciam correr bem para o lado de quem defende o Algarve livre de petróleo. “As informações estão todas disponíveis no site da PALP, as pessoas podem comparar e ver quem diz a verdade”, respondeu Rosa Guedes.

Um estrangeiro residente na região deu uma achega. “Ainda não falaram de um outro perigo. O Algarve é uma zona de risco sísmico”. Um pouco por toda a região, a PALP tem vindo a realizar debates nos quais a comunidade de estrangeiros residentes tem sido um dos grupos mais activos.

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