domingo, 14 de fevereiro de 2016

Porto volta a atacar: TAP vai cortar 70% da operação, acusa a autarquia / Relatórios e Contas da TAP e Portugália desmentem prejuízos nos voos do Porto e confirmam descalabro em Lisboa e no Brasil / Hainan Airlines vai financiar a TAP e ficar sua acionista. A autorização do Governo está no memorando assinado na semana passada, mas não foi divulgada

Hainan Airlines vai financiar a TAP e ficar sua acionista. A autorização do Governo está no memorando assinado na semana passada, mas não foi divulgada

MARGARIDA FIÚZA
PEDRO SANTOS GUERREIRO EXPRESSO

Os chineses da Hainan Airlines (HNA) vão ser acionistas da TAP, através do consórcio privado Atlantic Gateway, dos empresários Humberto Pedrosa e David Neeleman. A autorização do Governo está dada no memorando assinado na semana passada, de que só foi divulgada uma síntese que omite o acordo. Mas o Expresso teve acesso ao documento, onde o negócio é explícito.

Preto no branco: “O Estado português autoriza desde já a entrada no capital social da Atlantic Gateway pela HNA, em percentagem a acordar entre os acionistas da Atlantic Gateway e a HNA.” E mais: estando previsto o financiamento de €120 milhões à empresa, dos quais €30 milhões pelo Estado e €90 milhões pelo consórcio privado, “o Estado português autoriza igualmente que a HNA possa vir a subscrever diretamente parte das obrigações”, sendo que “os direitos que neste memorando de entendimento se referem à Azul se referirão à HNA”.

Ou seja, o novo dinheiro que vai ser emprestado à TAP será chinês. E como essas obrigações serão transformadas em ações, a HNA poderá ficar indiretamente com 10% a 13% da TAP, embora a proporção tenha de ser definida de forma a não pôr em causa a regra de controlo europeu.

Porto volta a atacar: TAP vai cortar 70% da operação, acusa a autarquia
RAQUEL ALMEIDA CORREIA 14/02/2016 - 14:41 (actualizado às 15:58)

Depois de uma semana de intensa polémica em redor dos voos da companhia no Sá Carneiro, levanta-se agora dúvidas sobre a legitimidade da chamada “ponte aérea”.

A Câmara do Porto não parece mesmo disposta a baixar os braços relativamente aos cortes na operação da TAP no aeroporto Francisco Sá Carneiro. Neste domingo, a autarquia lançou novas críticas à companhia, que acusa de ter cortado em 70% o número de voos na região. Acusações que surgem a poucos dias da reunião entre António Costa e Rui Moreira, marcada para quarta-feira.

Num artigo publicado no site Porto.pt, a câmara diz que a cidade “perde 70% dos seus voos TAP e o número de lugares disponíveis em rotas como Madrid ou Genebra baixa radicalmente, além de Roma, Milão, Bruxelas, Barcelona e Londres verem frequências reduzidas a zero ou parcialmente”.

A decisão de reestruturar a operação no aeroporto Francisco Sá Carneiro foi tomada depois de a transportadora aérea ter sido vendida, pelo anterior governo PSD/CDS, ao consórcio Atlantic Gateway, de Humberto Pedrosa e David Neeleman. E tem causado muita controvérsia, sobretudo desde que o executivo de António Costa alterou as condições da venda, acordando com os privados que o Estado passará a ter 50% do capital (e não os actuais 39%).

O texto publicado pela autarquia liderada por Rui Moreira aprofunda, em especial, a situação da PGA e da chamada “ponte aérea” que a TAP vai iniciar entre Lisboa e Porto, no próximo dia 27 de Março. Serão voos de hora a hora, operados pela TAP Express, a antiga PGA, mas também com recurso a aviões e tripulações da White (grupo Omni). A TAP, que já recorria ao fretamento de dois aviões da White, subirá agora a fasquia para oito ATR, aviões com maior capacidade que vêm substituir os ATR mais antigo e alguns Embraer.

“A Portugália [PGA] custou ao Estado 140 milhões de euros, pagos há oito anos ao BES. Desaparece a 27 de Março e os seus voos serão entregues à privada White sob a designação TAP Express e sem qualquer capital público envolvido”, começa por afirmar a Câmara Municipal do Porto.

“Os voos que a TAP anunciou recentemente pretender suprimir a partir do Porto, bem como alguns outros que a TAP não comunicou mas que também vai suprimir ou onde vai baixar o número de lugares disponíveis, são quase todos operados pela Portugália”, lê-se no site Porto.pt.

Mas o documento vai mais longe, analisando o negócio de venda da PGA à TAP e as condições impostas na altura pela Autoridade da Concorrência para que este se realizasse. Por entender que poderia estar em causa uma concentração com risco de posição dominante, o regulador obrigou a companhia de bandeira ceder slots aos concorrentes no trajecto Porto-Lisboa, Lisboa-Funchal e Porto-Funchal. Além disso, a TAP assumiu o compromisso de não aumentar o número de frequências oferecidas entre Lisboa e Porto por um determinado período de tempo”, relembra a autarquia, juntando os anexos que comprovam a existência destas obrigações.

“A Autoridade da Concorrência estava, por isso, preocupada com a concentração da operação na rota Porto-Lisboa. Ou seja, estava preocupada com a possível criação de uma ‘ponte aérea’”, refere.

Em Outubro de 2015, o regulador aprovou a privatização da TAP, considerando que "nenhuma das partes adquirentes tem actividade nas rotas aéreas que a TAP opera, nem existe o risco de eliminação de concorrência potencial sobre a TAP nas rotas para o Brasil".

Mas, como lembra a autarquia, o regulador “não analisou as alterações anunciadas em Janeiro por Fernando Pinto [presidente da TAP], que estarão em vigor em 27 de Março e que podem representar uma distorção objectiva e completa ao mercado de aviação civil em Portugal, com uma enorme concentração de operação num só operador que, anteriormente, nem sequer tinha qualquer voo regular no mercado doméstico: a White”. A mesma empresa cujos aviões “têm origem na brasileira Azul [de David Neeleman], em regime de locação”, acrescenta.

Para a câmara liderada por Rui Moreira, “o desaparecimento da Portugália e sua substituição pela TAP Express não foi, pois, uma mera operação de marketing ou de mudança de naming, mas a verdadeira transmissão para uma terceira parte, uma fatia considerável da operação aérea comercial em Portugal, nomeadamente, 16 voos diários entre o Porto e Lisboa”.

“Toda esta operação, que antes estava na esfera pública e passou agora a ser operada por privados, não está, por isso, incluída no controlo do Estado, nem sequer a 50%, se a reversão parcial da privatização foi concretizada, como anunciou o Governo. Foi, por assim dizer, uma espécie de subconcessão, mas cujas regras e contornos não foram públicos”, sublinha.

O texto termina com a promessa de que a autarquia não vai parar por aqui. “Esta investigação (…) continuará nos próximos dias, com a apresentação dos números reais que nunca foram assumidos pela TAP e que representam um impacto negativo para o Porto muito superior ao que, até agora, se julgava existir”. Recorde-se que, no final da semana passada, a companhia enviou um documento a associações do Norte em que justificava o encerramento de rotas com prejuízos de oito milhões de euros.

O texto publicado no Porto.pt surge a poucos dias de António Costa receber em Lisboa o presidente da Câmara do Porto, depois de Rui Moreira ter pedido uma audiência urgente com o primeiro-ministro para debater a situação da TAP. O encontro está agendado para quarta-feira, ainda sem hora fechada.


Contactada pelo PÚBLICO, a TAP preferiu não fazer comentários.

Relatórios e Contas da TAP e Portugália desmentem prejuízos nos voos do Porto e confirmam descalabro em Lisboa e no Brasil

O Porto.pt teve acesso aos relatórios de contas dos últimos oito anos da Portugália e apurou que a companhia não apenas é lucrativa como a sua operação e procura são sustentáveis, contrariando a ideia de que os voos descontinuados no Porto eram deficitários. Ao contrário da operação da TAP, centrada no "hub" em Lisboa, que em 2016 deu 46 milhões de euros de prejuízo. Muito graves são os resultados das empresas brasileiras do Grupo, criadas pelo ainda presidente da comissão executiva da empresa. Só a TAP - Manutenção e Engenharia do Brasil perdeu mais de 22 milhões de euros em 2014, que elevaram os prejuízos do grupo para 85 milhões de euros nesse ano.
As empresas de manutenção da TAP no Brasil somam centenas de milhões de euros de prejuízos, consecutivamente desde a sua criação. O Porto.pt tentou consultar o relatório e contas desta empresa brasileira, detida pela TAP, agora 50% pública, depois da reversão operada pelo atual Governo, mas o site da empresa de manutenção? estava em manutenção.
Apesar dos enormes prejuízos no Brasil, que contribuíram para um endividamento público superior a mil milhões de euros, a TAP nunca abandonou o negócio naquele país.
Recorde-se que a TAP alegou prejuízos de oito milhões de euros nos quatro voos operados pela Portugália para justificar o seu cancelamento, mas aumentou a operação em Lisboa, onde os prejuízos sobem, tal como no Brasil.
Os argumentos da TAP são, de resto, contrariados pelo Relatório e Contas da PGA Portugália, que lhe apresentamos, já que a companhia também não o tem publicado no seu site, como é boa prática de empresas detidas por capitais públicos. Segundo os relatórios dos últimos oito anos, a que tivemos acesso, a PGA dá normalmente lucro, que em 2013 foi superior a cinco milhões de euros e em 2012 tinha sido de mais de 10 milhões.
É certo que em 2014 a empresa, que operava as rotas que a TAP quer descontinuar no Porto e que, praticamente, faz a maioria da operação TAP na Invicta, apresentou um prejuízo marginal, inferior a um milhão de euros, mas o relatório e contas não atribui as culpas à rentabilidade dos voos, bem pelo contrário. "No ano de 2014, verificou-se uma ligeira redução na operação de 0,1% face ao homólogo", pode ler-se no documento que explica as razões: "Tendo em linha de conta as greves verificadas e o impacto dos cancelamentos por motivos técnicos".
Mas o relatório vai mais longe, explicando que "a redução só não foi mais significativa devido à forte procura". Mais à frente, o documento assinado também por Fernando Pinto (identificado como FSP, atribui as culpas também aos "cancelamentos que ocorreram no período do Verão", que significaram uma penalização de 4 milhões de euros. Esta penalização foi imposta pela TAP. Ou seja, a operação dos voos Portugália, entre os quais os quatro em causa, é rentável e possível e, globalmente, os voos operados pela companhia que mais voava na Invicta dentro do Grupo TAP, eram sustentáveis.
Em nenhum momento, o extenso relatório refere prejuízos ou perdas em voos no Porto ou sequer na operação que, não fossem as greves ou os problemas oriundos da TAP, teria apresentado em 2014 lucros superiores aos de 2013, continuando a senda dos bons resultados que foi apresentando. No acumulado dos últimos três anos, a Portugália, que opera cada vez no Porto, ofereceu 14 milhões de euros de lucro ao Grupo TAP.
As greves são, aliás, justificação, também, para os prejuízos da TAP, no seu próprio relatório e contas e no relatório do Grupo, onde são consolidadas as contas de todas as participadas, incluindo a Portugália. Em nenhum momento se fala de problemas de rentabilidade de voos, em qualquer relatório.
Contudo, já em 2015 a situação da TAP agravou-se e, segundo a Agência Lusa, no final do primeiro semestre de 2015, apresentava resultados negativos da ordem dos 109,6 milhões de euros na operação cada vez mais centrada no "hub" de Lisboa.
No relatório de contas consolidadas do grupo, os resultados negativos eram também justificados com "razões de mercado" e " é ainda referido o facto de a administração da transportadora ter optado, por questões estratégicas, por colocar dois aviões de reserva, um deles no Brasil".
Fernando Pinto, citado pelo jornal Dinheiro Vivo a 26 de março de 2015, justificava os maus resultados da empresa que administra com "22 dias de greves, fretamentos de aviões, atraso no recebimento de seis aeronaves encomendadas para o verão, problemas técnicos e indemnizações a passageiros foram o cocktail que levou a TAP a registar prejuízos". Em momento algum nas suas inúmeras entrevistas, alguma vez referiu a operação no Porto ou os resultados da Portugália como culpados do desastre financeiro em que a empresa se encontra.
TAP TRANSPORTARÁ MENOS MEIO MILHÃO DA EUROPA PARA O PORTO NO PRÓXIMO VERÃO
Como ontem demonstramos no artigo aqui publicado, a questão da PGA - Portugália, sua integração no Grupo TAP e o seu desaparecimento enquanto marca, abrindo a porta à existência da marca TAP Express é crucial para se compreender o abandono do Aeroporto do Porto por parte da companhia de bandeira portuguesa. Como já se disse, a PGA, que pertencia ao Grupo BES, passou a ser detida a 100% pela TAP em 2007, depois de ter sido adquirida pelo Estado através de uma sociedade especialmente criada para o efeito. Era a Portugália quem operava os voos entre o Porto e várias cidades europeias que serão descontinuados a partir de 27 de março.
Esses voos ligavam o Porto a Roma, Barcelona, Bruxelas e Milão (várias frequências). Mas, além destes, serão também descontinuadas ligações ou reduzido o número de passageiros para outros aeroportos europeus, como Londres, Madrid ou Genebra.
Essa política de redução da operação e passageiros é muito mais significativa do que possa parecer nos singelos anúncios da companhia, já que a TAP não diminui apenas o número de rotas e voos, mas a capacidade de transportar passageiros, pela substituição dos Airbus da TAP pelos Embraer e Fokker da Portugália em quase toda a sua operação a partir do Aeroporto Sá Carneiro.
Esta política de desvalorização do Porto, levou a TAP a reduzir o número total de passageiros transportados ao longo dos últimos anos de forma significativa. De uma quota de mercado de 40% em 2009, passou para menos de 20% em 2015, o que, face aos mais de oito milhões de passageiros processados no Porto, representa cerca de 1,5 milhões de passageiros TAP.
COMPANHIAS EUROPEIAS APROVEITAM PARA OCUPAR ESPAÇO NO PORTO
Ora, se atentarmos aos números fornecidos pela IATA, organização internacional que faz a reserva do espaço aéreo, na temporada que se inicia a 27 de março, haverá uma drástica redução de passageiros transportados pela TAP para a Europa e para outros destinos, se excetuarmos Lisboa, que será operada, num sistema de "ponte-aérea" pela White.
Tomando por base uma semana típica de julho, e retirando das estatísticas os voos operados pela White para a TAP entre o Porto e Lisboa, vemos que as ligações do Porto ao resto da Europa sofrerão uma redução drástica de oito mil lugares disponíveis nos aviões da companhia portuguesa, na comparação com a mesma semana de 2015, ano em que a TAP já tinha reduzido a operação de forma significativa. Só se juntarmos os lugares disponíveis nos voos da ponte aérea para Lisboa conseguiremos atingir um número semelhante de passageiros.
A extrapolação destes números representa cerca de 500 mil passageiros a menos transportados pela TAP para a Europa e para o Mundo a partir do Porto. Ou seja, a TAP reduzirá cerca de 33% a sua capacidade de transporte de passageiros diretamente para o Porto. Os outros 500 a 600 mil, terão que chegar via Lisboa e, além dos voos diretos para a capital, apanhar, depois, a ponte aérea para o Porto, num dos ATR a hélice operados pela White.
AEROPORTO DO PORTO PODE ULTRAPASSAR OS NOVE MILHÕES APESAR DA TAP
Refira-se que, segundo os números IATA, todas as companhias que voam para o Porto têm previsto aumentos significativos de frequências e número de passageiros para o Aeroporto Sá Carneiro e muitas delas iniciam mesmo novas ligações.
Só a Ryanair tem previsto um aumento de quase quatro mil passageiros por semana, compensando metade da perda da TAP e a Lufthansa quase três mil. A EasyJet adquiriu já o direito a transportar para o Porto cerca de mais cinco mil passageiros por semana, relativamente a 2015, a Turkish Airlines cresce quase dois mil passageiros por semana, a British Airways mais 1.500 e quem mais cresce é a francesa Transavia, com mais nove mil passageiros do que em 2015. Esta companhia terá, na altura do Verão, 23 voos semanais para Paris/Orly. Igualmente a crescer está a Vueling, com quase mais seis mil passageiros por semana.
Só a SATA diminui também a sua frequência, com menos mil passageiros por semana do que em 2015.

A atingirem-se os números máximos e extrapolando para o ano, pode concluir-se que o Aeroporto do Porto tem condições, em 2016 para ultrapassar os nove milhões de passageiros processados, depois de em 2015 ter atingido pela primeira vez oito milhões. Ou seja, um crescimento a dois dígitos, depois de ter registado um aumento de 17% de passageiros em 2015.

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