sábado, 20 de fevereiro de 2016

Misericórdia despeja comerciantes na Baixa de Lisboa / Baixa de Lisboa está "na iminência de ficar sem comércio"

Misericórdia despeja comerciantes na Baixa de Lisboa
JOSÉ ANTÓNIO CEREJO 19/02/2016 - PÚBLICO

Santa Casa vai despejar um conjunto de lojas na Baixa para fazer obras em cinco edifícios. Comerciante dizem que todos eles se destinam a fins turísticos. Instituição garante que não.

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), na sua qualidade de senhoria, vai “mandar para rua” várias lojas da Baixa, algumas delas centenárias e integradas no programa municipal Lojas com História, acusou esta quinta-feira a União de Associações do Comércio e Serviços (UACS). Os donos destes estabelecimentos, instalados em cinco edifícios de que a Misericórdia é proprietária, foram informados esta semana de que terão que fechar a porta até 30 de Junho.

Em comunicado, a UACS afirma que a SCML já tem a aprovação da Câmara de Lisboa para transformar os edifícios que possui naquela zona em unidades de Alojamento Local. Nesses prédios, diz a associação, todas as lojas antigas terão de encerrar, uma vez que a lei do arrendamento em vigor permite aos senhorios denunciar unilateralmente os contratos com os comerciantes.

Tal como a UACS suspeitava, lê-se no comunicado, “ao fim de cinco anos da entrada em vigor do novo regime do arrendamento urbano, as denúncias unilaterais estão a acontecer, podendo verificar-se o encerramento de milhares de empresas do comércio, o que poderá ter como consequência a desertificação dos centros históricos das cidades no longo prazo”.

A presidente desta organização, Carla Salsinha, disse ao PÚBLICO que os comerciantes estão “desencantados, indignados e perplexos” com o facto de “uma instituição com a responsabilidade cívica e social da Santa Casa, que devia dar o exemplo, estar a fazer despejos unilaterais”. A SCML, acrescenta, “nem sequer aceita negociar com os empresários” a possibilidade de aumentar as rendas e viabilizar a reabertura das lojas após a realização das obras.

A Misericórida começou esta semana a chamar os inquilinos, que são apenas comerciantes e responsáveis dos escritórios que ocupam alguns andares, para lhe comunicar que irão receber dentro de dias a notificação formal para sairem até ao fim de Junho. Alguns deles disseram ao PÚBLICO que estão ali há mais de cinquenta anos, pelo menos num caso há mais de cem, e que têm feito importantes investimentos nas lojas, enquanto que a Misericórdia se limitou a deixar degradar os imóveis nas últimas décadas.

Carla Salsinha diz que os comerciantes não têm nada contra os hotéis e similares que “estão a proliferar como cogumelos na Baixa”, mas defende que a Câmara de Lisboa devia impôr aos promotores a obrigação de garantir a permanência de uma “quota” de comércio em cada quarteirão. “Não podemos permitir que a cidade seja descaracterizada, ficando apenas com hotéis para ver”. E qual será o destino de todos estes equipamentos hoteleiros “quando acabar o boom turístico?” pergunta a presidente da UACS.

O objectivo imediato das associações, salienta, é convencer o Governo e a Assembleia da República a aprovarem uma “alteração cirúrgica” à lei do arrendamento que impeça “o despejo unilateral dos comerciantes”.

Contrariamente ao que afirma a UACS, a Misericórdia assegura que nenhum dos cinco edifícios que possui na Baixa vai ser transformado por forma a colher unidades de alojamento turístico. A instituição não respondeu a uma pergunta do PÚBLICO sobre o número de lojas que serão despejadas, mas disse que já tem os projectos aprovados pela câmara para a reabilitação de dois prédios na R. da Prata, um na R. dos Douradores e outro na Rua Augusta.

Para dois deles estão previstos usos de comércio e habitação, enquanto que nos outros dois haverá comércio, habitação e escritórios. O quinto edifício, situado na R. dos Sapateiros ainda não tem projecto aprovado, mas o espaço está destinado à “instalação de uma creche”, nada acrescentando quanto a outros usos que o imóvel venha a ter.

A SCML acrescenta que investirá nos cinco prédios cerca de cinco milhões de euros. Quanto ao comunicado da UACS, limita-se a afirmar que, em relação aos arrendamentos comerciais e de serviços existentes, “serão cumpridos os mecanismos legais aplicáveis, nomeadamente o Código Civil e o Regime Jurídico da Obras em Prédios Arrendados”.

Baixa de Lisboa está "na iminência de ficar sem comércio"

O alerta é lançado pela união de associações do sector, que reclama da atual lei do arrendamento. CML diz que está tudo bem

18 DE FEVEREIRO DE 2016 DN / LUSA

A União de Associações do Comércio e Serviços (UACS) defendeu hoje que a Baixa de Lisboa está na "iminência de ficar sem comércio", situação que atribui à lei do arrendamento e à utilização dos edifícios para alojamento local.

"A grande sala de visitas da cidade de Lisboa, a Baixa, está na iminência de ficar sem comércio. O comércio da Baixa e em toda a cidade de Lisboa está a ser substituído por equipamentos hoteleiros que proliferam como cogumelos", sustenta a UACS, em comunicado.

De acordo com esta entidade, "a lei do arrendamento permite aos senhorios não negociarem sequer com os seus inquilinos uma proposta de alteração do valor da renda, enviando-lhes apenas uma carta a manifestar o seu interesse em não 'renovar' o contrato de arrendamento", o que facilita os despejos de lojas históricas.

A UACS relata o caso de cinco prédios com estabelecimentos antigos cujo senhorio está a realizar despejos "para os transformar em alojamento local, obras essas que já se encontram aprovadas pela Câmara, mandando assim para a rua lojas centenárias".

Segundo a UACS, após cinco anos da entrada em vigor do Novo Regime do Arrendamento Urbano, "as denúncias unilaterais estão a acontecer, podendo vir a verificar-se o encerramento de milhares de empresas do comércio, que poderá ter como consequência a desertificação dos centros históricos das cidades no longo prazo".

Câmara recusa esta ideia

Confrontado pela agência Lusa com estas denúncias, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina (PS), recusou que esta zona da cidade esteja a ficar sem comércio.

"Não vi o comunicado, nem me quero pronunciar sobre ele, [mas] acho que a cidade de Lisboa está a viver um momento muito positivo de reabilitação e a Baixa é um excelente exemplo disso", referiu.

O autarca acrescentou que "a Baixa hoje tem um processo de recuperação do edificado, de prédios, de lojas, que não conhecia há décadas".

"Nós, há 10 anos, discutíamos os riscos de desertificação da baixa e hoje estamos [...] com um forte dinamismo na reabilitação urbana e é por aí que devemos continuar", insistiu.

Ainda assim, Fernando Medina defendeu a "preservação daquilo que são elementos autênticos e característicos da cidade", sem o confundir com um "processo de imobilismo".

O autarca falava à margem da reabertura oficial da pastelaria Mexicana, na Praça de Londres.

As obras de remodelação deste estabelecimento, que já conta com 70 anos de história, duraram oito meses, num investimento superior a dois milhões de euros por parte do novo administrador.

A requalificação incluiu o restauro de um painel cerâmico de Querubim Lapa, datado de 1962.

O artista revelou à Lusa estar "muito satisfeito" por este quadro se manter "como foi feito".


Já falando sobre a Mexicana, o artista sublinhou que "é preciso que estes estabelecimentos possam perdurar muito tempo", lamentando, contudo, que "entretanto já tenham desaparecido muitos", como a Loja das Meias (no Rossio) e a loja Rampa (no Largo Rafael Bordalo Pinheiro).

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