OPINIÃO
O
banqueiro comunista
PEDRO SOUSA CARVALHO
26/02/2016 / PÚBLICO
Já lá vão 14
anos. Durão Barroso era ministro e Jorge Sampaio era Presidente. Um
grupo de 40 economistas, empresários e gestores leva a Belém e a
São Bento um documento com o pomposo nome de "Contributo para
um Conceito Estratégico Nacional: a Importância dos Centros de
Decisão Nacionais". Para atalhar a linguagem, resolveu-se
chamar ao documento "Manifesto dos 40". Os subscritores
eram ilustres nomes da nossa praça: Ricardo Salgado, Jardim
Gonçalves, Eduardo Catroga, Jorge Armindo, Francisco van Zeller,
Alexandre Soares dos Santos, Vítor Bento, e mais uns quantos
notáveis até perfazer os 40.
Estas personalidades
queriam a fixação dos centros de decisão das empresas em Portugal,
defendendo que o Governo não deveria tomar só em conta as razões
económicas nos processos de privatização que se avizinhavam. A
nacionalidade também tinha de contar. Na altura, Van Zeller, da CIP,
pedia que as telecomunicações, as finanças, as energias e os
recursos naturais “continuassem a ficar no nosso país”. Passou
mais de uma década e a Portugal Telecom hoje é francesa, os bancos
são de capital angolano e espanhol, a EDP é chinesa, e os recursos
naturais são de quem der mais dinheiro. E pelo meio o país entrou
em bancarrota e teve novamente de chamar o FMI.
Não sou
completamente insensível ao tema dos “centros de decisão
nacionais”. Acredito que uma Sonae ou uma Jerónimo Martins, por
terem base e capitais portugueses, possam dar preferências a
fornecedores locais, desde que o preço e a qualidade se enquadrem na
racionalidade do negócio. Também não sou fundamentalista sobre o
assunto, sobretudo quando vejo uma Autoeuropa, que é uma empresa
alemã, a fazer mais de 60% das suas compras (mais de 800 milhões de
euros) a fornecedores nacionais. Mas quando vejo o que os “centros
de decisão nacionais” fizeram à Portugal Telecom ou ao BES, já
começo a embirrar com esse conceito e a ter mais simpatia por
aqueles que falam, ao invés, da necessidade de termos “centros de
competência nacionais”.
Esta semana, Vítor
Bento, um dos principais responsáveis pela formulação teórica do
"Manifesto dos 40", voltou a ser notícia por ter dado uma
entrevista ao Diário Económico a defender a tese da manutenção da
banca em mãos nacionais, apontando uma eventual nacionalização do
Novo Banco como um passo nesse sentido.
Não concordo, mas
até percebo que se possa defender a nacionalização por uma questão
de ideologia. O PCP é a favor da nacionalização da banca porque
acha que os banqueiros são uns aldrabões, porque é contra a
propriedade privada e porque tem preconceito contra o lucro. Mas não
percebo que se defenda a nacionalização com o tal argumento
bolorento dos "centros de decisão nacionais". O BPI é de
angolanos e espanhóis e é um banco bem gerido e que contribuiu
imenso para apoiar e financiar os particulares, as empresas e o
Estado português. O Santander idem aspas, tirando a parte dos
angolanos. O BCP idem aspas, tirando a parte dos espanhóis. O BES,
que era o grande centro de decisão nacional, capotou. O Banif, com
capitais nacionais, desfez-se. E o BPP idem aspas. E o BPN idem
aspas. E assim se desmonta a utilidade da tese dos "centros de
decisão nacionais" na banca.
Para bancos públicos
já nos basta a Caixa. Todos os grandes bancos já regressaram aos
lucros em 2015, mas a CGD ainda não, porque José de Matos continua
a limpar o balanço dos créditos arriscados, manhosos,
especulativos, promíscuos e duvidosos que o banco público deu no
passado. Muitas vezes a mando do poder político.
A engenharia
financeira defendida pelos comunistas para nacionalizar o Novo Banco
até parece ser sedutora. O Fundo de Resolução pagaria de volta os
3,9 mil milhões que o Estado emprestou em Agosto de 2014, e o Estado
agarrava nesse dinheiro e comprava o Novo Banco, devolvendo o
dinheiro ao Fundo de Resolução. E como o Fundo de Resolução é
uma entidade pública, a operação “parece ser neutra do ponto de
vista contabilístico”, diz o deputado Miguel Tiago, do PCP.
Parece, mas não é. Primeiro, porque o Estado abdicaria de usar
esses 3,9 mil milhões de euros para abater à dívida pública, como
é suposto. Claro que para o PCP isso não é um problema, porque os
comunistas há muito que defendem que a dívida deve ser
reestruturada. Se não for, azar o deles, ou melhor, azar o nosso.
Depois de
nacionalizar, o Estado ficaria em mãos com um activo que agora vale
o que vale, mas que daqui a uns anos se calhar valerá bastante
menos. Nos dias que correm, o negócio da banca não é rentável e é
um grande sorvedouro de dinheiro. E o que se fará nessa altura?
Pede-se mais dinheiro emprestado, que depois o PCP tratará de
reestruturar tudo. Se não conseguir, a troika há-de vir outra vez
reestruturar a nossa vida.
A nacionalização
do Novo Banco também iria ao arrepio da lógica que a Europa e nós
próprios estamos a construir quando concordámos com a união
bancária e com a lei da resolução, que foi a de tentar separar o
risco bancário do risco soberano. Se demos um passo em frente e
aceitámos a lógica de que devem ser os outros bancos, os
accionistas, os credores e até os depositantes a assumir os riscos e
a financiar o resgate dos bancos, por que havemos nós agora de dar
dois passos atrás e colocar novamente o ónus do risco bancário no
contribuinte? Por ideologia retrógrada? Por patriotismo bacoco?
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