quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

E fez-se luz: queremos mesmo estes LEDs em todas as ruas da cidade de Lisboa?


E fez-se luz: queremos mesmo estes LEDs em todas as ruas da cidade de Lisboa?

Opinião
Texto: Pedro Nunes

POR O CORVO • 17 FEVEREIRO, 2016

Não há escape. A tendência é para, no espaço de alguns anos, a iluminação pública nas ruas das cidades passar inteiramente da tradicional, confortável e quente, para uma mais moderna, áspera e fria, mas mais eficiente. Falamos, claro, de LEDs: por todo o lado, esta tecnologia desperta paixões exacerbadas e é a grande coqueluche dos pelouros de energia. Lisboa não é excepção: a Câmara pretende instalar LEDs em todos os 60 mil candeeiros da capital, haja apoios comunitários que o financiem.

Mas isso não é bom? Vamos por partes. A boa: os LEDs usam cerca de 60% menos energia que as lâmpadas tradicionais de vapor de sódio e duram mais tempo, alegadamente bastante mais tempo. Por outro lado, iluminam instantaneamente após serem ligados e podem ser controlados por sensores, iluminando só quando há trânsito ou pedestres, por exemplo. Reduzem, portanto, as contas de electricidade e de manutenção de equipamentos das autarquias.

A parte neutra: diz-se que a iluminação LED reduz a criminalidade, mas não é factual, pois parece que é só uma questão de percepção, já que os estudos não encontraram essa correlação.

A parte menos boa dos LEDs: a sua instalação é cara, porque a tecnologia ainda é cara e obriga, por vezes, a substituir o candeeiro todo. Isto implica que o período de retorno do investimento seja frequentemente de cinco ou mais anos, até porque as lâmpadas de vapor de sódio são, já de si, bastante económicas. Nos casos em que os postes têm de ser mudados, o retorno pode dar-se só em 10-20 anos. Por outro lado, as lâmpadas LED, frequentemente, duram menos tempo do que o apregoado, por falha não dos LEDs, mas da electrónica que os suporta.

Em resumo, os LEDs proporcionam grandes poupanças de energia, mas constituem um investimento que demora a ser rentabilizado, embora eventualmente justificado. Até aqui, nada que não seja sobejamente discutido.

O que é menos falado são as razões que levam, em alguns locais, a haver movimentos de cidadãos que se opõem à iluminação LED, pelo menos como ela é instalada. No Reino Unido, em Llandough, foi lançada uma petição para a autarquia remover os LEDs e reinstalar a iluminação original; em Bath, a autarquia, após as primeiras instalações de LEDs, lançou uma consulta pública à população no seguimento das reclamações recebidas; em Manchester, um grupo de cidadãos ameaçou processar a autarquia se esta prosseguisse os seus planos de instalação de LEDs. Nos Estados Unidos da América, houve movimentos semelhantes em várias partes, como em Brooklyn, Nova Iorque e em Seattle.

A razão disto tem a ver com factores interligados entre si, fisiológicos e de conforto visual. Os fisiológicos: a luz natural, a do Sol, é composta por uma combinação de todas as cores, do vermelho ao azul. No caso dos LEDs, tipicamente apresentam uma forte componente azul, o que dá o tom branco-azulado e deslavado à luz. Trata-se de luz muito energética, disruptiva do sono porque suprime a produção da hormona que o regula, a melatonina, que é segregada no organismo humano à noite. Uma exposição nocturna elevada a luz deste tipo leva a perturbações no sono, tal como os estudos mostram. Perturbações semelhantes afectam os animais, nomeadamente aves nocturnas.

A iluminação tradicional, por seu lado, é predominantemente composta da cor amarela, pouco energética e não perturbadora do ritmo circadiano. É por este motivo que, normalmente, nos espaços de trabalho se usa luz branca, que tem uma forte componente azul estimulante, e nos espaços de conforto se usa luz amarela, que não tem esse efeito. E, por isso, a luz amarela é mais repousante e, portanto, mais confortável. E acabamos assim no factor conforto visual.

Mas se os LEDs, no início da implantação da tecnologia, apenas proporcionavam uma luz branca-azulada, hoje em dia há-os em tonalidades mais aprazíveis. O amadurecimento da tecnologia proporcionou-o, embora os mais baratos continuem a apresentar esse tipo de luz branco-azulada.

Além de custarem menos, estes LEDs são um pouco mais eficientes, em 10-15%, que os seus pares de tom amarelo. Estes dois factores constituem motivo para as autarquias, por norma, os escolherem em detrimento dos mais amarelos, que, não obstante, são igualmente bastante frugais energeticamente. Numa nota mais técnica, mandam as boas práticas que a iluminação pública LED não exceda 3000K de cor, e a que vemos é, muitas vezes, de 4000K ou superior.

Em suma, na pressa de abraçar novas tecnologias “amigas” do ambiente, existem nuances para as quais os técnicos não estão preparados, porque envolvem aspectos relativos à fisiologia humana e ao conforto visual. Em avenidas com mais carros, onde mais luz e mais branca pode trazer vantagens para a visibilidade na circulação automóvel, os LEDs intensos e brancos podem fazer sentido; já em pacatos bairros residenciais, onde se deseja uma luz mais cómoda e compatível com o ritmo circadiano humano e dos animais, não fazem. Além disso, uma luz branca deslavada prejudica a estética urbana nocturna, em particular das zonas mais antigas. Está na hora de as autarquias ouvirem a opinião dos munícipes sobre o assunto e de estes começarem a pensar nele e fazerem ouvir a sua voz.


Investigador em energia e sustentabilidade da Universidade de Lisboa.

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