Opinião
Texto: Pedro Nunes
*
POR O CORVO • 17
FEVEREIRO, 2016
Não há escape. A
tendência é para, no espaço de alguns anos, a iluminação pública
nas ruas das cidades passar inteiramente da tradicional, confortável
e quente, para uma mais moderna, áspera e fria, mas mais eficiente.
Falamos, claro, de LEDs: por todo o lado, esta tecnologia desperta
paixões exacerbadas e é a grande coqueluche dos pelouros de
energia. Lisboa não é excepção: a Câmara pretende instalar LEDs
em todos os 60 mil candeeiros da capital, haja apoios comunitários
que o financiem.
Mas isso não é
bom? Vamos por partes. A boa: os LEDs usam cerca de 60% menos energia
que as lâmpadas tradicionais de vapor de sódio e duram mais tempo,
alegadamente bastante mais tempo. Por outro lado, iluminam
instantaneamente após serem ligados e podem ser controlados por
sensores, iluminando só quando há trânsito ou pedestres, por
exemplo. Reduzem, portanto, as contas de electricidade e de
manutenção de equipamentos das autarquias.
A parte neutra:
diz-se que a iluminação LED reduz a criminalidade, mas não é
factual, pois parece que é só uma questão de percepção, já que
os estudos não encontraram essa correlação.
A parte menos boa
dos LEDs: a sua instalação é cara, porque a tecnologia ainda é
cara e obriga, por vezes, a substituir o candeeiro todo. Isto implica
que o período de retorno do investimento seja frequentemente de
cinco ou mais anos, até porque as lâmpadas de vapor de sódio são,
já de si, bastante económicas. Nos casos em que os postes têm de
ser mudados, o retorno pode dar-se só em 10-20 anos. Por outro lado,
as lâmpadas LED, frequentemente, duram menos tempo do que o
apregoado, por falha não dos LEDs, mas da electrónica que os
suporta.
Em resumo, os LEDs
proporcionam grandes poupanças de energia, mas constituem um
investimento que demora a ser rentabilizado, embora eventualmente
justificado. Até aqui, nada que não seja sobejamente discutido.
O que é menos
falado são as razões que levam, em alguns locais, a haver
movimentos de cidadãos que se opõem à iluminação LED, pelo menos
como ela é instalada. No Reino Unido, em Llandough, foi lançada uma
petição para a autarquia remover os LEDs e reinstalar a iluminação
original; em Bath, a autarquia, após as primeiras instalações de
LEDs, lançou uma consulta pública à população no seguimento das
reclamações recebidas; em Manchester, um grupo de cidadãos ameaçou
processar a autarquia se esta prosseguisse os seus planos de
instalação de LEDs. Nos Estados Unidos da América, houve
movimentos semelhantes em várias partes, como em Brooklyn, Nova
Iorque e em Seattle.
A razão disto tem
a ver com factores interligados entre si, fisiológicos e de conforto
visual. Os fisiológicos: a luz natural, a do Sol, é composta por
uma combinação de todas as cores, do vermelho ao azul. No caso dos
LEDs, tipicamente apresentam uma forte componente azul, o que dá o
tom branco-azulado e deslavado à luz. Trata-se de luz muito
energética, disruptiva do sono porque suprime a produção da
hormona que o regula, a melatonina, que é segregada no organismo
humano à noite. Uma exposição nocturna elevada a luz deste tipo
leva a perturbações no sono, tal como os estudos mostram.
Perturbações semelhantes afectam os animais, nomeadamente aves
nocturnas.
A iluminação
tradicional, por seu lado, é predominantemente composta da cor
amarela, pouco energética e não perturbadora do ritmo circadiano. É
por este motivo que, normalmente, nos espaços de trabalho se usa luz
branca, que tem uma forte componente azul estimulante, e nos espaços
de conforto se usa luz amarela, que não tem esse efeito. E, por
isso, a luz amarela é mais repousante e, portanto, mais confortável.
E acabamos assim no factor conforto visual.
Mas se os LEDs, no
início da implantação da tecnologia, apenas proporcionavam uma luz
branca-azulada, hoje em dia há-os em tonalidades mais aprazíveis. O
amadurecimento da tecnologia proporcionou-o, embora os mais baratos
continuem a apresentar esse tipo de luz branco-azulada.
Além de custarem
menos, estes LEDs são um pouco mais eficientes, em 10-15%, que os
seus pares de tom amarelo. Estes dois factores constituem motivo para
as autarquias, por norma, os escolherem em detrimento dos mais
amarelos, que, não obstante, são igualmente bastante frugais
energeticamente. Numa nota mais técnica, mandam as boas práticas
que a iluminação pública LED não exceda 3000K de cor, e a que
vemos é, muitas vezes, de 4000K ou superior.
Em suma, na pressa
de abraçar novas tecnologias “amigas” do ambiente, existem
nuances para as quais os técnicos não estão preparados, porque
envolvem aspectos relativos à fisiologia humana e ao conforto
visual. Em avenidas com mais carros, onde mais luz e mais branca pode
trazer vantagens para a visibilidade na circulação automóvel, os
LEDs intensos e brancos podem fazer sentido; já em pacatos bairros
residenciais, onde se deseja uma luz mais cómoda e compatível com o
ritmo circadiano humano e dos animais, não fazem. Além disso, uma
luz branca deslavada prejudica a estética urbana nocturna, em
particular das zonas mais antigas. Está na hora de as autarquias
ouvirem a opinião dos munícipes sobre o assunto e de estes
começarem a pensar nele e fazerem ouvir a sua voz.
*
Investigador em energia e sustentabilidade da
Universidade de Lisboa.
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