Praça
das Flores, uma jóia de Lisboa, vai mudar de figura
Lisboa
vai ter um pequeno edifício de habitação projectado por Souto de
Moura. A sua aprovação pelo vereador do Urbanismo contrariou
pareceres dos seus serviços
José António Cerejo /
21-2-2016 / PÚBLICO
O vereador do
Urbanismo da Câmara de Lisboa, Manuel Salgado, aprovou em Julho um
projecto do arquitecto Souto de Moura que vai romper a homogeneidade
de um dos mais apreciados espaços públicos da cidade — a Praça
das Flores, entre São Bento e o Príncipe Real. “A arquitectura,
como qualquer das outras artes, tem esta espantosa característica
de, perante uma intervenção, podermos ter vários olhares e todos
eles válidos.” Foi assim que o director municipal de Urbanismo
justificou a proposta de aprovação, rejeitando o indeferimento
defendido pelos seus serviços.
O projecto assinado
por Souto de Moura, o segundo português a ser galardoado com prémio
Pritzker, a seguir a Álvaro Siza Vieira, assemelhase fortemente a um
outro do mesmo autor já construído na Rua do Teatro, no Porto.
Trata-se, no caso de Lisboa, de um edifício de habitação de cinco
pisos, cuja construção obrigará a demolir o prédio de rés-do-chão
e primeiro andar, com águas-furtadas, actualmente existente.
De acordo com a
memória descritiva do projecto, o edifício a demolir encontra-se
“em elevado estado de degradação” e “é dissonante da
envolvente, não tendo qualquer tipo de classificação oficial e não
representando nenhum testemunho importante da história da
Arquitectura Portuguesa”. Já o edifício aprovado pela câmara
terá, nas palavras de Souto de Moura, “uma linguagem
arquitectónica actual, fazendo a ligação com a escala dos
edifícios vizinhos, através da diferenciação entre os dois
volumes propostos, com diferente largura, altura e profundidade dos
vãos”. O arquitecto acrescenta que “também o material de
ensombramento, lâminas de alumínio e tela de rolo exterior se
propõe diferenciado para garantir uma inserção com a escala da
rua”. Exteriormente, para lá do vidro e do alumínio, os materiais
mais visíveis serão os perfis de ferro que revestirão a estrutura
de betão armado e que “tentam recuperar as varandas metálicas do
século XIX”.
Serviços queriam
indeferir
Contrariamente ao
autor do projecto, a apreciação do Departamento de Projectos
Estruturantes da câmara sustenta que o prédio existente não
representa qualquer dissonância, mas que esta será introduzida pelo
edifício proposto. “Não estando em causa a qualidade do projecto
apresentado, com volumetria e altura de fachada que não ultrapassam
a média das alturas da frente edificada, considera-se que o desenho
proposto para o alçado, o último piso recuado, as dimensões e
características dos vãos e dos dispositivos de ensombramento, assim
como as varandas reentrantes, não possuem qualquer relação com a
linguagem arquitectónica dos edifícios confinantes, nem referências
nas composições arquitectónicas dominantes no conjunto da Praça
das Flores em termos morfológicos e tipológicos”, lê-se na
informação que obteve a concordância do chefe de divisão e do
director de departamento.
De igual modo, os
serviços camarários divergem de Souto de Moura, quando este afirma,
para defender a demolição do actual edifício (n.ºs 10 a 12), que
ele não tem “nenhuma característica morfológica ou elemento
singular que o distinga”. Pelo contrário, defendem a arquitecta
autora da informação e as chefias intermédias. O edifício em
questão “possui características arquitectónicas com relevância
tais como a composição simétrica, a trapeira com grande presença,
o beirado à portuguesa, os cunhais de pedra, os vãos de sacada com
varanda, etc., que garantem uma integração equilibrada no conjunto
homogéneo das edificações que definem urbanisticamente a Praça
das Flores”.
A nova construção
ocupará não só a área do edifício a demolir (157 m2), mas também
o pequeno logradouro anexo, separado do passeio por um muro com duas
falsas portas emparedadas, sendo o rés-do-chão afecto à entrada e
garagem. Nos pisos superiores será criado um T1 e dois T2.
Avaliando
globalmente o projecto, a técnica responsável pela sua apreciação
concluiu que, “não se questionando a contemporaneidade e o
interesse da solução proposta, com capacidade para se relacionar e
qualificar outros contextos urbanos, não se consideram reunidas as
condições para a valorização arquitectónica e urbanística da
área e do conjunto edificado em que se integra, contrariando-se o
disposto no n.º 1 do art.º 42.º do Plano Director Municipal”. De
acordo com este preceito do PDM, “as obras de construção,
ampliação e alterações têm que se enquadrar nas características
morfológicas e tipológicas dominantes no arruamento em que o
edifício se localiza e contribuir para a respectiva valorização
arquitectónica e urbanística”.
Atendendo não só a
este incumprimento, mas também a outros relativos a alinhamentos de
pisos e vãos com os edifícios confinantes, ocupação do logradouro
e requisitos da admissibilidade de demolições, a mesma técnica
propôs a não aprovação, obtendo a concordância dos seus
superiores imediatos.
Já o director
municipal de Urbanismo, Catarino Tavares, no topo da hierarquia, vê
a questão por outro prisma, estribando-se exactamente no mesmo n.º
1 do art.º 42.º do PDM, e noutros em que os seus serviços basearam
a proposta de indeferimento, para propor a aprovação. “É uma
solução interessante e original em intervenções recentes, que se
socorre de uma tipologia pouco comum mas conhecida da cidade;
enquadra-se na volumetria da praça; constitui uma valorização
arquitectónica e urbanística.
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