Cameron
lança-se na batalha pela UE
ANA FONSECA PEREIRA
20/02/2016 - PÚBLICO
Regressado
de Bruxelas, onde obteve acordo dos parceiros a novas isenções para
o Reino Unido, primeiro-ministro britânico marcou referendo para 23
de Junho. Seis ministros tornaram pública a sua dissidência com a
linha oficial do Governo.
Após três anos de
indecisão, meses de negociações e uma cimeira de nervos à flor da
pele, David Cameron marcou para dia 23 de Junho o prometido referendo
que irá ditar se o Reino Unido se mantém como membro da União
Europeia, de que nunca foi entusiasta mas da qual é um eixo vital.
Garantido o acordo dos parceiros europeus ao que chama de “estatuto
especial” britânico, o primeiro-ministro lançou-se de imediato na
campanha, afirmando que a saída – defendida por seis ministros do
seu Governo – “ameaça a prosperidade e a segurança nacional”.
A data da consulta
era um segredo que Downing Street fez questão de não guardar. Com
as sondagens a indicarem que o desfecho da votação está totalmente
em aberto – os dois campos disputam a liderança taco-a-taco e em
alguns inquéritos o número de indecisos aproxima-se dos 50% –,
Cameron tinha deixado claro que queria realizar a consulta o quanto
antes. Receia que o Verão traga à Europa uma nova vaga de
refugiados que ponha de novo a nu a incapacidade da UE para responder
à crise ou que uma campanha demasiado longa torne ingerível o
Partido Conservador, dividido a meio.
A sua urgência
acabou por se transformar numa urgência europeia, forçando a
cimeira de Bruxelas a prolongar-se para garantir que Cameron, apesar
das diferentes posições nacionais, não saia dali sem um acordo na
mão.
A imprensa
eurocéptica – maioritária e feroz – não foi branda nas
críticas ao resultado da renegociação que o líder conservador
iniciou em 2013, com a promessa de reformar a atribulada relação de
Londres com Bruxelas. “Chamas a isto um acordo Dave?”, lia-se na
manchete do tablóide Daily Mail, enquanto o editorial do The Times
afirmava que o primeiro-ministro conseguiu apenas “ajustes confusos
que de modo alguma se aproximam” do objectivo que fixara. Outros,
como o jornal Guardian (pró-europeu) sublinham que as concessões
obtidas dos parceiros europeus, apesar de circunscritas, “podem
realmente fazer a diferença”, quer na campanha que agora se inicia
quer no futuro das relações com a UE.
A imigração lidera
as preocupações dos britânicos e Cameron conseguiu “luz verde”
para, durante sete anos, reduzir os apoios sociais aos trabalhadores
comunitários – ninguém receberá prestações ou terá direito a
habitação social à chegada. As restrições serão levantadas
progressivamente e totalmente eliminadas após quatro anos de
estadia. Os abonos de família atribuídos aos filhos dos imigrantes
que permaneçam no país de origem serão indexados ao nível de vida
local (um corte que se aplicará de forma universal a partir de
2020).
Obteve também o
reconhecimento de que o princípio da “união cada vez mais
estreita” não se aplica ao Reino Unido e que o país poderá
forçar o debate a 28 quando considerar que o reforço da integração
da zona euro prejudica os seus interesses, nomeadamente os da City –
medidas que ficarão inscritas nos tratados na próxima revisão.
“Estamos a
aproximar-nos de uma das maiores decisões que teremos de tomar no
nosso tempo de vida”, uma decisão que “diz respeito ao tipo de
país que queremos ser”, disse David Cameron, na declaração à
porta do nº10, onde pela primeira vez desde a guerra das Malvinas,
em 1982, o Conselho de Ministros se reuniu a um sábado. Na reunião,
o líder conservador levantou o blackout que tinha imposto aos
membros do seu Governo, que ficam agora livres para fazer campanha
pelo “não”.
“Eu não amo
Bruxelas. Amo o reino Unido. E sou o primeiro a dizer que a UE
continua a precisa de ser melhorada de muitas formas ”, afirmou
Cameron num piscar de olho aos cépticos. Mas assegurou que, depois
desta renegociação, o Reino Unido tem garantias de que “ficará
mais seguro, mais forte e melhor dentro de uma Europa reformada”.
George Osborne e
Theresa May, os ministros de maior peso e potenciais candidatos à
sua sucessão, assumiram a tarefa de sublinhar a importância do que
foi conseguido em Bruxelas. “Conseguimos o melhor de dois mundos”,
disse o ministro das Finanças, enquanto a titular da Pasta do
Interior, conhecida eurocéptica, afirmou que a presença na UE “é
vital” para a segurança do país.
Mas Cameron teve já
neste sábado a primeira demonstração da imensa fractura que a
campanha pode cavar no Governo e num partido, assombrado há décadas
pela Europa – foi a UE a precipitar o fim dos “reinados” de
Margaret Thatcher e John Major. Libertos das restrições, seis
ministros saíram de Downing Street directamente para a sede de uma
das campanhas pelo “não”, surgindo pouco depois nas redes
sociais atrás de um cartaz com o lema “Vamos recuperar o
controlo”.
Michael Gove, o
ministro da Justiça e um dos amigos mais próximos de Cameron,
justificou depois a “decisão mais difícil” da sua carreira, com
a desconfiança em relação a uma Europa que tem sido “fonte de
instabilidade e insegurança” e cuja instabilidade “tem
encorajado o extremismo”. “O nosso país será mais livre, justo
e próspero fora da UE”, assegura.
Cameron vai
segunda-feira ao Parlamento, pondo em marcha a engrenagem para o
referendo que prometeu em 2013. Charles Grant, fundador do Center for
European Reform, acredita que o primeiro-ministro se apresenta aos
eleitores com um acordo melhor que o esperado. “Mas a forma como
abordou a renegociação faz com que seja mais difícil fazer
campanha de forma convincente”. Depois de anos a criticar Bruxelas,
“tem agora de fazer uma estranha viragem, passando de crítico a
entusiasta da UE”.
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