O
governador servido numa bandeja
MANUEL CARVALHO
21/02/2016 - PÚBLICO
Carlos
Costa, foi por estes dias transformado na lixívia do Governo.
Olhando para o mercado da política e da economia, dificilmente se
poderia encontrar alguém com melhores condições para fazer de
bombo da festa, com o qual podemos espantar receios e ansiedades.
A Europa está à
deriva e é cada vez menos a âncora à qual podemos atar as nossas
debilidades? Pois, e as falhas do regulador no caso BES? Os mercados
financeiros voltam a dar sinais de instabilidade e a colocar Portugal
na linha da frente das potenciais vítimas de juros altos? Certo, mas
olhemos para o que se passa com os lesados do BES. O Bloco e o PCP,
mas principalmente o Bloco, levam ao conhecimento dos portugueses um
caderno de exigências que ressuscita o fantasma do radicalismo tipo
Syriza e voltam a acrescentar tensão na estabilidade do executivo?
Está bem, mas Carlos Costa tem de mostrar um estudo sobre o
desempenho do Banco de Portugal para o PS saber se encontra por lá
alguns “factos graves” capazes de promover a sua substituição.
A actuação do
regulador nos dois últimos anos deixou de suscitar dúvidas até
entre os mais cautelosos e entre os que olhavam para o governador
como mais uma das vítimas de Ricardo Salgado. Tantos erros, tantas
imprecisões e o adiamento do desfecho do Banif para depois das
eleições, com um cheiro intenso de frete a Passos Coelho, demoliram
o que restava da muralha defensiva de Carlos Costa. Mas se faz
sentido discutir a sua substituição, a forma como o Governo a está
a reclamar transformou um assunto de Estado com enorme delicadeza,
até pela sua visibilidade externa, numa discussão de peixaria.
António Costa, cerebral, estratega e institucionalista vestiu a
farda de um qualquer militante socialista e despiu-se da formalidade
que se recomenda a um primeiro-ministro. Fê-lo sem dúvida por
convicção, mas também porque sabe que está sentado numa bicicleta
que se abrandar a velocidade acabará por ser derrubado ou pela
conjuntura externa, ou pela aliança interna, ou por ambos. Cada
frase contra Carlos Costa não passa por isso de mais uma pedalada na
sua marcha instável.
Uma das grandes
lições dos últimos meses da política portuguesa é que não é
boa ideia fazer previsões. Dificilmente alguém poderia acreditar
que a turbulência nos mercados financeiros internacionais pudesse
regressar com tanta evidência como nas últimas semanas. Seria
improvável que alguém viesse em Fevereiro do ano passado dizer que
Portugal vai precisar de um novo resgate ou que recuperássemos o
interesse mórbido de verificar dia a dia o comportamento das taxas
de juro da dívida. Mas esse é o pano de fundo sobre o qual o
Governo tem de actuar. Dizer que o orçamento foi a principal causa
das ameaças que pairam sobre os juros é acreditar que Portugal tem
uma influência maior no grande jogo do dinheiro do que a que
efectivamente tem. Mas negar que as trapalhadas do orçamento, do
draft voluntarista e pueril aos remoques da Comissão Europeia e do
Conselho Europeu, não contribuíram para moldar o actual clima, é
também negar a realidade.
A Europa tornou-se
por vários motivos um abcesso na estratégia de António Costa. Ele
já deve ter percebido que a sua vontade de influenciar a Europa não
passou de um idealismo adolescente. A Europa que se desfaz sobre a
pressão dos refugiados, do regresso da face infecciosa do
Estado-nação e do enfado do Reino Unido para com o projecto, não
quer ouvir António Costa e não parece disposta a aborrecer-se nem a
gastar tempo com formalidades negociais em torno das páginas da
austeridade que o Governo quer virar. O Governo manteve-se firme na
devolução de rendimentos, mas nem uma dúzia de vídeos no YouTube
bastariam para nos convencer de que o aperto desapareceu e a
austeridade acabou. Com menos margem na Europa, o primeiro-ministro
fica com menos margem em Lisboa. Entre Bruxelas e os seus aliados
informais, António Costa escolheu Bruxelas duas vezes (ao corrigir a
proposta de orçamento e ao aceitar desenhar um plano B com novas
medidas de austeridade) e ao fazê-lo abriu inevitavelmente o flanco
às críticas do Bloco e do PCP.
Criticar forte e
feio o governador do Banco de Portugal é neste cenário uma boa
forma de afagar Catarina Martins ou Jerónimo de Sousa e de apagar o
tom das ameaças que esta semana se ouviram do Bloco. Depois de
saciar os seus parceiros com as 35 horas, com o salário mínimo, com
a renacionalização da TAP, com o fim das concessões dos
transportes públicos de Lisboa e Porto, começam a faltar alimentos
políticos para os manter calmos. Zurzir em público em Carlos Costa,
criando um incidente institucional que na Europa só se vê na
Hungria ou na Turquia, é apenas mais um passo nessa estratégia.
Nem isso basta,
porém. Sérgio Godinho cantava em tempos “Pode alguém ser quem
não é?” e a pergunta tem resposta fácil quando em causa estão o
Bloco e o PCP. Não pode. Por muito que façam ginástica e pratiquem
o equilibrismo, PCP e Bloco não parecem dispostos a ser plasticina.
Não mudam porque são como são. Se o orçamento vai passar nas
próximas semanas no Parlamento, a aprovação de alterações ao
Pacto de Estabilidade e Crescimento, lá para a Primavera, vai ser
uma operação muito mais difícil. Veja-se o que diz uma resolução
do Bloco revelada esta semana pelo jornal i e perceba-se o que está
em causa: “A força da UE e a fraqueza do PS (…) potenciam
conflitos com os partidos de esquerda”; “O conflito com a UE é o
campo da disputa política que temos pela frente”; “Não
aceitamos que a Europa seja usada como álibi para mais cedências”.
Ou António Costa encontra muitos mais governadores para apaziguar a
fúria da esquerda, ou a esquerda engole estas ameaças, ou o Governo
será sustentado por uma hipocrisia que lhe vai corroer a
legitimidade. Venha o diabo e escolha.
2 – Não se
percebe o que terá levado Rui Moreira a cometer o erro de dizer que
Vigo se sente “uma salsicha fresca” e de notar que o seu
aeroporto é “miserável”. Na batalha em curso sobre a suspensão
de voos da TAP, o presidente da Câmara do Porto tinha feito tudo
bem. Tinha definido um perímetro claro do que estava em causa, tinha
usado uma linguagem simples e compreensiva, tinha delimitado as suas
exigências à natureza pública da TAP e tinha conseguido granjear
apoios um pouco por todo o país. O recurso a uma linguagem virulenta
e excessiva, ainda por cima dirigida contra a população de uma
cidade com a qual o Porto tem conseguido cimentar alianças nas
últimas décadas, foi uma nódoa no processo. Não havia
necessidade.
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