Se se respira, de
forma completamente alienada ainda um clima político “que fará
inveja “, isso deve-se apenas à conhecida passividade e indolência
Lusa.
OVOODOCORVO
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OPINIÃO
Do
lixo financeiro ao lixo político
TERESA DE SOUSA
14/02/2016 - PÚBLICO
“Lá
como cá, nos últimos trinta anos a classe média que sustenta as
democracias foi “espremida” graças à “trickle down theory”
(assim já não tenho de dizer neoliberal): se se criarem as melhores
condições para as empresas e os investidores, o crescimento
económico acabaria por beneficiar toda a gente. O problema é que
isso não aconteceu aos rendimentos da classe média, que estagnaram
indefinidamente. O que sobrou foi o populismo.”
Ainda
respiramos em Portugal um clima político que fará inveja a outros
países, apesar do populismo do Bloco e do anacronismo do PCP.
1. A subida das
taxas de juro da dívida portuguesa a 10 anos tem, como toda a gente
sabe, múltiplas explicações, umas mais importantes do que outras.
Não se deve apenas à forma como decorreu a negociação do
Orçamento para 2016 em Bruxelas, nem sequer à composição do apoio
parlamentar ao Governo de António Costa. Deve-se à extrema
volatilidade dos mercados financeiros, que procuram lugares seguros
para investir (mesmo que a juros negativos) e que tem na sua origem,
para além das nuvens carregadas que impedem sobre a economia global,
alguns sinais preocupantes sobre a situação do sistema bancário
europeu. Esta é a realidade, a verdadeira, não a “da esquerda”
que, para os fanáticos da austeridade, só serve para disfarçar a
culpa de um governo que ousou pôr em causa a ortodoxia decretada por
Berlim para chegarmos à salvação plena e sem pecado. Muita gente
disse isto bastante melhor do que eu.
Desculpem, portanto,
a insistência, mas o meu medo é que, do “lixo financeiro” a que
as agências nos condenaram, passemos rapidamente ao “lixo
político”, esse sim com um alto risco de rebentar de vez com a
Europa. Cito a Economist: “Para os que temem que a repetição da
crise 2007-2008 esteja iminente, a semana passada trouxe novos
presságios. As acções de grandes bancos mergulharam (…). Os
custos de garantir as dívidas dos bancos contra o default subiram
fortemente, especialmente na Europa”. A parte de que gosto mais é
esta: “O patrão do Deutsch Bank sentiu-se obrigado a declarar que
a instituição que lidera é ‘sólida que nem uma rocha’; o
ministro alemão das Finanças declarou que não estava preocupado
(desta forma aumentando a preocupação).”
A Economist também
fala das novas regras de resolução europeias, que responsabilizam
os bancos pela limpeza dos seus balanços à custa dos seus
investidores e não do erário público, deixando de contaminar a
dívida soberana. A banca europeia até pode estar mais sólida do
que o pânico dos mercados indicia, mas isso pouco interessa. Ao
contrário dos EUA (onde há mil maneiras de financiar a economia,
para além dos bancos), na Europa o financiamento depende quase
totalmente da banca, acentuando a sensação de risco.
O que se debate hoje
na imprensa da especialidade é se vamos assistir a um Lehman
Brothers europeu, ou se esse é um risco descartável, porque as
circunstâncias do sistema financeiro parecem bastante mais sólidas.
A outra razão que explica o nervosismo dos mercados tem a ver com as
perspectivas de desaceleração do crescimento global, por causa da
China e de outras grandes economias emergentes, mas também pelas
dúvidas quanto à solidez da economia americana. A Presidente da FED
subiu as taxas de juro (é bom lembrar que passaram de zero para zero
vírgula qualquer coisinha), mas pode ter de adiar outras subidas,
mesmo que o seu objectivo central seja o desemprego, que caiu para
uma taxa inferior a 5%.
2. Quando Mário
Centeno entrou no Eurogrupo era este o quadro geral. Com os juros da
dívida soberana a dez anos a ultrapassarem os 4 por cento, ficou sem
qualquer margem de manobra, a não ser comprometer-se a apresentar
medidas adicionais até à nova revisão de Abril. Há aqui uma lição
para o Governo: é preciso ter cautela porque um choque externo desta
natureza atinge as economias mais débeis com uma força inesperada.
Isso quer dizer, em termos de política interna, que António Costa
vai ter de explicar aos seus parceiros à esquerda que há uma linha
vermelha que não ultrapassará, por mais que eles gritem e ameacem:
a presença de Portugal no euro, mesmo que isso possa custar mais do
que o previsto. Isso implica, por exemplo, que contribuam para a
estabilidade governativa em vez de andarem a sabotá-la. Não se
trata de obediência a Bruxelas. Como já se viu noutras capitais,
nem os esquerdistas (tipo Syriza), nem a extrema-direita (tipo
Marine) se atrevem a dar um passo cujas consequências suspeitam que
não sejam maravilhosas. Marine Le Pen lembrou-se agora de que a
saída do euro (e da Europa) poderia ser um problema para as suas
ambições políticas e lá foi anunciando que alinharia por uma
negociação idêntica à que David Cameron leva a cabo.
3. Dito isto, não
há um simples facto que ajude a ilibar Wolfgang Schäuble do que
disse no início do Eurogrupo, na quinta-feira. Foi nesse mesmo dia
que a imprensa europeia repetiu nas suas primeiras páginas o nome do
maior banco alemão, como um dos factores que ajudou ao pânico nos
mercados, penalizando fortemente a banca e aumentando o custo do
endividamento de Portugal, da Irlanda (vá-se lá saber porquê) e de
outras economias mais frágeis. A única ideia que lhe subiu à
cabeça para explicar esta turbulência foi dizer que o governo
português estava a desestabilizar os mercados. Com tudo o que se
disse acima, não há alma, por mais moderada que seja, que resista a
um desejo súbito de se manifestar à frente da embaixada alemã.
Como era inevitável, a direita já regressou à velha ladainha de
que a culpa é toda nossa. O que este Governo fez foi um Orçamento
que, depois das negociações com Bruxelas, não será tão amigo da
economia como era sua intenção (o que exige um estratégia
económica muito clara, que ainda não é visível), mas que inicia
uma nova fase, fundamental: distribuir os sacrifícios de forma mais
justa, aliviando um pouco os rendimentos daqueles que foram esmagados
pelo IRS ou pelo desemprego. A distinta lata dos membros do anterior
Governo ultrapassa tudo o que é imaginável quando diz que os
impostos indirectos que vão aumentar são “um ataque à classe
média”. Não podemos nada contra a asfixia do IRS. Mas podemos
decidir mudar de carro só para o ano, contribuindo de resto para o
equilíbrio da balança externa porque, a menos que andemos todos de
Sharan, os carros são importados.
4. E chegamos ao
“lixo político”. Ainda respiramos em Portugal um clima político
que fará inveja a outros países, apesar do populismo do Bloco e do
anacronismo do PCP. Por toda a parte, a ausência de uma alternativa
política (com as devidas consequências económicas) no quadro do
euro e da integração europeia está a enviar os eleitores mais
afectados pela baixa de rendimentos, pelo aumento das desigualdades,
pelos efeitos da globalização, pelo medo dos imigrantes, para
braços da extrema-direita e de uma esquerda radical mais ou menos
populista e totalmente irresponsável quanto às soluções
económicas. A reacção das democracias a este modelo único é,
naturalmente, diferente de país para país. Mas algum dia, que ainda
não chegou, as forças políticas moderadas que prezam a União
Europeia, vão ter de encontrar uma forma de inspirarem os seus
eleitores e de garantirem que a identidade europeia se constrói com
solidariedade e com uma partilha de soberania real e benéfica. Lendo
o que acabei de escrever, nem eu própria acredito que isso ainda
seja possível. Mas o contrário é demasiado feio.
5. Martim Wolf (e
não só ele) escreveu no Financial Times que alguma vez a distância
cada vez maior entre as elites (globalizadas) e os povos (ou seja, as
classe médias das democracias ocidentais) acabaria por abrir as
portas ao populismo. Temos agora a oportunidade de olhar para o que
se está a passar na América para avaliar a dimensão do que ele
diz. De um lado, Donald Trump (descobrimos tarde e a más horas que
não era apenas um número de entretenimento) soma e segue, obrigando
a sucessivos mea culpa de analistas e políticos. A sua força é
apresentar-se como o antipolítico, que promete expulsar os
imigrantes, banir os muçulmanos, torturar terroristas de tal forma
que o “waterbording” passaria a ser uma coisa bastante suave. Do
outro lado, o fenómeno é menos aberrante mas igualmente perigoso.
Berni Sanders, que se declara socialista num país em que a palavra
foi sempre olhada como uma bizarria europeia, e que promete uma
revolução política, conseguiu surpreender-se a si próprio, porque
as pessoas (incluindo as mais novas) ainda querem ser inspiradas por
alguém e, na ausência de Obama que é caso único, acham o seu
discurso no mínimo refrescante. Estamos a ver-nos ao espelho. Lá
como cá, nos últimos trinta anos a classe média que sustenta as
democracias foi “espremida” graças à “trickle down theory”
(assim já não tenho de dizer neoliberal): se se criarem as melhores
condições para as empresas e os investidores, o crescimento
económico acabaria por beneficiar toda a gente. O problema é que
isso não aconteceu aos rendimentos da classe média, que estagnaram
indefinidamente. O que sobrou foi o populismo.
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