Da
hipocrisia na política europeia e portuguesa
(Nicolau Santos, in
Expresso Diário, 15/02/2016)
Se
por estes dias os mercados têm estado altamente instáveis e em
baixa, em contrapartida a hipocrisia política tem estado em alta. Um
alemão, um holandês, um irlandês e um português, todos com
elevadas responsabilidades, são a prova disso.
O alemão chama-se
Wolfgang Schauble, é ministro das Finanças e a personalidade que
verdadeiramente manda no Eurogrupo com mão de ferro. Na última
semana, Schauble entendeu pronunciar-se duas vezes sobre a situação
portuguesa. Num dia afirmou que “Portugal deve estar ciente de que
pode perturbar os mercados financeiros se der impressão de que está
a inverter o caminho que tem percorrido. O que será muito delicado e
perigoso para Portugal”. No dia seguinte voltou à carga: “Portugal
tem de fazer tudo para responder à incerteza nos mercados
financeiros”. E acrescentou que Portugal ainda não tem
“resiliência”.
Ora Portugal não
terá resiliência e pode estar a inverter (pouquinho) o caminho
austeritário que vinha trilhando. Agora imputar responsabilidades a
Portugal pela perturbação dos mercados financeiros parece um
bocadinho exagerado, sobretudo quando o maior e mais importante banco
alemão, o Deutsch Bank, está no centro de uma brutal crise, que
levou a que as suas ações perdessem 50% do seu valor entre agosto
de 2015 e a atualidade; que existam sérios rumores de que o banco
está com dificuldades em pagar os cupões de obrigações
contingentes convertíveis; que tenha registado prejuízos de 6,8 mil
milhões em 2015, o que não acontecia desde 2008; que tenha 1,2 mil
milhões em ações de litigância no ano passado e que isso vá
continuar por estar acusado de envolvimento na manipulação da taxa
Libor e de suspeitas de fuga ao fisco; e de não estar a gerar
resultados para pagar dividendos.
Sobre este “pequeno”
problema, Wolgfang Sachauble disse simplesmente: “Não, não tenho
receios em torno do Deutsch Bank”. Não, verdadeiramente o problema
dos mercados e de Schauble é Portugal – e não um banco alemão
que tem um papel central na Alemanha, a economia mais poderosa da
zona euro, tão central que não existe comparação a nível
mundial.
Provavelmente há
uma relação umbilical: com mercados em baixa, a hipocrisia política
está em alta. Quatro exemplos: Wolfgang Schauble, Jeroen
Dijsselbloem, Enda Kelly e Pedro Passos Coelho
O holandês chama-se
Jeroen Dijsselbloem, é ministro das Finanças do seu país e
presidente do Eurogrupo. Consta que é socialista, mas disfarça
bastante bem. Tem sido dos mais duros com os países do sul, em
particular com a Grécia e agora com Portugal. É dos que mais
combate a ideia de que possa haver uma alternativa à receita seguida
de cortes em salários, pensões e no Estado social para enfrentar a
crise. E no entanto, Jeroen, tão implacável com os mais fracos, tem
prosseguido de forma metódica a consolidação da Holanda como um
paraíso fiscal, onde estabelecem a sua sede fictícia as empresas
dos países periféricos para aí pagarem impostos muito reduzidos
dos lucros que obtêm nos seus mercados de origem, enfraquecendo
ainda mais, do ponto de vista da receita fiscal, esses países. Mas
sobre isto, não se ouve um pio do histérico Jeroen.
O irlandês chama-se
Enda Kelly, é o atual primeiro-ministro, e está em plena campanha
eleitoral, liderando uma aliança entre o Fine Gael e o Partido
Trabalhista. O problema de Kelly é que as intenções de voto na sua
coligação andam na casa dos 36%, longe dos 44% necessários para
obter uma maioria absoluta. Kelly teme assim o que aconteceu em
Portugal e está a acontecer em Espanha, no que toca às soluções
governativas pós-eleitorais. E vai daí nada melhor do que apontar o
dedo para aqui, gritar que somos um mau exemplo e que Portugal está
a pagar um preço elevado – que classificou como “horrendo” –
devido à instabilidade política que se terá instalado no país na
sequência das eleições de outubro passado. “Não queremos ser
como Portugal”, afirmou. E, claro, a luta é entre a estabilidade
(Kelly) ou o caos (a oposição). A solidariedade europeia é
desvanecedora.
Finalmente, por cá
há um patriota a quem a possibilidade de investidores chineses
entrarem no capital da TAP está a incomodar fortemente. Chama-se
Pedro Passos Coelho e afirma: “não sabemos de que maneira é que o
interesse público está definido e defendido.” Por acaso este
Pedro Passos Coelho é o mesmo que foi primeiro-ministro de Portugal
entre 2011 e 2015. Por acaso foi durante o seu consulado que a
empresa pública chinesa China Three Gorges se tornou o maior
acionista da EDP; que a chinesa State Grid se tornou, com 25% das
ações, a maior acionista da REN – Rede Elétrica Nacional; que o
grupo chinês Haitong comprou o BESI; que o grupo privado (?) chinês
Fosun comprou a Fidelidade e a BES Saúde, hoje Luz Saúde…
Felizmente, nessa
altura, Passos Coelho sabia muitíssimo bem de que maneira é que o
interesse público estava definido e defendido. É uma pena que não
tenha decidido partilhar essa definição e essa defesa com os seus
concidadãos. Mas, claro, este caso da TAP é gravíssimo.
Enfim, provavelmente
há uma relação umbilical: com mercados em baixa, a hipocrisia
política está em alta.
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