sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Portugal visto por Ana Avoila e Wolfgang Schäuble / PEDRO SOUSA CARVALHO / Mercados e Eurogrupo forçam Portugal a preparar plano B


OPINIÃO
Portugal visto por Ana Avoila e Wolfgang Schäuble
PEDRO SOUSA CARVALHO 12/02/2016 - PÚBLICO

José Sócrates aguentou três PEC e só caiu no PEC IV. Veremos quantos PEC é que aguenta António Costa.

António Costa ainda nem três meses tem de governo e já vai no segundo pacote de austeridade. Primeiro teve de aceitar incorporar medidas adicionais de mais de mil milhões de euros para ajudar a credibilizar o seu primeiro Orçamento e ontem Mário Centeno saiu de Bruxelas com a incumbência de preparar mais outro pacote de austeridade, com medidas concretas, que será posto em prática, caso haja uma derrapagem nas contas públicas. E com isto tudo lá se vai a tese do virar a página da austeridade.

Dada a avaliação que fez ao Orçamento para 2016, Bruxelas muito provavelmente vai obrigar Portugal a verter algumas dessas novas medidas de austeridade no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) que será negociado em Abril. Mas até lá António Costa terá de negociar com PCP e com o Bloco as novas medidas de austeridade. José Sócrates aguentou três PEC e só caiu no PEC IV. Veremos quantos PEC é que aguenta António Costa.

Quem achava que reverter toda a austeridade à pressa não tinha um preço, eis aqui o preço – mais austeridade. Que o Orçamento para 2016 não é grande coisa quem quer perceber já percebeu. Por isso não adianta continuar a fazer bullying orçamental, como fez ontem o vice-presidente da Comissão Europeia. Valdis Dombrovskis veio dizer que a estratégia de António Costa e de Mário Centeno é "arriscada", que o Governo português apenas "cumpriu o mínimo" e que "não está garantido que, com este Orçamento, Portugal consiga corrigir o seu défice excessivo”.

O senhor já embirrou connosco, mas com a birra dele podemos nós bem. O que não podemos aguentar por muito tempo é a birra dos mercados, que ontem levaram os juros da dívida portuguesa a dez anos a aumentar dos 3,5% até aos 4,5%. Lá fora os mercados estão todos em turbulência – não se consegue perceber muito bem o que se passa no Deutsche Bank e na Société Générale, há mais sinais de abrandamento da economia mundial, a inflação na Europa não descola e o petróleo está a cair a uma velocidade talvez demasiado acelerada.

O leitor dirá, e com bastante razão, que com o mal dos outros podemos nós bem. Mas a queda abrupta dos mercados ontem veio mostrar que se a Europa é um automóvel, Portugal continua a ser o pára-choques. Os investidores continuam a desconfiar da capacidade do país em consolidar as contas públicas e a dimensão da queda da dívida ontem mostra que nem o escudo protector do BCE nos vai valer, se os mercados embirrarem muito connosco.

Mais do que ter esta ou aquela medida no Orçamento, o que está realmente a preocupar o Eurogrupo é a mensagem que Portugal está a passar aos mercados. Não é por acaso que Wolfgang Schäuble veio dizer que “Portugal deve estar ciente de que pode perturbar os mercados financeiros, se der impressão de que está a inverter o caminho que tem percorrido. O que será muito delicado e perigoso para Portugal”. E é essa impressão que António Costa tem dado desde que chegou. Não vale a pena propagandear aos quatro ventos o fim da austeridade. O Governo anterior de Passos Coelho começou a aliviar a austeridade, violou de forma grosseira o Pacto Orçamental ao aumentar em 0,5 pontos o défice estrutural em 2015, mas nenhum jornal estrangeiro fez uma manchete a dizer "Portugal will roll back austerity". Para se ter a confiança dos mercados, às vezes nem sequer é preciso ser, basta parecer.

Enquanto lá fora a nossa dívida é vendida ao desbarato, cá dentro continuamos com as bizantinices do costume. O Governo, depois de prometer que as 35 horas na função pública não iam acarretar custos adicionais para o Estado, agora veio anunciar que vai fazer um estudo para saber quando é que custar a medida. Mas afinal a medida antes não tinha custos e agora vai ter custos? E pede-se um estudo depois de se anunciar que a medida vai entrar em vigor a 1 de Julho? Não devia ser antes? E se o estudo concluir que as 35 horas vão realmente pesar nos cofres do Estado? Mantêm-se as 40 horas?


Enquanto Mário Centeno procura respostas para estas perguntas, Ana Avoila parece ter encontrado uma solução habilidosa. A responsável da Frente Comum faz a seguinte sugestão nas negociações com o Governo: como este ano devem reformar-se 20 mil da função pública, e como o Orçamento só permite que entre um trabalhador por cada dois que saiam, então o Estado vai ter de contratar 10 mil funcionários. Mas, enquanto esse novos trabalhadores “não entrarem em funções, as horas extraordinárias podem ser contabilizadas como uma antecipação dos custos de admissão dos novos trabalhadores”, diz a dirigente sindical. Resumindo, a engenharia financeira sugerida por Ana Avoila, digna de uma Goldman Sachs, é contabilizar os custos das horas extras com as 35 horas como uma antecipação de custos de trabalhadores que vão, mas ainda não entraram no Estado. Não sei se haveremos de rir com esta sugestão, ou de chorar com a subida dos juros da dívida.


Mercados e Eurogrupo forçam Portugal a preparar plano B
SÉRGIO ANÍBAL e SÍLVIA AMARO (Bruxelas) 11/02/2016 – PÚBLICO / 19:11 (actualizado às 21:59)

Governo vai preparar novas medidas de redução do défice, que estejam de prevenção para usar “quando necessário”.

Foi com os mercados a pressionar Portugal de uma forma que não se via desde Julho de 2013 que Mário Centeno entrou na reunião do Eurogrupo desta quinta-feira. De lá, depois de ouvir os seus colegas da zona euro a pedirem mais garantias de que irá cumprir as metas orçamentais, o ministro das Finanças saiu com o anúncio de que o Governo irá preparar uma lista de medidas de austeridade adicionais que ficarão prontas para serem usadas rapidamente, caso tal venha a revelar-se necessário.

O cenário dificilmente poderia ser mais difícil para o responsável político português. Durante a manhã, os mercados financeiros viveram mais um dia de forte turbulência e Portugal foi um dos focos de maior preocupação. As taxas de juro da dívida pública portuguesa subiram mais do que a de qualquer outro país europeu, com os investidores a mostrarem uma desconfiança em relação aos títulos nacionais semelhante à que se assistiu quando Paulo Portas anunciou a sua demissão do Governo há dois anos e meio.

Se do lado da maioria dos membros do Eurogrupo já poderia haver à partida dúvidas em relação aos planos orçamentais portugueses, com a forte pressão vinda dos mercados o sentimento de urgência entre os ministros das Finanças veio ao de cima, sendo considerado indispensável apresentar algum tipo de mensagem tranquilizadora aos investidores.

Essa mensagem veio sob a forma de uma espécie de plano B. O Eurogrupo não avançou para a exigência de aplicação imediata de novos impostos ou cortes de despesa, algo que iria contra a opinião emitida pela Comissão Europeia na semana passada, mas fez com que o Governo português tivesse de se comprometer a preparar um pacote de medidas que esteja pronto para ser accionado caso seja necessário.

"Em linha com a opinião da Comissão Europeia, aquilo que o Eurogrupo pede ao Governo português é para estar preparado para adoptar novas medidas quando elas forem necessárias (…) As medidas serão preparadas para serem tomadas quando forem necessárias, estando nós conscientes de que um cumprimento daquilo que é o Orçamento de Estado não necessitará dessas medidas", explicou Mário Centeno aos jornalistas a seguir à reunião.

Ao mesmo tempo, em conferência de imprensa, Jeroen Dijsselbloem, Pierre Moscovici e Klaus Regling defenderam a importância de tranquilizar os mercados, mostrando de forma mais credível que Portugal está pronto para cumprir as metas orçamentais a que se propôs. "O Eurogrupo saúda o compromisso das autoridades portuguesas em preparar a partir deste momento medidas adicionais a implementar assim que necessário, para garantir que o orçamento de 2016 respeite o pacto de estabilidade e crescimento," disse o presidente do grupo dos 19 ministros das Finanças da zona euro. Dijsselbloem defendeu ainda, numa resposta colocada sobre a situação em Espanha, que “quando os mercados estão voláteis, temos de ter uma mão firme”.

O comissário europeu Moscovici disse que “esta é a única forma de tranquilizar os investidores, restaurar a confiança e criar condições para haver bastantes e estáveis empregos que a população portuguesa precisa”.

Klaus Regling, director do mecanismo europeu de estabilidade financeira - que representa o maior credor de Portugal - , reconheceu que os mercados reagiram de forma "negativa" às incertezas que envolveram os últimos desenvolvimentos orçamentais. "Penso que o compromisso tomado pelas autoridades portuguesas para preparar imediatamente medidas adicionais, a usar caso seja necessário, é muito tranquilizador," disse Regling.

Já antes da reunião, o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, tinha dito que “Portugal deve estar ciente de que pode perturbar os mercados financeiros se der impressão de que está a inverter o caminho que tem percorrido, o que será muito delicado e perigoso para Portugal".

E que medidas é que poderão fazer parte deste plano B português? Nem Mário Centeno, nem os outros responsáveis políticos europeus quiseram avançar com ideias. "Nós não dizemos aos nossos colegas que medidas tomar, mas dada a situação actual de Portugal ficámos satisfeitos com o compromisso do governo Português em respeitar o pacto [de estabilidade]," disse Dijsselbloem.

Quando negociou a proposta de orçamento com a Comissão, o Governo apresentou mais de 1000 milhões de euros de medidas adicionais, incluindo subidas de impostos sobre os combustíveis e o tabaco e o recuo na redução da TSU para os salários mais baixos. O executivo evitou mexer no IVA, tanto no valor da taxa normal como no sector da restauração, onde irá efectuar uma descida. Poderá ser aqui que Governo conseguirá contar com mais margem de manobra, em termos de ganho de receita e de apoio político.

Tanto do lado da Comissão como do Eurogrupo, fez-se questão de deixar bem claro que a vigilância a Portugal será bem apertada, especialmente nos próximos três meses.

Em Maio, o teste que as autoridades europeias irão fazer a Portugal vai assentar em três dados novos: os números definitivos do défice de 2015, as previsões de Primavera da Comissão Europeia e o programa de estabilidade que Portugal irá apresentar com as metas orçamentais para os próximos quatro anos.

Em relação a 2015, o défice deverá ter ficado acima de 3% mesmo descontando o efeito do Banif e o défice estrutural, em vez de descer, subiu. Sendo assim, a Comissão Europeia ficará na mão com argumentos para ameaçar Portugal com um agravamento do procedimento por défice excessivo (com calendarização de medidas e possíveis sanções) caso não esteja à vista uma acção mais decidida em 2016 e nos anos seguintes.

A complicar ainda mais as coisas para Portugal está a expectativa de tempos de instabilidade nos mercados internacionais, semelhantes ao que se assistiu esta quinta-feira. Os investidores vêem as economias emergentes a abrandarem, os bancos centrais a baixarem ainda mais as taxas de juro e os bancos a perderem a sua rendabilidade. A ameaça de uma nova crise financeira é uma realidade e por isso a opção para muitos é a de fugir o máximo possível aos activos de risco.

Por isso, evitam os mercados accionistas e o petróleo e investem em ouro e prata. Nas obrigações, compram os títulos alemães e norte-americanos e vendem dívida dos países mais frágeis da zona euro. Portugal está a mostrar que, nesta fase, está claramente na linha da frente dos receios dos investidores.


As taxas de juro da dívida pública portuguesa a 10 anos subiram, no final da tarde desta quinta-feira, para 3,945%, mais cerca de 0,4 pontos do no dia anterior, de acordo com a Reuters. Foi a maior subida entre todos os países europeus e chegou a ser muito maior a meio da manhã, quando a taxa de juro chegou a aproximar-se dos 4,5%. Entre os receios dos mercados, está o facto de apenas uma agência de rating – a DBRS -- classificar a dívida portuguesa a um nível acima de “lixo”. Se se perder essa classificação, a capacidade do país aceder ao financiamento internacional pode ficar fortemente fragilizada.

Sem comentários: