Áustria
força fecho das portas aos refugiados para obrigar UE a agir
CLARA BARATA
24/02/2016 - PÚBLICO
Encerrar
a rota dos Balcãs e criar uma crise na Grécia pode forçar os Vinte
e Oito a resolver a crise dos refugiados? É nisso que está a
apostar a Áustria, que desafia a Alemanha a dizer quantos está
disposta a aceitar este ano.
No conforto dos seus
gabinetes, os dirigentes de vários países europeus debatem como
“reduzir os fluxos” de refugiados que continuam a fugir da guerra
na Síria, ou da paz podre pontuada de bombas no Afeganistão. A
Áustria convidou nove países dos Balcãs para uma reunião para
combinar como o fazer, e apresenta os resultados nesta quinta-feira,
num encontro dos ministros da Justiça e do Interior da União
Europeia. “Queremos fazer pressão sobre a UE para que seja
adoptada uma solução comum”, afirmou a ministra do Interior
austríaca, Johanna Mikl-Leitner.
A fronteira da
Macedónia com a Grécia já foi encerrada no fim-de-semana –
sobretudo para afegãos, que passaram a ser classificados como
imigrantes económicos, o que resultou mais uma vez em confrontos com
a polícia. Pelo menos 12 mil pessoas estão bloqueadas junto à
fronteira. Já durante a semana passada, a Áustria impôs um limite
diário de processamento de 80 pedidos de asilo por dia e a
autorização de 3200 atravessamentos do país a partir da fronteira
com a Eslovénia.
No ano passado, a
Áustria, um pequeno país de 8,5 milhões de habitantes, acolheu 90
mil refugiados – o equivalente a 1% da sua população, uma das
taxas mais elevadas dos membros da UE. Mas agora, o Governo –
formado por uma grande coligação esquerda-direita, ao estilo alemão
– está a ser cada vez mais pressionado por formações de
extrema-direita, e sofrer os efeitos de ter recebido um número
bastante grande de refugiados.
Tal como está a
acontecer com Angela Merkel, por ter imposto uma política de portas
abertas na Alemanha. Aliás, Viena desafia Berlim a impor também
limites: “Esperamos que a Alemanha diga se está ainda disposta a
receber refugiados e quantos, ou se já não está disposta a isso”,
declarou ao tablóide alemão Bild o chefe da diplomacia austríaca,
Sebastian Kurz. A Áustria limitou a 37.500 o número de refugiados
que receberá em 2016.
“Esperamos que a
Alemanha diga se está ainda disposta a receber refugiados e
quantos", disse o ministro austríaco, Sebastian Kurz LEONHARD
FOEGER/REUTERS
Por incentivo
austríaco, o que está acontecer já é que nas fronteiras dos
Balcãs estão a ser travadas as pessoas que são consideradas
imigrantes económicos, as que viajam sem documentos de identidade ou
que tenham feito declarações falsas. Esta é também a proposta que
a Áustria e os outros nove países (Albânia, Bósnia-Herzegovina,
Bulgária, Croácia, Eslovénia, Kosovo, Macedónia, Montenegro,
Sérvia), nem todos membros da UE, apresentam esta quinta-feira no
Conselho de Ministros do Interior e da Justiça.
A Comissão
Europeia, no entanto, já manifestou sérias reservas e está a
investigar a legalidade das movimentações austríacas: “Estamos
preocupados por alguns países estarem a agir fora do quadro
estabelecido”, disse Natasha Bertaud, uma porta-voz da comissão.
“Estamos inquietos com estes desenvolvimentos ao longo da rota dos
Balcãs e com a crise humanitária que pode produzir-se em alguns
países, em particular na Grécia”, escreveram o comissário
europeu da Imigração, Dimitris Avramopoulos, e o ministro holandês
que tem este dossier, Klaas Dijkhoff, num comunicado conjunto.
A Grécia manifestou
o seu desagrado por não ter sido feito um convite ao Governo grego
para estar na reunião dos países balcânicos com a Áustria, e
apresentou um protesto diplomático, chamando o embaixador de Viena
em Atenas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros para expressar a
sua insatisfação. “Foi um gesto unilateral e não amistoso”,
disse Atenas.
“Acho que não
percebem realmente por que é que deixámos a Síria. Em Alepo as
pessoas correm perigo. A cidade está sob bombardeamento constante.
Pode-se morrer só por atravessar a rua.”
Hasan Frnjari,
refugiado Sírio em Atenas
“Não percebem”
Os sírios também
estão a ser bloqueados e mandados para trás. Cerca de 1600 pessoas
chegaram ao porto de Pireu, em Atenas, esta manhã, vindas das ilhas
gregas próximas da costa turca, que milhares de pessoas tentam
alcançar todos os dias. Esta quarta-feira, no entanto, a polícia
tinha instruções para parar os autocarros que partiam em direcção
a Idomeni, na fronteira com a Macedónia. “Hoje ninguém vai para
Idomeni. Não sai nenhum autocarro até se saber que Skopje abre a
fronteira”, disse à Reuters Konstantinos Louziotis, responsável
pelo sector de manutenção da ordem pública no Ministério da
Imigração grego.
Hasan Frnjari, um
estudante de marketing da cidade síria de Alepo, que está sob
intenso bombardeamento russo, numa ofensiva “tudo-ou-nada” do
regime de Bashar al-Assad para reconquistar a que já foi a cidade
mais populosa da Síria, é um dos refugiados que foi apanhado nesta
outra luta, a das divisões da União Europeia.
Sob um pesado céu
cinzento, a anunciar chuva, Frnjari senta-se como muitos outros em
tendas, junto a fogueiras acesas na zona do porto de Atenas, a tentar
afugentar o frio. Disseram-lhe para ficar ali até haver novidades.
“Chegámos aqui de manhã e não sei o que fazer. Queremos
continuar até à Macedónia mas dizem-nos que a fronteira está
fechada”, contou à Reuters. “Acho que não percebem realmente
por que é que deixámos a Síria. Em Alepo as pessoas correm perigo.
A cidade está sob bombardeamento constante. Pode-se morrer só por
atravessar a rua.”
Pelo menos 102.500
pessoas chegaram às ilhas gregas desde o início de 2016, disse a
Organização Internacional das Migrações. Em 2015, só em Junho se
chegou a esse número. Quem chega vem, na maior parte dos casos, da
Síria, do Afeganistão, do Iraque – locais de guerra e privação.
E ao contrário do que se passava no Verão passado, quando 73% dos
que faziam esta viagem eram homens adultos, agora 60% dos que
procuram chegar à Europa para se porem a salvo são mulheres e
crianças, diz a UNICEF.
102.500
pessoas chegaram às
ilhas gregas desde o início do ano, em fuga de guerras e miséria
O novo
Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo
Grandi, esteve na ilha de Lesbos esta quarta-feira, e manifestou a
sua preocupação com o que vê na UE – em vez de medidas para
resolver a questão dos refugiados, há cada vez mais portas a
fecharem-se. “Estou muito preocupado com as notícias de
encerramentos crescentes das fronteiras europeias na rota dos Balcãs.
Vai criar-se ainda mais caos e confusão e aumentar o fardo da
Grécia.”
Grandi sublinhou a
necessidade de promover a recolocação dos refugiados que estão na
Grécia e em Itália – dos 160 mil que os países da UE prometeram
receber, menos de 600 encontraram novo lar noutro país, entre os
quais 30 em Portugal.
Antes pelo
contrário: o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, paladino da
política do encerramento de fronteiras aos refugiados, defendida
pelo grupo de Visegrado, anunciou esta quinta-feira que vai promover
um referendo sobre o sistema de quotas voluntárias de distribuição
dos refugiados, de acordo com a dimensão dos países e outros
critérios, defendido pela Alemanha e pela Comissão Europeia – que
resultou no número de 160 mil – e que está praticamente morto,
por falta de adesão dos países dos Vinte e Oito. Não avançou
datas, anunciou apenas que a proposta para a consulta popular foi
entregue na Comissão Nacional de Eleições.
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