António
Lamas não se demitirá do CCB: "Não está na minha natureza"
LUCINDA CANELAS
25/02/2016 - PÚBLICO
O
presidente do CCB reage à decisão do Governo de acabar com a
estrutura de missão que criou o plano estratégico para Belém. E
diz que a casa que dirige tem de depender menos do Estado e precisa
de um director de programação.
Nasceu na Rua da
Junqueira, na casa onde ainda hoje vive. Esteve envolvido na criação
de um plano de salvaguarda para a área Belém-Ajuda na década de
1980 e no lançamento do Centro Cultural de Belém (CCB), inaugurado
em 1993. Hoje António Lamas é o seu presidente. Alguns diriam, na
sequência das declarações do ministro da Cultura, João Soares,
numa entrevista recente ao semanário Expresso, que “ainda” é o
seu presidente.
Depois de o Governo
socialista ter decidido extinguir a Estrutura de Missão da
Estratégia Integrada de Belém, chefiada por Lamas e encarregada
pelo anterior Governo de coligação PSD-CDS de criar um plano
cultural para esta zona nobre da cidade, João Soares deu a entender
que esperava um pedido de demissão do presidente do CCB. Um pedido
que, segundo o adjunto do ministro da Cultura, Horácio Vale César,
ainda não chegou. Um pedido que, segundo António Lamas, não
chegará.
“Não me demito
quando acredito em alguma coisa. Não está na minha natureza. E eu
acredito que o CCB tem capacidade para gerar mais receita e depender
menos do Fundo de Fomento Cultural, acredito que pode ganhar públicos
e ser mais importante do que é hoje para a cidade e para o país”,
disse ao PÚBLICO António Lamas esta quarta-feira, dia em que foi
publicada em Diário da República a resolução do Conselho de
Ministros de 18 de Fevereiro que extingue a equipa por ele chefiada e
que tinha por objectivo criar uma estratégia capaz de harmonizar a
gestão de museus, palácios, jardins, monumentos e outros
equipamentos pertencentes a diversas entidades públicas e privadas
de Belém. “Mas também sei que os lugares que exerço não me
pertencem. São públicos. E cabe a quem de direito decidir quem os
ocupa”, acrescentou, fazendo questão de sublinhar que não
pertence a nenhum partido, que não tem nem nunca teve ambições
políticas e que já foi nomeado para cargos públicos por governos
PS e por governos PSD ou de coligação (PSD-CDS).
Do Ministério da
Cultura a resposta às perguntas do PÚBLICO chegou por email e deixa
antever um afastamento do presidente do CCB: “Apesar de António
Lamas ter associado, em declarações públicas, a permanência nas
suas funções à implementação do chamado 'Eixo Belém-Ajuda' e de
este projecto ter sido revogado no Conselho de Ministros da semana
passada, o ministro da Cultura não recebeu qualquer pedido de
demissão ou indicação de colocação do lugar à disposição.
Tendo em conta a sua pública reprovação do referido plano, o
ministro agirá em conformidade com a lei.”
Na referida
entrevista, João Soares defendera já que as ideias de Lamas e da
sua equipa para aquela que é a zona monumental mais visitada do país
eram “um disparate total”, que tinha já sido gasto “dinheiro à
fartazana” a propósito do plano para o eixo e que não podia
aceitar que, em todo o processo, a Câmara Municipal de Lisboa,
presidida pelo socialista Fernando Medina, não tivesse sido ouvida.
“Quem fez isto devia tirar as devidas consequências”,
acrescentara.
Sem querer entrar no
jogo das respostas directas ao ministro, o presidente do CCB refuta,
no entanto, algumas das acusações: “Reconheço a total
legitimidade do Governo para extinguir a estrutura de missão, mas
não aceito a crítica, injusta, de que o plano que ela propõe tenha
sido feito sem ouvir a autarquia”, diz Lamas, 69 anos, escusando-se
a nomear os técnicos e vereadores com quem se reuniu, ou com quem se
reuniram elementos da sua equipa. Precisa, no entanto, que no
decorrer dos trabalhos chegou a haver contactos, inclusive, entre o
anterior Governo e a câmara.
“Eu próprio me
reuni com vereadores. A câmara aparece citada de duas em duas
páginas [na proposta de Plano Estratégico Cultural da Área de
Belém, publicada numa brochura de 35 páginas]. Alguém imagina que
se pudesse pensar num plano destes sem falar com a autarquia e com a
Administração do Porto de Lisboa [que tem a seu cargo a zona entre
a linha do comboio e o rio]?”, pergunta, lembrando que a proposta
não implica apenas conciliar a gestão de museus e monumentos;
implica mexer na envolvente, no espaço urbano. “Além disso, seria
impensável que uma resolução do Conselho de Ministros [a que cria
a estrutura de missão, de Junho de 2015] propusesse algo que
desrespeitasse a lei, que atropelasse o poder autárquico.”
O PÚBLICO tentou
ouvir o presidente da câmara sobre esta matéria, endereçando-lhe
uma série de perguntas, mas até ao momento não obteve qualquer
resposta do gabinete de Fernando Medina.
A "nova missão"
António Lamas diz
ter entregado o plano para o eixo Belém-Ajuda a João Soares, poucos
dias depois de este ter chegado ao ministério, tendo pedido na mesma
altura que fosse marcada uma sessão pública para a sua divulgação,
que incluiria uma apresentação sobre o futuro e as necessidades do
CCB, algo que nunca chegou a acontecer. Até hoje, garante, aguarda a
aprovação do plano de actividades da casa para este ano, razão
pela qual não foi ainda feita uma conferência de imprensa para
anunciar a programação até Dezembro.
“Este plano foi
exaustivamente pensado e discutido, fizemos muitas consultas com as
entidades envolvidas. Nada disto é irreflectido. Tenho esperança de
que venha a ser executado um dia, que não fique na gaveta.”
As reservas quanto
ao facto de a autarquia não ter sido consultada vêm expressas na
resolução publicada em Diário da República. Dela consta uma outra
justificação para a extinção da estrutura de missão de Belém –
o facto de, por inerência, o presidente do CCB estar encarregue da
gestão e da coordenação deste novo órgão, o que, na opinião do
actual Governo, pode vir a “comprometer a missão e o papel daquele
equipamento cultural no quadro da sua intervenção prioritária”.
“Prejudicar o CCB?
Eu seria a última pessoa a fazer uma coisa dessas. Sei bem quais são
as suas prioridades, que papel se espera que cumpra, porque fui eu
que escrevi o programa do CCB”, contrapõe Lamas. “Eu estava lá
antes de ele nascer e, apesar de não ter tido nenhumas
responsabilidades na sua gestão até 2014, tenho-as hoje, sei como
funciona ou como devia funcionar.”
António Lamas
chegou em Outubro de 2014 ao CCB e desde aí tem vindo a lançar uma
série de medidas que, diz, visa optimizar a gestão da casa e
torná-la mais “transparente” e “sustentada”. Medidas que,
reconhece, são muitas vezes “pouco populares”, sobretudo as que
implicaram rescindir contratos ou cortar complementos de ordenado aos
funcionários.
“Para mim o CCB e
Belém são indissociáveis”, diz Lamas, voltando a sublinhar que o
plano estratégico que apresentou em Agosto do ano passado não era
apenas uma maneira de criar uma nova dinâmica naquela que diz ser “o
sítio mais extraordinário de Lisboa” – era um instrumento para
relançar o CCB com uma “nova missão”, capaz de garantir a sua
sustentabilidade nos próximos 20 anos.
Essa “nova missão”
foi precisamente o que fez com que, no meio cultural, se começasse a
temer pelo futuro do CCB enquanto casa de criação contemporânea,
pondo-se a hipótese de que Lamas o visse apenas como um centro de
operações na gestão do eixo Belém-Ajuda, descurando cada vez mais
a sua programação, já muito afectada.
“O plano é
indispensável, tanto para Belém como para o CCB. O problema de
sustentabilidade desta casa é uma coisa séria. Reduzir a sua
dependência de subsídios [do Estado], que são cada vez mais
pequenos, é uma necessidade óbvia, absoluta”, defende Lamas,
lembrando que sem dinheiro não há forma de a instituição assumir
o seu papel no incentivo à criação e na divulgação das várias
artes.
No Orçamento do
Estado para 2016, a verba destinada ao CCB é de 19 milhões de
euros, um crescimento de quase 2,5 milhões face ao anterior, o que
traduz um dos aumentos mais significativos entre as instituições da
esfera do Ministério da Cultura. Lamas explica assim esta evolução
orçamental: “É verdade que esse aumento existe, mas ele vem de
uma estimativa de crescimento das receitas próprias e não de uma
maior dotação do Estado. Só teremos mais [dinheiro], se,
internamente, formos capazes de gerar essa receita com as nossas
actividades.”
Sem o plano, explica
este professor catedrático de Engenharia no Instituto Superior
Técnico, tudo será muito mais difícil, mas não impossível. É
por isso que não se demite, mesmo depois de ter afirmado
publicamente que aceitara a presidência do CCB porque com ela vinha
a missão de repensar a zona de Belém, beneficiando da experiência
que tivera à frente da empresa que gere os monumentos de Sintra, a
Parques de Sintra – Monte da Lua. “Acredito que o CCB pode
beneficiar do plano, mas o CCB não é o plano.” E o que é que
isso significa? “Que, se o Governo não quer aprovar o plano, o CCB
terá de encontrar outras formas de garantir a sua sustentabilidade e
de ganhar maior protagonismo na actividade cultural, de ser mais
forte, mais dinâmico.”
Para que o CCB possa
cumprir estes objectivos, precisa de uma gestão mais transparente e
eficaz, advoga, precisa de fazer mais dinheiro com as suas
actividades, tanto a cultural como a comercial. E isso pode passar,
exemplifica, pela sua ampliação para poente, com a construção dos
módulos 4 e 5, previstos no seu projecto inicial, a serem ocupados
por um hotel e lojas. “Podem ser concessionados e ser uma fonte de
receita interessante. Não acho que seja útil ser o CCB a promover a
sua construção, mas pode procurar quem o faça”, diz, admitindo
que está a “estudar intensamente” esta hipótese, que pode “ir
para a frente, claramente, sem o plano”.
Isto não significa,
no entanto, que Lamas tenha deixado de acreditar na proposta
elaborada e na sua exequibilidade. Uma proposta que, apesar de
disponível no portal do Governo desde Setembro, “curiosamente
nunca foi contestada na sua substância”: “O que oiço dizer é
que não pode ser aplicado porque a câmara não foi consultada…
Parece-me que é estranho que se queira deitar fora uma proposta sem
se dizer sequer porque é que ela não é válida, porque é que ela
não interessa.”
Se há um outro
plano estratégico ou de intervenção para o eixo Belém-Ajuda, da
responsabilidade da autarquia, Lamas não o conhece. O PÚBLICO
procurou saber junto da câmara municipal que projectos tem para
aquela zona da cidade, mas sem sucesso.
Os custos
Os custos já tidos
na concepção desta estratégia que o Governo acaba de abandonar
rondam os 220 mil euros. A verba foi aplicada nos estudos e na
elaboração do plano, com consultas a técnicos de áreas como
economia, transportes e urbanismo (133.500 euros), e na divulgação
dos equipamentos culturais de Belém, com a produção de um site,
aplicações para smartphones e tablets e infografias (84 mil euros).
Custos autorizados pela tutela, afirma António Lamas, à data o
secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier.
“Grande parte
destas verbas, assim como de outras destinadas a obras já feitas
para tornar o CCB mais acessível a pessoas com pouca mobilidade,
deverá vir de fundos europeus.” Lamas diz “deverá”, porque as
verbas em causa ainda não chegaram. Dizem respeito a candidaturas ao
Programa Operacional da Região de Lisboa (POR Lisboa), que funciona
com financiamento de Bruxelas. Para já, reconhece, as contas foram
pagas com dinheiro do CCB, incluindo o levantamento arquitectónico
do Jardim Botânico Tropical, instituição com a qual não tem
qualquer ligação física nem programática. “É verdade que se
recorreu ao CCB, mas o dinheiro será reposto quando as verbas do POR
Lisboa chegarem”, justifica, garantindo que a oferta cultural da
casa não foi afectada por estes gastos adicionais e que a decisão
do Governo de acabar com a estrutura de missão e, com ela, de pôr
fim ao plano para o eixo Belém-Ajuda “não compromete” o
financiamento europeu.
Quanto à oferta
cultural do CCB, Lamas admite que tem vindo a perder protagonismo,
mas defende que pode recuperá-lo se for capaz de se voltar para
fora, de estabelecer parcerias com instituições como a Gulbenkian,
o Teatro Nacional de S. Carlos, a Casa da Música e a Companhia
Nacional de Bailado. “Precisamos de um director de programação,
creio que isso tornaria as coisas mais fáceis.”
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